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23 de abr. de 2020

Noam Chomsky: “O único país que tem demonstrado um internacionalismo verdadeiro tem sido Cuba”


                                                         Noam Chomsky. Foto: Apu Gomez.


Para o filósofo e linguista Noam Chomsky, a primeira grande lição da atual pandemia é que estamos diante  de outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo, que no caso dos Estados Unidos está agravado pela natureza dos bufões sociopatas que dirigem o governoliderado por Donald Trump.
De sua casa em Tucson (Arizona) e longe de seu gabinete no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), desde que transformou para sempre o campo da linguística, Chomsky repassa em uma entrevista com Efe as consequências de um vírus que deixa claro que os governos estão sendo o problema e não a solução.

Que lições positivas podemos extrair da pandemia?

A primeira lição é que estamos diante de outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo. Se não aprendemos isso, a próxima vez que acontecer algo parecido vai ser pior. É óbvio após o que ocorreu depois da epidemia do SARS em 2003. Os cientistas sabiam que viriam outras pandemias, provavelmente da variedade do coronavirus. Tivesse sido possível se preparar naquele ponto e abordá-lo como se faz com a gripe. Mas não se fez.
As empresas farmacêuticas tinham recursos e são super-ricas, mas não o fazem porque os mercados dizem que não há lucros em se preparar para uma catástrofe virando a esquina. E depois vem o martelo neoliberal. Os governos não podem fazer nada. Estão sendo o problema e não a solução.
Estados Unidos é uma catástrofe pela jogada que trazem em Washington. Sabem como culpar  todo mundo exceto a eles mesmos, apesar de serem os responsáveis. Somos agora o epicentro, em um país que é tão disfuncional que nem sequer pode prover de informação sobre a infecção à Organização Mundial da Saúde (OMS).

Que opina do gerenciamento da administração Trump?

A maneira em que isto se desenvolveu é surrealista. Em fevereiro a pandemia estava já fazendo estragos, todo mundo nos Estados Unidos o reconhecia. Justo em fevereiro, Trump apresenta uns orçamentos que vale a pena olhar. Cortes no Centro de Prevenção e Controle de Doenças e em outras partes relacionadas com a saúde. Fez cortes no meio de uma pandemia e incrementou o financiamento das indústrias de energia fóssil, a despesa militar, o famoso muro…
Tudo isso diz algo da natureza dos bufões sociopatas que administram o Governo e que o país está sofrendo. Agora buscam desesperadamente culpar  alguém. Culpam a China, a OMS… e o que têm feito com a OMS é realmente criminoso.  Deixar de financiá-la? Que significa isso? A OMS trabalha em todo mundo, principalmente em países pobres, com temas relacionados com a diarreia, a maternidade… Então que estão dizendo? “Ok, matemos um montão de gente no sul porque talvez isso nos ajude com nossas perspectivas eleitorais”. Isso é um mundo de sociopatas.
Trump começou negando a crise, disse inclusive que era um boato democrata.....Pode ser esta a primeira vez que os fatos venceram  Trump ?

A Trump  há que lhe conceder um mérito... É provavelmente o homem mais seguro de si mesmo que já existiu. É capaz de sustentar um cartaz que diz “os amo, sou seu salvador, confiem em mim porque trabalho dia e noite para vocês” e com a outra mão te apunhalar pelas costas. É assim que se relaciona com seus eleitores, que o adoram independentemente do que faça. E recebe ajuda por um fenômeno mediático formado por Fox NewsRush LimbaughBreitbart… que são os únicos meios que assistem os republicanos.
Se Trump diz em um dia “é só uma gripe, esqueçam dela”, eles dirão que sim, que é uma gripe e que há que se esquecer. Se no dia seguinte diz que é uma pandemia terrível e que ele foi o primeiro a se dar conta, gritarão em uníssono e dirão que ele é a melhor pessoa da história.
Ao mesmo tempo, ele mesmo olha Fox News pelas manhãs e decide o que  supõe que tem que dizer. É um fenômeno espantoso. Rupert Murdoch, Limbaugh e os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição.

Pode esta pandemia mudar a maneira com que nos relacionamos com a natureza?

Isso depende dos jovens. Depende de como a população mundial reaja. Isto nos poderia levar a estados altamente autoritários e repressivos que expandam o manual neoliberal inclusive mais que agora. Recorde: a classe capitalista não cede. Pedem mais financiamento para os combustíveis fósseis, destroem as regulações que oferecem alguma proteção… No meio da pandemia nos EE.UU. eliminaram-se normas que restringiam a emissão de mercúrio e outros contaminantes… Isso significa matar mais crianças  estadunidenses, destruir o meio ambiente. Não param. E se não há contraforças, é o mundo que nos sobrará.

Como fica o mapa de poder em termos geopolíticos depois da pandemia?

O que está acontecendo a nível internacional é bastante chocante. Está isso que chamam de União Europeia. Escutamos a palavra “união”. Ok, veja a Alemanha, que está gerenciando a crise muito bem… Na Itália a crise é aguda… Estão recebendo ajuda da Alemanha?  Felizmente estão recebendo ajuda, mas de uma superpotência como Cuba, que está mandando médicos. Ou chinesa, que envia material e ajuda. Mas não recebem assistência dos países ricos da União Europeia. Isso diz algo…


O único país que tem demonstrado um internacionalismo genuíno tem sido Cuba, que tem estado sempre sob  estrangulamento econômico por parte dos  EE.UU. e por algum milagre têm sobrevivido para seguir mostrando ao mundo o que é o internacionalismo. Mas isto não se  pode dizer nos EE.UU. porque o que tens de fazer é culpar  Cuba de violações dos direitos humanos. De fato, as piores violações de direitos humanos têm lugar ao sudeste de Cuba, em um lugar chamado Guantánamo que Estados Unidos tomou à  ponta de pistola e se nega a devolver.


Uma pessoa educada e obediente supõe-se que tem que culpar a China, invocar o “perigo amarelo” e dizer que os chineses vêm nos destruir, nós somos maravilhosos.
Há um chamamento ao internacionalismo progressista com a coalizão que Bernie Sanders começou nos Estados Unidos ou Varoufakis em Europa. Trazem elementos progressistas para contrarrestar o movimento reacionário que se forjou da Casa Branca (…) da mão de estados brutais do Oriente Médio , Israel (…) ou com gente como Orban ou Salvini, cujo desfrute na vida é se assegurar de que as pessoas que fogem desesperadamente da África se afoguem no Mediterrâneo.
Coloque todo esse reacionarismo internacional de um lado e a pergunta é… serão contestados? Eu só vejo esperança no que Bernie Sanders  tem construído.

Que tem perdido…

Diz-se comumente que a campanha de Sanders foi um fracasso. Mas isso é um erro total. Tem sido um enorme sucesso. Sanders tem conseguido mudar o âmbito da discussão e a política e coisas muito importantes que não podiam ser mencionados há alguns anos e que agora estão no centro da discussão, como o Green New Deal, essencial para a sobrevivência.
Não lhe financiaram os ricos, não tem tido apoio dos meios… O aparelho do partido teve que manipular para evitar que ganhasse a indicação. Da mesma maneira que no Reino Unido o ala direita do Partido Trabalhista destruiu  Corbyn , que estava democratizando o partido de uma maneira que não podiam suportar.
Estavam dispostos até a perder as eleições. Temos visto muito disso em EE.UU., mas o movimento permanece. É popular. Está crescendo, são novos... Há movimentos comparáveis na Europa, podem marcar a diferença.

Que acha que passará com a globalização tal e qual a conhecemos?

Não há nada de mal com a globalização. É bom ir de viagem à Espanha, por exemplo. A pergunta é que forma de globalização. A que se desenvolveu tem sido sob o neoliberalismo. É a que se tem desenhado. Tem enriquecido os mais ricos e existe um enorme poder em mãos de corporações e monopólios. Também tem levado a uma forma muito frágil de economia, baseada em um modelo de negócio da eficiência, fazendo as coisas ao menor custo possível. Esse raciocínio leva a que os hospitais não tenham certas coisas porque não são eficientes, por exemplo.

Agora o frágil sistema construído está colapsando porque não pode lidar com algo que tem saído mal. Quando desenhas um sistema frágil e centralizas a produção em um só lugar como a China… Olha Apple. Fatura enormes  lucros e poucos ficam na China ou em Taiwan. A maior parte de seu negócio vai para onde provavelmente têm localizado um escritório do tamanho de meu estúdio, na Irlanda, para pagar poucos impostos em um paraíso fiscal.

Como é que podem esconder dinheiro em paraísos fiscais? Isso faz parte da lei natural? Não. De fato nos Estados Unidos, até Reagan, era ilegal. Assim como as compras de ações. (...) Eram necessárias? Reagan legalizou

Tudo foi projetado, são decisões… que têm consequências que vemos ao longo dos anos e uma das razões que se encontra é o mal chamado “populismo”. Muita gente estava enfadada, resentida e odiava o governo de forma justificada. Isso tem sido um terreno fértil para demagogos que podiam dizer: sou teu salvador e os imigrantes isso e aquilo, etc.
Acha que, depois da pandemia, Estados Unidos estará mais perto de uma previdência universal e gratuita?

É muito interessante ver essa discussão. Os programas de Sanders, por exemplo, previdência universal, taxas universitárias gratuitas… Criticam-no em todo o espectro ideológico. As críticas mais interessantes vêm da esquerda. Os colunistas mais liberais do New York TimesCNN e todos eles… Dizem que são boas ideias, mas não para os estadunidenses.
A previdência universal está em todas as partes. Em toda Europa de uma forma ou de outra. Em países pobres como Brasil, México… E a educação universitária gratuita? Em todas as partes… Finlândia, Alemanha, México… em todos os lados. De modo que o que dizem os críticos na esquerda é que Estados Unidos é uma sociedade tão atrasada que não pode ser colocado à altura do resto do mundo. E isso diz bastante da natureza, da cultura e da sociedade.




Tradução:  Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba





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