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16 de out. de 2020

A COVID-19 EM CUBA E A NOVA NORMALIDADE



 

Por Marcia Choueri*

          Desde o dia 12 de outubro, a maior parte das províncias de Cuba entrou na fase da nova normalidade. Apenas três ainda não chegaram a esse momento em relação à pandemia da Covid-19: Ciego de Ávila e Sancti Spíritus, consideradas em fase de transmissão autóctone, e Havana, que está na terceira fase da etapa de recuperação.

            Num rápido resumo, já em dezembro de 2019, o país emitiu um alerta, pelo Sistema de Vigilância de Saúde, relacionado com o aparecimento de uma enfermidade desconhecida na China; em 30 de janeiro de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o novo coronavírus como uma emergência de saúde pública internacional, Cuba aprovou o primeiro plano de prevenção e controle para o enfrentamento da pandemia. Naquele momento, já havia no mundo mais de 118.600 pessoas positivas para o vírus, 4.292 falecimentos por essa causa, e 109 países registravam casos.

            Desde o primeiro momento, a elaboração aqui de medidas de enfrentamento da enfermidade teve em conta os indicadores internacionais, a experiência do país, o critério de peritos e profissionais do setor e, sobretudo, a premissa fundamental do sistema cubano, que é preservar a saúde do povo.

            Graças a isso, após ter conseguido diminuir o número de contágios e de positivos que apresentava no mês de abril, pico da primeira onda, Cuba já venceu a segunda onda, que se manifestou a partir de julho/agosto. Essa vitória é resultado de uma estratégia firme e bem definida, de atendimento a todos os casos, isolamento dos contatos e suspeitos e aumento substancial dos testes realizados, inclusive com a abertura de vários laboratórios dedicados ao processamento de provas de PCR. Além disso, durante esse tempo, o protocolo de tratamento foi sendo alterado, a partir da observação e análise dos casos e do acompanhamento de resultados em outros países.

            Enquanto o mundo declara mais de um milhão de mortes pela doença, e a América Latina, mais de meio milhão – números que os especialistas reconhecem que estão subnotificados, Cuba teve, até o momento, 123 óbitos pela Covid-19. A taxa de letalidade mundial é de 2,9, a das Américas é de 3,3, e a de Cuba, 2,07. No mundo, a porcentagem de enfermos recuperados é de 75%, na América, apenas 65%, e em Cuba é de 91%.

            Em sua participação no programa Mesa Redonda, o Presidente Díaz-Canel lembrou também que aqui 100% dos casos foram atendidos em hospitais, e que nenhuma unidade de atendimento entrou em colapso por isso. Destacou outros indicadores que avalizam o sistema de saúde e a estratégia cubana de enfrentamento da Covid-19: não se registrou nenhum falecimento de crianças, de grávidas ou profissionais da saúde.  




            E frente a esses resultados, perguntou:

            “Tem lógica seguirmos com tantas restrições, ou será mais inteligente estabelecer uma estratégia para ir convivendo com a enfermidade, ir reanimando as atividades econômicas e sociais, ir fortalecendo os protocolos e ir aspirando à nova normalidade, com um mínimo de risco, se fizermos bem as coisas?”

            “Em Cuba – disse ele -, a vida é o principal tesouro, portanto todos estamos chamados a mudar algumas maneiras de agir, para conviver com a enfermidade com o menor risco possível.

            Para ele, agora é um momento para maior participação do povo, de responsabilidade compartilhada, na esfera individual, familiar, coletiva e social.

            O novo plano de enfrentamento à Covid-19 tem três objetivos :

  • Transitar para uma nova normalidade, de maneira gradual e assimétrica.
  • Mitigar o impacto econômico e social causado pela Covid-19 e pelo recrudescimento do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelo governo dos EUA.
  • Desenvolver a capacidade de enfrentar os eventos que ocorram na nova normalidade, o que implicará que, se ocorrer algum evento de transmissão em uma localidade, serão aplicados todos os protocolos de Saúde e de quarentena nessa quadra, nesse quarteirão, sem deter a vida econômica e social do município ou da província.
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Cuba está em um momento econômico delicado. Além dos efeitos negativos que o mundo todo está  sofrendo, em consequência da brusca e radical redução das atividades como efeito da pandemia, o país enfrenta um recrudescimento do bloqueio imposto pelo governo Trump, especialmente neste período prévio às eleições norte-americanas, e mais a necessidade inadiável de colocar em vigor medidas de ordenamento do sistema econômico, medidas estas que provocarão mudanças profundas nas relações comerciais internas e externas, e em outros aspectos da vida da população.

            Esse ordenamento atende à implementação dos acordos definidos no Congresso do Partido e já se sabe que será amplo. Para um melhor resultado, as medidas a serem implementadas estão sendo explicadas em detalhes a toda a população, através dos programas diários da Mesa Redonda pela televisão.

            Ainda não há datas precisas, mas sabe-se que o início será a curto prazo, e que o ordenamento inclui mudanças na estrutura monetária e cambial, nos salários e preços, nos impostos, subsídios e gratuidades. Por outro lado, o Presidente já assegurou que o socialismo de Cuba exclui a aplicação de terapias de choque.

 

            Encerro por aqui, dizendo: para uma brasileira que passou por tantos planos econômicos e mudanças cambiais, de surpresa, da noite para o dia, e dos quais só se beneficiaram quase sempre os de sempre, acompanhar este processo está sendo muito interessante e didático. A cada dia, aprendo que é possível uma vida decente e digna fora do capitalismo neoliberal imposto à maior parte da humanidade.

 


*Márcia Choueri é brasileira, tradutora e residente em Cuba.

Um comentário:

  1. Reconhecendo as diferenças entre um sistema político voltado para o humano e outro, essencialmente para o desenvolvimento do capital, como no Brasil, há idiossincrasias profundas entre esses dois países,. Cuba deve ser 1(25 a extensão territorial do Brasil e uma população vinte vezes menor, o regime autocrático também facilita a implementação e coordenação de uma política pública voltada a calamidade publica urgente. A análise não pode, nem deve ser tão simplista assim

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