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3 de jun. de 2022

CÚPULA DAS AMÉRICAS OU AÇÃO ENTRE AMIGOS? ? (+vídeo de 7 min)

A cúpula das Américas por Lattuf 
 

Por: Marcia Choueri*


        A IX reunião de Cúpula das Américas, que deve se realizar em Los Angeles de 6 a 10 de junho, está se transformando numa pantomima, bem à moda dos governos norte-americanos.

         Com a atitude habitual dos presidentes de lá – não importa se democratas ou republicanos –, que tratam a América Latina como se fôssemos seu quintal, Joe Biden resolveu que pode escolher quem vai à reunião. Acontece que, pelo menos em teoria, essa não é uma prerrogativa do país anfitrião, mas ele prefere ignorar as regras do jogo.

         A Cúpula das Américas é uma reunião de chefes de Estado convocada pela OEA e deveria contar com a presença de todos os países do continente... mas não foi assim nem mesmo quando começou.

         A primeira aconteceu em 1994, em Miami. Foram convidados todos os países americanos, menos Cuba, claro! Muito importante: nessa reunião, os Estados Unidos propuseram a criação da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas. Essa aliança não saiu do papel até hoje, graças à luta e resistência de povos, políticos e governos populares da América Latina. A ALCA tem o objetivo de acabar com as barreiras alfandegárias entre os países-membros, o que provocaria a desindustrialização dos países menos desenvolvidos e assim aumentaria mais ainda as diferenças econômicas na região. Mas é bom ficar atento, porque eles não desistiram, volta e meia se escuta falar de novo nesse garrote.

         As reuniões de Cúpula das Américas ocorrem mais ou menos a cada três ou quatro anos, e Cuba só foi finalmente convidada à VII edição, que aconteceu em abril de 2015, no Panamá. Foi a primeira vez em que participaram todos os 35 países americanos. Isso foi fruto de exigências internacionais, pelo respeito à livre determinação e aos direitos de cada povo decidir sobre seu sistema, e refletia a correlação de forças daquele momento no continente. Nela, estavam presentes, Dilma, Maduro e Raúl Castro, que se reuniu ali com Obama, naquela tentativa de reaproximação entre Cuba e os Estados Unidos.

         A edição seguinte foi talvez a mais acidentada. Ela aconteceu em Lima, no Peru, de 10 a 14 de abril de 2018, e tinha como tema “A governança democrática contra a corrupção”. Soa conhecido? Não por acaso. Aconteceu justamente quando vimos a utilização da bandeira contra a corrupção para derrubar governos e prender políticos de esquerda no continente. A reunião em si foi um fracasso: o presidente do país anfitrião renunciou ao cargo poucas semanas antes do evento, sob acusações de corrupção; a Venezuela foi formalmente desconvidada, como forma de sanção ao governo do presidente Nicolás Maduro; em seguida, o presidente Raúl Castro anunciou que não iria ao encontro; Lenin Moreno, presidente do Equador, viajou a Lima, mas não compareceu; e pela primeira vez nem o presidente norte-americano compareceu: Trump mandou o vice para representá-lo. Pelo Brasil, estava o golpista.

         E agora, o que está acontecendo, com a IX Cúpula das Américas? Desde o início, Biden deu sinais de que os convites seriam seletivos – tipo um churrasco na laje, só convido os “broders”. Finalmente, no dia 2 de maio, o governo norte-americano declarou que Venezuela, Nicarágua e Cuba não seriam convidadas. Mas desta vez a reação internacional ante a prepotência imperial não demorou. O presidente López Obrador, do México, insistiu bastante, desde o início, em que a reunião devia ser totalmente inclusiva, e que não iria, se não fosse assim. O presidente da Bolívia, Luis Arce, declarou: “se persistir a exclusão das nações irmãs, não farei parte disso”. Xiomara Castro, presidenta de Honduras, disse que a reunião não seria uma cúpula das Américas, se não estivessem todas as nações. Também 14 países do Caricom, a comunidade do Caribe, anunciaram em 5 de maio que não participariam.

         Outro presidente que não pretendia participar era o do Brasil, mas por outras razões. No caso de Jair B., o momento não é bom para ausentar-se do país, em plena campanha de reeleição e com maus resultados nas pesquisas. Mas o governo norte-americano mandou um emissário para convencê-lo, e já há até uma reunião marcada dele com Biden, durante a cúpula.

                                       

         Uma das questões levantadas contra essa atitude dos EUA é que o argumento para a exclusão desses países, de que “não são democráticos”, seria uma desculpa hipócrita para o que, na verdade, é uma tentativa de isolar os principais aliados da Rússia no continente.

         Outra questão importante é que o governo Biden decidiu sozinho e de forma autoritária – oh, que surpresa! – o tema da reunião: “Construção de um futuro sustentável, resiliente e equitativo”. Hipocrisia de novo. Um futuro sustentável para o continente (e o mundo) depende justamente de uma mudança nos hábitos dos grandes consumidores de combustíveis fósseis, e sabemos que os EUA são o maior deles.

         Por outro lado, esse tom genérico esconde a intenção de discutir o tema das migrações irregulares, e novamente se confirma o caráter hipócrita e autoritário da convocatória, já que exclui dois países – Cuba e Venezuela – cujos problemas migratórios são provocados em grande parte exatamente pelas medidas coercitivas estadunidenses. É a pobreza criada pelo bloqueio dos Estados Unidos que empurra parte da população desses países a migrar. E são as políticas discriminatórias dos Estados Unidos – recusando vistos inclusive já pactados – que faz que sejam migrantes ilegais.

         Mas a decisão de excluir alguns países da Cúpula das Américas, um verdadeiro retrocesso em relação às duas edições anteriores, embora seja apontado como um erro estratégico por muitos analistas, tem como alvo, na verdade, as eleições legislativas norte-americanas em novembro. Biden está tentando não ficar mal com os representantes da máfia anticubana no Congresso.

         A reação do presidente cubano Miguel Diaz-Canel às especulações de que o país poderia ser excluído da reunião foi incisiva: ainda que Cuba seja convidada, eu não irei. Esta foi uma resposta não só à indefinição, mas também ao absurdo de que a presença de Cuba não seja considerada imprescindível, numa reunião que pretende propor, segundo seus organizadores, ações que “melhorem dramaticamente a resposta à pandemia”, “promovam uma recuperação verde e equitativa” e “atendam às causas de raiz da migração irregular”. Quem, melhor que Cuba – que já vacinou a mais de 90% de sua população, e com vacinas próprias – poderia falar de combate à pandemia?

         Entretanto, no que parece ser uma política de “morde e assopra”, o governo Biden acaba de levantar as restrições aos voos dos Estados Unidos a Cuba, o que facilita a vida dos cubanos que vivem lá, para visitar suas famílias na Ilha. A ação não tem resultados mais importantes em termos econômicos, já que os cidadãos norte-americanos continuam proibidos de visitar Cuba individualmente, como turistas. Sim, isso mesmo! O bloqueio a Cuba atinge também os cidadãos norte-americanos.

         Em resumo, ainda faltam alguns dias para a IX Cúpula das Américas, mas já dá para prever que não terá grandes resultados, exceto o de revelar novamente o caráter imperialista do governo norte-americano.

        


*Marcia Choueri é correspondente em Havana do Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba

        


        

 

        

        

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