José Manzaneda

Tradução: Marcia Choueri

Proibiram-nos o acesso às mídias russas, para que pudéssemos receber, sobre o conflito da Ucrânia, uma informação veraz… e plural (1). Tão plural como esta manchete: “Ucrânia evacua seus militares da usina de Azovstal”, que foi repetido em dezenas e dezenas de meios de comunicação ocidentais (2).

Que, durante dias, insistiram em que as tropas ucranianas foram “evacuadas”, “saíram” ou “abandonaram a instalação” (3) (4). Se renderam? Se entregaram? Isso nunca! São palavras proibidas na neolíngua imposta pelo Ministério da Verdade (5). Como no romance 1984.

Neolíngua

Nesta neolíngua, Venezuela, Cuba ou Bolívia “nacionalizam” ou “expropriam” empresas (6). Mas, se a Alemanha faz a mesma coisa com a filial russa Gazprom Germania, deve-se dizer que «toma o controle» (7). Se os EUA confiscam bens de empresários russos, estes são chamados de “oligarcas”, e se justifica o butim: é para “destinar o dinheiro a ajudar a Ucrânia” (8).

A União Europeia e os EUA han impuseram à Rússia o bloqueio de suas transações bancárias e o congelamento de seus fundos (9). Mas, se Moscou exige o pagamento de seu gás em sua própria moeda, o rublo, entãon nos dicem que realiza «uma chantagem inaceitável» (10).

Putin, com o tórax nu, representa “o machismo mais rançoso” (11). Mas o presidente francês Emmanuel Macron, numa pose similar, é o “sex symbol da política europeia” (12).

Perseguição politicamente correta

Dizem-nos que na Rússia há “censura” (13). Não na Ucrânia. Ainda que o youtuber Anatoli Shariy tenha sido acusado de traição por Kiev e detido na Espanha (14); ou o blogueiro Gleb Lyashenko enfrente uma possível pena de 15 anos, por dizer que a Rússia está há anos pedindo “um acordo razoável” com Kiev fora da OTAN (15). E como nos contam a detenção do opositor e líder do segundo partido mais votado na Ucrânia (16)? Diário ABC: “Capturam o oligarca Viktor Medvedchuk, aliado de Putin, que havia escapado da prisão domiciliar” (17).

Hoje a censura e a perseguição são politicamente corretas. E não só contra os meios russos (18). Um editorial de The Washington Post pedia a proibição dos meios de comunicação da China nas redes sociais, porque «semeiam desinformação em nome de Moscou» (19).

Em Miami, a locutora cubana Hilda Rabilero foi despedida da emissora La Poderosa por sua visão supostamente “pró-rússia” da guerra (20).

E na Europa não acham suficiente cortar o sinal dos meios russos e abolir suas redes sociais. A Áustria vai impor multas de 50 mil euros quem difunda seus vídeos ou notícias (21). E a União Europeia aprovará a Lei de Serviços Digitais, que permitirá censurar sem piedade nas redes sociais (22). Nos termos da neolíngua, imporão «instrumentos para corrigir narrativas contrárias aos interesses europeus» (23).

O prêmio Pulitzer também se somou à propaganda de guerra, premiando jornalistas de um lado, o da Ucrânia, por «sua coragem, resistência e compromisso para informar a verdade durante a impiedosa invasão de seu país» (24). O detalhe tragicômico ficou para a revista francesa L´Obs, que ilustrou essa notícia com a foto de um repórter… do canal proibido Rusia Today! (25)

Olhar para onde aponta a OTAN

A Rússia, alegando o cerco da OTAN em suas próprias fronteiras, interveio na Ucrânia e hoje é o Demônio. Mas os EUA, após um acordo de segurança firmado entre a China e as Ilhas Salomão, está ameaçando este país com “uma resposta armada, se Pequim constrói” ali uma base naval (26). China já negou essa possibilidade, e, em todo caso, no mundo há uma única base chinesa, a de Yibuti, contra 800 dos EUA (27). De suas invasões e intervenções… melhor falar disso outro dia (28).

O ex-primeiro ministro do Paquistão Imran Khan recusou-se a condenar a Rússia a aplicar sanções. Foi imediatamente destituído, numa manobra parlamentar (29). Hoje as ruas do país estão cheias de mobilizações pedindo seu retorno (30). Nada que possamos ver nos canais ocidentais.

Nos sete anos de bombardeios da Arábia Saudita – com armas e apoio dos EUA – contra o Iêmen, morreram de fome 80 mil crianças (31). Mas agora é que os meios se lembram da fome nesse país, para culpar disso a “agressão armada em grande escala da Rússia contra a Ucrânia” (32). Mencionar que uma das causas principais do aumento internacional no preço dos alimentos são as sanções ocidentais contra a Rússia (33)? Não. Isso está proibido.

Como também está proibido informar que, segundo os Pandora Papers, a Ucrânia é o país com mais políticos com contas em paraísos fiscais, entre eles, o presidente Volodomir Zelenski (34).

A Europa oferece refúgio seletivo, em função dos interesses militares da OTAN. A Espanha acaba de recusar asilo e deportar 13 jovens saarauis (35). O muro europeu só se abre – por interesses de conjuntura – para a população do oeste da Ucrânia (36).

A primeira vítima de toda guerra

Que Kiev promulga leis proibindo a língua russa? Silêncio.

Que Adrien Bocquet, ex-militar francês, de volta de uma operação humanitária na Ucrânia, afirma que “os únicos crimes de guerra” que viu “foram perpetrados por soldados ucranianos» (37) Propaganda russa!

Lembram-se do suposto bombardeio russo, em março, a uma maternidade em Mariupol, e das fotografias de uma jovem grávida (38)? Pois, um mês depois, ela mesma declarou que nunca houve um ataque aéreo, e que a maternidade tinha sido ocupada por militares ucranianos (39). Usando a população civil como escudo humano. A entrevista não interessou aos meios ocidentais.

Sobre o massacre de Bucha, em abril, que foi atribuído em seguida à Rússia, há uma pergunta chave silenciada pelos meios (40): como foi que, sem nenhum corte da Internet, só se publicaram fotos ou vídeos da matança após a retirada das tropas rusas e após a entrada das ucranianas (41)? A Rússia considera que foi uma montagem dos serviços de inteligência da Inglaterra (42). O que vocês acham?

Eurovisão e cozinheiros: a Guerra Cultural

E a imprescindível guerra cultural. Depois de proibir a participação da Rússia no Festival da Eurovisão, ganhou... surpresa!… a Ucrânia (43). Em 2019, a delegação da Islândia foi multada no referido Festival, por mostrar uma bandeira de apoio à Palestina, violando assim a regra “que proíbe a politização do evento” (44). Mas, este ano, permitiram que os cantores da Ucrânia fizessem propaganda de guerra a favor de suas tropas (45).

Aliás, o jornalista veterano Javier García, ex-representante da agencia EFE na China, disse que, a nenhum dos conflitos que ele cobriu como correspondente, foram “políticos, estrelas de cinema, famosos e músicos estrangeiros fazer shows” (46), referindo-se aos concertos de apoio ao exército ucraniano do cantor Bono (47) ou do cozinheiro José Andrés (48).

Revisar a História

Justamente graças à indústria cultural, os EUA conseguiram a revisão da história da Segunda Guerra Mundial, instalando-se no imaginário ocidental como os vencedores do nazismo (49), quando na verdade foi a União Soviética que, com o sacrifício de 20 milhões de vidas, abriu os campos de extermínio e libertou o mundo do horror nazista (50).

Curioso, porque… sabem quais são os dois únicos governos que votam na ONU, todos os anos, contra a resolução que condena “a glorificação do nazismo e do neonazismo”? EUA e Ucrânia (51).

Em 9 de maio, dia da Vitória da União Soviética sobre Hitler, no centro de Nova York, um luminoso o denominava o “Dia da Vergonha” (52). Tanto nos EUA como na Inglaterra, foram proibidos os tradicionais desfiles do chamado “Regimento Imortal”, que recorda com retratos os falecidos russos na Grande Guerra (53). Nesse dia, em Berlim, a polícia proibiu as bandeiras da URSS e do Donbass independente (54).

E, na “democrática” Ucrânia, não se conformam com proibir toda organização comunista (55) ou supostamente “pró-rússia” (56). Também se castiga com penas de até dez anos “a venda de artigos da URSS, cantar o hino soviético ou A Internacional” (57).

Meios filiados à OTAN

Em resumo, os meios de comunicação ocidentais são hoje, em sua máxima expressão, meios de propaganda de guerra. Por isso, do mesmo modo como o Twitter afirma, com um cartaz, que os meios públicos russos (58) – ou cubanos (59) – são “meios filiados a um governo», seria preciso colocar nos meios ocidentais – pouco importa se são públicos ou privados – um letreiro similar: “meios filiados… à OTAN” (60).

Publicado por: La pupila insomne