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27 de set. de 2022

O REFERENDO POPULAR DO CÓDIGO DAS FAMÍLIAS EM CUBA

                                   

Maria do Carmo Leite

    Em 25 de setembro de 2022, os cubanos viveram um momento transcendental na história do país, dia em que se realizou o referendo sobre o Código das Famílias. A lei, destinada a dar respostas jurídicas aos conflitos que fazem parte de discussões em esfera mundializada, foi o assunto constante de debates em escolas, locais de trabalho, redes sociais, canais de televisão e transportes. O Projeto aprovado pela Assembleia Nacional de Poder Popular foi publicado em 12 de janeiro de 2022, para dar seguimento ao processo de consulta popular entre 1º de fevereiro e 30 de abril. Mais de 78 mil pontos de encontro foram concebidos em todo o território cubano, além de 109 circunscrições especiais em embaixadas e consulados de Cuba no exterior. 

  Como resultado, cerca de seis milhões de cidadãos participaram da discussão, gerando 300 mil intervenções dos eleitores, com 434 mil propostas ao anteprojeto de lei. O matrimônio igualitário, a responsabilidade parental, a adoção, a filiação assistida e o combate à discriminação foram os temas que suscitaram a maior quantidade de sugestões. Isto, por si só, já é uma conquista. 

   Mais do que derrubar tabus e barreiras machistas, se introduziram novos conceitos compatíveis com a realidade econômico-social da Ilha, sendo possível afirmar que muitos cubanos terão agora a possibilidade de legitimar uniões de fato, com todos os benefícios legais; que outros, cuja maternidade e paternidade foram limitadas por vários motivos, terão acesso a amplas possibilidades. Mais ainda, o que se busca é comunicação entre todos os membros das famílias na busca de soluções, onde a violência de gênero seja totalmente rejeitada.

      O Código está desenhado para desmantelar estereótipos enraizados nas veias da sociedade, a herança discriminatória colonial, que foi sendo configurada historicamente por mais de quatro séculos. 

       Contudo, entre o fundamentalismo religioso e voto de “castigo”, dos que não sabem diferenciar entre a dura realidade econômica que Cuba enfrenta e os direitos contidos no código, o resultado obtido de aprovação, em torno de 66% dos votantes, significa uma vitória aos que querem o país mais feliz. 

     Por certo, a mídia hegemônica no Brasil, partindo dos valores que a sustentam, não soube diferenciar o conceito de “gestação solidária”, previsto no código, de “barriga de aluguel”. Também fingem desconhecer que a homossexualidade era considerada crime na Inglaterra e no País de Gales até 1967, na Escócia até 1980 e na Irlanda do Norte até 1982. Aliado a isso, que as relações homossexuais ainda são consideradas ilegais em cerca de 70 países e punidas com a pena de morte em outros, lembrando ainda que a Assembleia-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), somente no dia 17 de maio de 1990, retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, declarando que "a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão". 

     A homofobia em Cuba, desde as concepções herdadas do capitalismo, não fugia à regra presente em muitos países, mas, já em 1989, uma resolução ministerial criou o Centro Nacional de Educação Sexual, que sublinha o respeito à diversidade sexual.  Na década de 1960, como foi reconhecido, o país tratou de forma imprópria as questões da sexualidade. Entretanto, durante o mesmo período, em vários países europeus, injeções eram aplicadas para curar a homossexualidade. Fidel fez, anos atrás, uma autocrítica não por ter ordenado, mas porque não se preocupou suficientemente com o que estava acontecendo. Esclarecido que Cuba cometeu erros neste campo, seria prudente sabermos quantos e quais países fizeram os progressos que a Ilha teve nas últimas décadas. 

     Por fim, a mídia finge ignorar que se somos no Brasil os campeões de crimes contra homossexuais é porque o Estado é omisso e as autoridades são cúmplices.


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