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22 de nov. de 2015

EX-AGENTE DUPLO DENUNCIA GUERRA CULTURAL DOS EUA CONTRA CUBA

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Vitor Vogel
Raul Capote passou anos em uma operação secreta do governo cubano. Todas as informações sobre as operações da CIA eram repassadas ao serviço de segurança da Ilha.

Fania Rodrigues
do Rio de Janeiro (RJ)

Agente duplo do governo de Cuba e da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA, sigla em inglês), Raul Capote passou anos em uma operação secreta do governo cubano. Todas as informações sobre as operações da CIA eram repassadas ao serviço de segurança de Cuba. Como agente da CIA, Capote participava da “guerra cultural” contra a Revolução Cubana. Hoje professor da Universidade de Havana, ele veio ao Brasil participar de um evento literário, e concedeu uma entrevista ao Brasil de Fato.
Brasil de Fato – Como funcionava seu trabalho como agente duplo na CIA?
Raul Capote - Cuba sempre teve esse tipo de missão, que é fundamental para poder prever o que os Estados Unidos trama. Essa é a única maneira de um país pequeno, com poucos recursos militares, saber o que seu inimigo, uma grande potência, planeja. É importante ter conhecimento desses planos para prevenir e denunciá-los publicamente. Eu era um agente da CIA para a guerra cultural contra Cuba. Essa guerra é pouco conhecida e acontece mais na esfera da ideologia e da cultura. Eu trabalhava com a juventude, principalmente dentro das universidades, especialmente na Faculdade de Pedagogia de Havana, que é onde formamos professores.
Quando você começou a ser procurado pelos funcionários do governo dos EUA?
Foi em 1986, quando eu era líder de um movimento de jovens artistas na Universidade de Havana. A primeira vez que os norte-americanos se aproximaram foi com a proposta de financiar projetos culturais. Depois disso, funcionários da inteligência cubana vieram falar comigo, pois aquelas pessoas não eram professores, mas sim agentes da CIA. E foi aí que começamos o trabalho, um processo muito cuidadoso.
 
 Foto: Vitor Vogel
Como vocês se deram conta de que se tratava de agentes da CIA?
Não fui muito difícil. O que era apenas financiamento de projetos culturais começou a ser cada vez mais condicionado. Diziam: “apoiamos esse projeto, mas só se ele tiver uma crítica aberta ao governo cubano”. Nós realmente sempre fomos muito críticos. Enquanto artistas a gente tinha consciência do nosso papel. Acontece que o tipo de crítica que eles queriam tinha muito mais a ver com o estilo de propaganda que se faz contra Cuba fora do país. Era uma maneira diferente de criticar. Ao poucos fomos descobrindo suas verdadeiras intenções. Primeiro me converteram no líder do grupo de artistas. Eu já era um líder natural, mas fortaleceram minha imagem, publicando meus trabalhos, promovendo meus projetos e, sobretudo prometendo a mim um futuro maravilho fora de Cuba. Sempre me diziam: “é uma lástima que [você] viva em um país como Cuba. Se fosse em outro lugar seria um artista muito famoso e poderia ganhar muito dinheiro. É um homem de muito talento, um grande escritor”. Era muito engraçado porque estava só começando, era muito jovem e não tinha nem um livro publicado.
Em que momento eles se identificaram como Agência de Inteligência?
Depois de um tempo, depois que foram ganhando confiança. A primeira vez que me disse que eram da inteligência do governo americano foi em 1994. Nessa época eles já haviam me convertido no líder do sindicato dos trabalhadores da cultura. Já não líder apenas de um grupo pequeno de artistas, mas de um sindicato. Eram 40 mil trabalhadores, entre eles estavam também os livreiros, os funcionários públicos desse setor.
Onde faziam os encontros com esses agentes?
Em lugares públicos. Eles usavam uma fachada muito bem construída e achavam que ninguém suspeitava para quem eles trabalhavam. Estavam confiantes que isso estava acontecendo de maneira muito secreta e pouco conhecida. Portanto a via mais fácil de fazer as coisas era de forma pública. Até que em 2014, um grupo do escritório comercial dos EUA em Cuba mantém uma relação ainda mais próxima. Depois disso, começam a falar abertamente de ações conta a Revolução Cubana.
Que tipo de coisa?
Eram projetos culturais, junto aos jovens artistas, a fim de estimular ações que levassem a uma mudança política. Isso a partir de 2004; Foi subindo de nível do combate cultural contra Cuba. No final desse mesmo ano, eles me propõem entrar para a CIA, já como agente oficial. Depois disso passei por processo de treinamento e de testes. Em duas ocasiões passei na “prova do polígrafo” (uma espécie de detector de mentiras), por uma série de psicólogos e fui entrevistado por oficiais da CIA por diversas vezes.
Como passou pela prova do polígrafo?
Não tão difícil. Eles crêem piamente nessa prova, mas é muito mais difícil passar pelos psicólogos, um profissional que está interrogando e analisando cada movimento. Passei vários dias, com vários psicólogos, incluso de diferentes países. Especialistas do Reino Unido, da Espanha, França, dos EUA. Gente experta em analisar pessoas. O único que tem fazer é montar um personagem, como ator, e no momento do interrogatório simplesmente diz a verdade. Porque nesse momento eu era um personagem real, um inimigo da revolução cubana, portanto o que está dizendo é a verdade. Claro, que nesse momento não pode demonstrar muita tranquilidade. É preciso cometer alguns erros. O truque está em que tenho que cometer alguns erros, estar um pouco nervoso, se equivocar em alguma pergunta. Pode confundir alguns nomes. É um jogo de inteligência entre os interrogadores e você.
Quando você se tornou oficialmente um agente da CIA?
A partir de 2005 até 2011, quando saí em programa de televisão cubano denunciando todos os planos da CIA e o que estavam preparando contra Cuba e os jovens cubanos.
Como você se comunicava com o governo cubano, para repassar essas informações de forma secreta?
A gente tentava evitar contato o máximo possível. Por uma questão de segurança. A CIA tem toda tecnologia do mundo. São profissionais muito qualificados. Também tinha que me proteger da segurança cubana, já que a maioria não sabia que eu era um agente do governo cubano. Quem sabia eram apenas três pessoas, ninguém mais.
Nesse tempo quanto dinheiro você recebeu do governo dos Estados Unidos?
Isso é incalculável. Eu recebia dinheiro durante todo esse tempo que trabalhei com eles.
Mas era mensal ou por projeto?
Mensalmente recebia uma quantidade de dinheiro. Primeiro recebia cerca de 2.500 dólares e por último 3.500 dólares. Esse dinheiro era somente para mim. Havia outro dinheiro que era para gastos operativos. Esse dinheiro era incalculável, era a quantidade que eu pedia. Se eu pedia 10 mil dólares para um projeto eles me mandavam, mais os recursos tecnológicos. Na minha casa eu tinha os mais sofisticados sistemas de comunicação para comunicar com os agentes em Washington.
Que tipo de comunicação?
Estabelecemos comunicação através de um BGAN (um aparelho de transmissão de dados via satélite), que servia para a internet, telefone, imagens ao vivo. A gente se comunicava através de um satélite do Departamento de Defesa dos EUA, que nos permitia ter uma comunicação indecifrável. Esse BGAN tinha uma particularidade,: as informações transmitidas eram irrastreáveis. Nunca foi possível, por parte da segurança cubana, rastrear essa comunicação que eu estabelecia com Washington.
E porque o governo cubano decidiu revelar sua identidade, depois de tantos anos como agente duplo?
No ano de 2011 se decide trazer a público essa operação porque a situação pela qual o país estava passando era bem grave. Havia ameaças reais e possibilidade de aplicar coisas contra Cuba. No mundo estavam ocorrendo a Primavera Árabe, ataques contra Líbia. E eu era um experto em golpes suaves e sabia de toda a estratégia que se usa em esses casos. Conhecia muitos líderes especialistas em tipo de coisa espalhados pelo mundo. Foi aí que o governo cubano pediu me consultou e perguntou se eu estaria disposto tornar pública essa conspiração contra Cuba.
De que maneira foi revelado?
Fizeram um programa com uma série de entrevistas. Eu não era o único. Haviam seis agentes infiltrados em diferentes setores do trabalho dos americanos contra Cuba. Fui o último a ser entrevistado.
Depois de sua revelação, como ficou sua relação com esses agentes da CIA? Eles voltaram a te procuram alguma vez?
Algumas pessoas que trabalham para o governo dos Estados Unidos oferecerem uma grande quantidade de dinheiro, uma cifra bastante impressionante, para eu fugir para os EUA e fazer uma contra denúncia. Queriam que eu fizesse uma denúncia pública contra Cuba, falar que tudo o que eu tinha dito era uma mentira, que nada daquilo tinha acontecido, que se tratava de uma campanha do governo cubano. E no Brasil descobri que em Wikipedia apareço como “membro da Agência de Inteligência dos EUA”.
Em que idiomas?
Está em inglês e francês.
Depois não te procuram mais?
Na Venezuela, em 2012, fui participar a Feira do Livro de Caracas. Nessa ocasião, um escritor argentino usou a senha que os agentes da CIA tinham para se identificar. E no hotel me entregou um pacote de dinheiro, em dólares, com uma passagem de avião para sair do país. Também acabei cruzando no hotel com uma funcionária da diplomacia americana, que durante algum tempo foi minha chefe em Cuba. Todo esse pessoal circulava livremente em Caracas.
O que mudou na sua vida depois disso?
O carinho das pessoas, do povo cubano. Mas, minha vida continua igual, continuo dando aula, tendo meu salário de professor. Nunca fiquei com o dinheiro dos americanos, tudo era repassado ao governo cubano. Também não recebi dinheiro do governo cubano. É isso que os americanos não podem entender, que fiz isso por patriotismo, pelo meu país. Até hoje acreditam que os denunciei porque não me ofereceram suficiente dinheiro.

Via : Brasil de Fato

                                                                      VENCEMOS !!! VENCEREMOS !!!

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