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24 de fev. de 2020

CUBANIDADES




 Por Atilio A. Boron 

O que é Cuba? Qual é o mistério da ilha rebelde? Tratarei de dizê-lo em poucas palavras, como o fazia o grande Eduardo Galeano ainda que não tenha seus dons.
Cuba é música e mais música. Música por todos os lados: no começo de uma cerimônia, quando se termina, no intervalo. Com músicos velhos ou jovens, ou inclusive crianças. Em um teatro, na rua ou portas adentro em uma casa ou uma instituição. Música popular, música clássica, Mozart e Beethoven misturados com Ernesto Lecuona e a Buena Vista Social Clube. É Chucho Valdés e Daniel Barenboim. É Omara Portuondo, Pólo Montañéz e Benny More junto a Pavarotti, Plácido Domingo ou John Lennon e Os Beatles. É Alicia Alonso dançando com Nureyev; é a “Colmenita” e os “Van Van “ .  Cuba é som, é salsa, é Compay Segundo, a Nova Trova; é Silvio, é reguetón, é cumbia, é jazz, é guaguancó, é rumba, é bolero. Tudo, absolutamente tudo, em Cuba se torna música, se faz com música, se celebra com música, se comemora com música. Com pianos de cauda, saxs, violinos, guitarras, oboés e flautas transversas até o güiro, o chequeré, o bongô e as tumbadoras. E a toda hora: de manhã,à tarde, à noite. Cuba é música, casais dançando na rua, no Malecón, nos jardins do excelso Hotel Nacional, nas casas, onde e a hora que seja. Sua gente leva a música no sangue e não se cansa de demonstrá-lo. E a Revolução encarregou-se de potencializar como ninguém esse gene magnífico de cubanas e cubanos multiplicando ao longo da ilha infinidade de escolas e conservatórios onde, de forma gratuita, o povo aprende a tocar os mais variados instrumentos e a cantar profissionalmente.
Mas  Cuba também é literatura, poesia, novelas, contos, histórias, revistas, livros, tertúlias, mesas redondas. Cuba é ciência e consciência, é humanismo e pensamento crítico. É Carpentier, Guillén, Lezama Lima, Vitier e também Cortázar, Walsh e o Gabo; e Retamar que há pouco nos abandonou para se reunir com eles. São suas duas excepcionais e imprescindíveis contribuições à cultura e a identidade latino-caribenhas: Casa de las Américas e o ICAIC. Também sua  multitudinária Feira do Livro, não por acaso situada no primeiro território livre de analfabetismo nas Américas. E é Havana, um dos principais centros culturais do mundo, e não só da América Latina e Caribe. Sua oferta em matéria de teatro e espetáculos de todo tipo é incrível, comparável às das maiores cidades do continente como Buenos Aires, México ou São Paulo.
Cuba é resistência heróica a um criminoso bloqueio sem perder o finíssimo e mordaz sentido do humor, a capacidade de rir-se de si mesmos e de debochar da tosquice de suas descerebrados verdugos. É também solidariedade militante, prática, concreta. O país mais solidário do mundo, sem dúvida. Reparte o que tem e o que não tem também, sem esperar nada em troca. Enquanto o império e seus vassalos saqueiam o resto dos países e mandam ao exterior tropas, espiões, torturadores e mercenários,  Cuba envia médicos, alfabetizadores, professores de música e dança e treinadores esportivos. A diferença moral é esmagadora.
Cuba é Martí, Mella, Guiteras, o Che, Camilo, Vilma; é Frank País, Armando Hart, Abel e Haydée Santamaría. E logicamente Fidel, que está em todas as partes ainda que não tenha uma só praça, rua, avenida, estádio, hospital, edifício público, ponte, porto ou caminho que leve seu nome, coisa que o Comandante proibiu expressamente e se cumpre rigorosamente. Não há necessidade de  nomear porque seu espírito e seu legado impregnam toda a ilha. Morreu e converteu-se em milhões. Hoje todas e todos são Fidel.

Cuba é Havana e Santiago; Guanabacoa e Trinidad; é Cienfuegos e Holguín; é Birán e Sancti Spiritus; é o Moncada e a Serra Maestra; Girón e a Segundo Frente; é Santa Clara e Granma. É, por incrível que pareça, os sete fuzis com que Fidel empunhando -os com firmeza  disse a um atônito Raúl “ ganhamos a guerra”,  poucos dias após o caótico desembarque do Granma e com a maioria dos expedicionários dispersos pelo monte tentando não ser metralhados pelo ar pela aviação de Batista. A vontade revolucionária em sua máxima expressão combinou-se, em Fidel, com um formidável realismo na hora de realizar uma correta leitura da conjuntura político-militar.
Cuba é uma boa mesa com moros e cristianos, feijões e tostadas, porco em fatias, cordeiro assado, lagostas e peixes recheados de camarões. Também tamales em panela de  barro e aipim com molho de alho, chicharrón e limão. Ademais, sopas que te ressuscitam, sorvetes deliciosos, sobremesas  cada qual mais doce e um elixir chamado café. Cuba é mojitos, piñas coladas e para arrematar o banquete e deleitar-se até o infinito runs extraordinários e fumos incomparáveis, únicos no mundo.
Cuba é também seus inumeráveis cayos, suas centenas de quilômetros de praias de brancas areias e águas turquesas. E o mar estrelando contra esse extenso e magnífico malecón habanero, com suas ondas elevando aos céus e desenhando por um instante figuras belísimas e de um alvo imaculado que hipnotizam o passante.
Cuba é  formosos edifícios da Havana Velha, que um governo acossado e bloqueado por décadas se empenha em restaurar e lhes devolver seu esplendor e beleza originais da mão do historiador da cidade, um genial humanista do Renascimento chamado Eusebio que as rezas da santería cubana fizeram que renascesse em Havana com a missão da reconstruir. E está fazendo-o. Apesar do bloqueio.


É o país onde não se vê crianças de rua, mendigando descalços e em farrapos, revolvendo o lixo para encontrar algo que comer. Suas crianças  todas, absolutamente todas, estão na escola e bem vestidas e calçadas. Um país onde não há homens e mulheres, ou famílias inteiras, dormindo nas ruas como em tantas cidades de Nossa América e inclusive dos Estados Unidos. Onde a alimentação está garantida, como a saúde pública para todas e todos. Cuba é educação universal, gratuita e de qualidade desde o jardim de infância até a pós-graduação. Cuba é a segurança cidadã, o transitar por suas cidades sem os temores que atribulam aos citadinos de tantos países em todo o mundo.
Estes êxitos teriam sido impossíveis sem a clarividência e coragem de Fidel e a liderança revolucionária e a espantosa engenhosidade do povo cubano, um de cujos verbos idiossincráticos é “resolver”.  Resolvem tudo, o que seja; caso contrário o bloqueio os teria posto de joelhos. São capazes de fazer funcionar eficientemente um Ford, Buick ou Chevrolet dos anos cinquenta, uma verdadeira proeza mecânica que provoca a admiração (e a inveja às vezes) dos turistas estadunidenses. Ou transformar um decrépito sedan daquelas marcas em um resplandecente conversível,  eliminando seu teto original e fazendo os ajustes necessários. Carroças lustrosas e reluzentes que provocam a inveja de Hollywood, que pagaria fortunas para levá-los a seus estudos. Mas são patrimônio de Cuba e não se irão. Só com os automóveis estadunidenses? Não! O mesmo fazem, em uma operação já de acabamentos francamente  milagrosos, com um Lada soviético do ano 1985 capaz de ir de Havana até Santiago sem nenhum inconveniente apesar de suas precárias comodidades. Cuba tem uma só conexão física por onde transitam os impulsos da  Internet: o cabo submarino de fibra ótica que chegou da Venezuela em janeiro de 2011 graças à ajuda de Chávez para romper o bloqueio informático no qual estava a ilha. Apesar da insuficiência que dito cabo tem para enfrentar as demandas do elevado e crescente número de internautas da ilha cubanas e cubanos “resolvem” as enormes dificuldades que limita o acesso via satélite à Internet com grande talento, o que lhes permite aceder através de programas “made in Cuba” (que não vi em nenhum outro país) a quase tudo o que se encontra na rede. Consta que Bill Gates e as empresas de Vale do Silício não sabem mais o que fazer para atrair os internautas informáticos cubanos.
Há um problema? “Você vê e resolve” é a senha de identidade do cubano. Há que apoiar o governo do MPLA em Angola para impedir que a CIA e os racistas sul-africanos arrasassem esse país? Bem, ali está a engenhosidade cubana que conseguiu outro milagre: transportar em inumeráveis viagens de um velho quadrimotor a hélice, o Bristol Britannia, uma grande quantidade de pessoal militar e apetrechos cubanos cobrindo, com uma preparação muito especial dessa aeronave (precários tanques suplementares de combustível, reduzindo a carga não militar a um mínimo, regulando a velocidade e altura, etc..)  os 10.952 quilômetros que separavam Havana de Luanda, lugar onde esses aviões chegavam quase sem um litro de combustível em seus tanques. Fidel pessoalmente envolveu-se na logística da operação, supervisionando tudo, desde as toneladas de carga possíveis até a velocidade e altura necessárias para garantir a feliz chagada do voo.  Nem Washington nem Moscou podiam achar que essa ponte aérea funcionasse com aqueles trambolhos. Mas assim foi, os cubanos “resolveram” o desafio e Cuba e o MPLA ganharam a guerra.
Por isso a sociedade e a cultura cubanas têm resistido sessenta anos de bloqueios de todo tipo. Apesar de tamanha agressão, que por sua escala e duração não tem precedentes na história universal, Cuba consegue em matérias sensíveis como alimentação, saúde, educação e segurança cidadã o que quase ninguém tem conseguido e o bárbaro da Casa  Branca diz que o socialismo é um fracasso ! Imaginemos por um momento o que seria Cuba se não tivesse tido que padecer o bloqueio imposto por Estados Unidos, com toda sua sequela de agressões, sabotagens, atentados e açoitamento de todo tipo. Um paraíso tropical. Daí que a ilha seja um péssimo exemplo que Washington combateu e combaterá sem trégua, apelando aos piores métodos e violando todas as normas da legalidade internacional. Tinha razão Oscar Wilde quando sentenciou que “Estados Unidos  é o único país que passou da barbárie à decadência sem passar pela civilização”.


Cuba é o David de nosso tempo que pôs fim ao apartheid na África do Sul; o país que curou  centenas de milhares de doentes em mais de cem países e que criou a célebre ELAM, a Escola Latino-americana de Medicina preparando médicos para atender a quem jamais viu um em suas vidas. Cuba é ter assumido as crianças de Chernobyl quando Europa ,Estados Unidos, Ucrânia e a própria União Soviética, lhes davam as costas. Sem pedir nada em troca.

É ter colaborado com todas as lutas de libertação nacional no Terceiro Mundo, sem se apoderar das riquezas de nenhum país e trazer de regresso para casa outra coisa que não fossem os restos dos cubanos caídos em combate.  Seus detratores, como Mario Vargas Llosa na primeira fila, acusam Cuba de estar isolada do mundo”. Os dados contradizem essa mentira não só pelos milhões de visitantes que ano a ano desafiam as proibições e chantagens de Washington e chegam para percorrer a ilha e desfrutar de suas belezas, de sua gente, seus sabores, sua música, sua alegria, sua cultura, sua gastronomia. Também porque como expressão da extraordinária gravitação internacional da Revolução Cubana e de sua muito ativa integração no mundo há arraigadas em Havana nada menos que 114 embaixadas contra 86 que estão em Buenos Aires, 66 em Santiago, 60 em Bogotá, e 43 em Montevidéu. Quem está mais isolado?
Cuba é a vontade férrea de construir o socialismo ainda sob as piores condições possíveis, de resistir a arriar as bandeiras do mais nobre anseio da humanidade. A dívida de nossos países com Cuba é imensa por suas décadas  de ajuda e por não ter permitido que se extinguisse o farol que nos orienta na busca do socialismo. Imaginemos o que teria ocorrido na América Latina e Caribe se a ilha rebelde se rendesse ante o assédio de quem, em começos dos noventa, aconselhavam a Fidel que se esquecesse do socialismo, que o capitalismo tinha triunfado, que se tinha chegado ao fim da história. O “ciclo político” progressista e de esquerda iniciado em 1999 com a presidência de Chávez não teria existido e a ALCA, como grande projeto anexionista do império, se teria concretizado em Mar del Plata em 2005. Se isso não ocorreu devemos, antes que a ninguém, a Cuba e a Fidel. Certamente  também ao marechal de campo do genial estrategista cubano: Hugo Chávez Frias. E a Néstor Kirchner e Lula da Silva que embarcaram nessa homérica batalha. Claro está que sem a virtuosa obstinação do Comandante  em construir  o socialismo não teriam também existido nem Chávez, nem Lula, nem Néstor, nem Evo, Correia, nem Tabaré, nem Lugo, nem Cristina, nem Dilma, nem o Pepe, nem Maduro, nem Daniel. Sem dúvida, teriam sido políticos importantes, dificilmente dirigentes de seus países, mas teriam carecido da profundidade histórica que lhe outorgou a insolente permanência da Revolução Cubana e que os habilitou para jogar um papel tão digno e sobressalente nestes últimos vinte anos. Porque os homens e as mulheres são fazedores da  história, sim, mas só sob determinadas circunstâncias. E estas as criou aquela revolução na maior das Antilhas ao se manter de pé e  firme enquanto se derrubava a União Soviética, desaparecia o COMECON, se desintegrava o Pacto de Varsóvia, as “democracias populares” do Leste europeu retornavam em tropel a seu reacionário passado e se prostravam aos pés do imperador além do Atlântico  e os escribas do império celebravam a chegada do “novo século americano”,  que –como o antecipasse Fidel- nem sequer chegou a ser uma década.
Em uma palavra, Cuba é o que é porque para milhões de pessoas em todo mundo encarna no aqui e agora da história os belos sonhos do Quixote quando dizia que sua missão era “sonhar o sonho impossível, lutar contra o inimigo impossível, correr onde os valentes não se atreveram atingir a estrela inalcançável. Esse é meu destino.” Por tudo isto, com Cuba sempre!






Tradução :  Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba

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