19 de mar. de 2021

CAPITALISMO, GEOPOLÍTICA E PANDEMIA

Por Sergio Rodríguez Gelfenstein

Publicado por La pupila insomne

Com pompa e circunstância, anunciou-se, há alguns meses, que o fim da pandemia significaria um “novo começo”, algo bastante indefinido que evidentemente, para a América Latina, já não acontecerá em 2021, uma vez que a mutação do vírus produziu novas variantes, que têm o Brasil como seu epicentro mais conhecido, ante o alarme da OMS, que declarou emergência sanitária para toda a região.

Por outro lado, até o momento, a vacinação na América Latina e Caribe atinge 2,8% da população, sendo que, no mundo, chega a 3,5%. Essa cifra é muito baixa, se temos em conta que a população da região é 8,1% do total do planeta. Isso mostra como o processo de inoculação se concentrou em muito poucos países.

Talvez nenhum outro fato da história dos últimos 250 anos tenha evidenciado com tanta transparência a verdadeira índole da sociedade capitalista, quanto o manejo da pandemia e em particular a produção e distribuição de vacinas para enfrentar o vírus.

Para os que ainda não conseguem perceber como é pequena a importância que as empresas transnacionais e as potências capitalistas dão à vida humana e à paz, basta fazer uma revisão das condições impostas para o fornecimento das vacinas.

Sabe-se que o laboratório estadunidense Pfizer intimidou governos latino-americanos nas negociações, para vender-lhes a vacina contra a covid-19. Pfizer exigiu de alguns países que ponham ativos soberanos, tais como edifícios de embaixadas e até bases militares a título de garantia, para reembolsar os custos de qualquer litígio futuro.

Esses requisitos impostos na “negociação” levaram a Argentina e o Brasil a rechaçar comprar a vacina dessa empresa. Não obstante, os acordos para obtê-la estão cobertos de cláusulas de confidencialidade que se tornaram públicas pelo escândalo que significa que a Pfizer exigisse uma série de indenizações contra reclamações civis, tanto por efeitos adversos da vacina como por sua própria negligência.

É assim que a empresa estadunidense exige que sejam os governos os que paguem os custos potenciais dos processos civis que possam ser movidos por negligência, fraude ou malícia. Isso inclui a garantia das empresas que se protegem para o caso de que, sob sua responsabilidade, seja interrompida a cadeia de frio, entreguem-se vacinas incorretas ou estas se estragam. Também, para o caso de que seja provocada a morte, incapacidade ou uma doença relacionada ao paciente. Ou seja, os governos é que deverão pagar pelos erros das empresas, se apresentarem uma reclamação formal ante a justiça.

Essas condições, que põem em primeiro lugar os interesses das empresas e em segundo plano a saúde dos cidadãos foram aceitas pelo Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, Panamá, Peru e Uruguai, governados pela direita neoliberal, e lamentavelmente também pelo México, sem que se saibam com certeza os termos dos acordos.

Por outro lado, e numa atitude francamente distinta, o Ministério de Relações Exteriores da China anunciou que seu país continuará promovendo uma distribuição equitativa das vacinas, pondo em primeiro lugar a segurança e eficácia das mesmas, pelo que vem instando as empresas produtoras do país a continuar as pesquisas e desenvolvimento das vacinas com a estrita aplicação dos métodos científicos e dos requisitos reguladores.

Do mesmo modo, a China se comprometeu a tornar as vacinas contra a covid bens públicos mundiais e proporcionou ou está proporcionando ajuda em vacinas a 53 países, ao mesmo tempo em que laboratórios chineses exportaram ou estão exportando os medicamentos a outros 27 países, entre eles, 11 da América Latina, sem impor nenhum tipo de condição.

Nesta situação, a colonialidade e o eurocentrismo permearam os debates acerca da “nova normalidade”. Para a América Latina e em geral para os povos do Sul, falar disso é rebobinar o discurso da dominação e do controle das potências. Desta maneira, “nova normalidade” tem relação com um discurso que é próprio do Norte, sua segurança e estabilidade em detrimento do Sul, que de novo é visto como um estorvo para a conquista dos objetivos traçados por Washington, Bruxelas ou Londres.

Dito de outra maneira, o conceito de “nova normalidade”, para uns, está associado ao de “risco” para eles, o que implica novos métodos de controle e exploração para a maioria do mundo. Assim, essa ideia estabelece a necessidade de sobrevivência dos Estados Unidos e Europa como potências dominantes a qualquer custo, incluindo o da vida de milhões de cidadãos.

Esse contexto levou a um reposicionamento da globalização sob outra perspectiva, uma vez que o vírus se instalou em todas as latitudes e longitudes do planeta, mostrando a putrefação nas entranhas do sistema, quando, sem importar-se com a saúde da humanidade, concentraram em 10 países mais de 90% das vacinas produzidas até agora, inclusive chegando a ter, em alguns países, como o Canadá, quantidades 5 vezes superiores às necessidades de sua população.

A globalização da pandemia fez que os povos dos países do Norte sentissem, pela primeira vez, a miséria das políticas de seus governos, percebendo os medos, as angústias e as ameaças cotidianas que se vivem nos países do Sul. Isso, sem chegar aos extremos que expressam, por exemplo, as políticas do governo dos Estados Unidos, que proíbe os laboratórios - sob risco de sanções – de vender vacinas à Venezuela e impede que os recursos roubados e retidos do país possam ser utilizados para a obtenção da vacina.

Hoje, já é possível predizer que ocorrerão mudanças importantes em termos geopolíticos, as quais, já estando em curso no início de 2020, foram aceleradas pela pandemia. A mais importante de todas é o fortalecimento da potencialidade econômica de China e sua crescente capacidade de inserção na problemática mundial.

Por outro lado, a pandemia tornou evidente a distância entre a periferia e os centros de poder mundial, quando estes, longe de aproveitar o nefasto evento como lugar de encontro humanitário em proteção da vida, por meio da cooperação e da aproximação, privilegiaram os interesses de lucro, que anunciam um aprofundamento maior das diferenças, num mundo em que o sistema capitalista mostrou sua total incapacidade de conduzir o processo de enfrentamento, luta e derrota do vírus.

Nesse contexto, o sistema multilateral pôs em evidência notórias imperfeições e insuficiências, começando pela reação da própria Organização das Nações Unidas (ONU), que se mostrou incapaz de manejar e conduzir o processo, seja por fraqueza, subordinação ou temor à fúria das potências e dos laboratórios que veem seus negócios diminuírem.

Da mesma forma, os únicos blocos regionais e sub-regionais que foram capazes de articular políticas conjuntas são os asiáticos, o resto se perdeu em atitudes particulares dos governos e em acordos secretos que ocultam cumplicidade, subordinação e defesa aos grandes laboratórios transnacionais. Neste aspecto, especialmente, a América Latina ficou em primeiro lugar – mais uma vez - em mostrar as debilidades de sistemas de saúde marcados por práticas neoliberais que expõem a cara visível de oligarquias que não economizam em sacrificar vidas, quando se trata de defender seus mesquinhos interesses de grupo ou setor.

A verdade é que o manejo da pandemia, as prioridades na atenção aos cidadãos para a proteção de sua vida, a decisão sobre a utilização de recursos de todo tipo para enfrentar o vírus e a produção e distribuição da vacina deixaram claros os fundamentos filosóficos com base nos quais os governos se preocupam ou não em garantir o direito à saúde e à vida de todos os cidadãos, como manda a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

(Missão Verdade)


 Tradução Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba 

https://lapupilainsomne.wordpress.com/2021/03/16/capitalismo-geopolitica-y-pandemia-por-sergio-rodriguez-gelfenstein/




                    Participe:   https://www.vacina-soberana.com/


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