Nunca vi Dona Damiana sorrir. Nesses três anos de convívio com a
história de Apyka´i, fui para o tekoha também três vezes, a primeira em
2013 quando conheci a liderança Damiana,
foi um momento muito especial, era o meu primeiro contato com uma
retomada. Era uma mulher que estava à frente, narrou sua história
misturando o guarani com português. Me levou ao cemitério. Estavam
acampados no meio da cana, mas havia plantações de abóbora, não tinha
quase o que comer. Muitas mulheres e crianças. Dona Damiana sempre foi
para mim um exemplo de mulher que luta, fora dos padrões do feminismo
ocidental que não enxerga tais lideranças. Talvez a minha vontade de
conhecer a história das mulheres Guarani e Kaiowá tenha surgido nesse
dia. Hoje a expulsaram do seu território tradicional covardemente. O
juiz Fábio Kaiut Nunes, da primeira Vara da Justiça Federal de Dourados,
um homem, branco, heterossexual, jovem, que foi filiado ao PSDB,
expediu a ordem de reintegração de posse. A Polícia Federal chegou às
6:15 da manhã de hoje, dia 06 de julho de 2016, sem avisar a Funai,
tampouco as entidades de Direitos Humanos. Todxxs fomos pegos de
surpresa. Vejo as fotos, Dona Damiana carregando seus pertences,
crianças sem ter pra onde ir. Acordei cedo e fazia frio, havia neblina.
Dona Damiana ocupava um pequeno pedaço de terra, lembro-me que o ano
passado foi determinado à União que comprasse um módulo rural para Dona
Damiana esperar a demarcação de sua terra, porém, essa mesma União
recorreu se recusando a pagar. Semana passada foi publicada uma portaria
estabelecendo um novo GT de estudo de identificação da terra,
justamente uma das reivindicações do movimento indígena, para tramitar
de uma vez por todas o procedimento administrativo de demarcação do
tekoha Apyka´i. Foi uma jogada do Governo Federal para nos acalmar? Era
tudo mentira? Como ficam esses estudos? Pra onde Damiana e sua
parentela vai ser levada? A quem interessa expulsar mulheres, crianças e
idosos do seu território tradicional ? O agronegócio mata, as ordens
de reintegração de posse são ordens etnocidas, como dizia Clastres “O
Estado tem por sua natureza ser etnocida”. Essa lembrança de Dona
Damiana nunca ter sorrido me pega sempre, porque estou acostumada a ver
os Guarani e Kaiowá sorrindo, apesar de toda violência que sofrem.
Como sorrir, né, Dona Damiana? Como sorrir?
Texto: Priscila Anzoategui
VENCEREMOS !!!
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