31 de jul. de 2021

Presidente AMLO propõe a criação de nova OEA e mais : tremendo discurso anti-imperialista do presidente do México, na reunião de ministros de relações exteriores da CELAC (CONSELHO DE ESTADOS LATINOAMERICANOS E CARIBENHOS)

  

Presidente do México propõe a criação de um organismo para substituir OEA na região

Andrés Manuel López Obrador defendeu a criação de uma nova aliança regional "que não seja lacaio de ninguém"

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), propôs a criação de um novo organismo que unifique os países da região e substitua a Organização dos Estados Americanos (OEA). "Não devemos descartar a substituição da OEA por um organismo verdadeiramente autônomo, que não seja lacaio de ninguém, mas um mediador de conflitos em matéria de direitos humanos e democracia", afirmou durante a 21ª reunião de Ministros de Relações Exteriores da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), realizada na Cidade do México, no último sábado (24). A proposta foi apoiada pelo presidente boliviano, Luis Arce.

Além de debater novos tratados comerciais e mecanismos de integração regional, o evento também buscava celebrar os 238 anos do Libertador Simón Bolívar. Ao todo 31 países participaram da reunião, enviando chanceleres, vice-ministros ou representantes especiais.

"Precisamos de uma resposta muito mais unificada da nossa região em um momento difícil como o que estamos enfrentando", defendeu a secretária executiva da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), Alícia Bárcena. Uma das decisões do encontro é aumentar o intercâmbio entre as nações para que sejam produzidas vacinas e medicamentos de maneira coordenada, com uma distribuição equitativa.  

Recentemente, o secretário geral da OEA, Luis Almagro, foi apontado como um dos apoiadores no golpe de Estado na Bolívia, em novembro de 2019, assim como promoveu sanções econômicas contra os venezuelanos. 

Na última reunião da Celac, AMLO defendeu resgatar o bolivarianismo no continente americano e criar novas alianças. 

"Já é momento de uma nova convivência entre todos os países da América, porque o modelo imposto há mais de dois séculos está esgotado, não tem futuro, nem saída e já não beneficia ninguém", defendeu López Obrador.

O presidente mexicano ainda afirmou que atualmente estão dadas as condições para que o propósito de respeito mútuo e unidade seja alcançado. 

Edição: Rebeca Cavalcante


A 21ª reunião da Celac reuniu representantes de 31 países na Cidade do México nos dias 24 e 25 de julho / Celac

"Queremos construir uma estratégia para sermos autossuficientes em situações críticas, como a pandemia, criar um fundo para atender desastres naturais. O que podemos ver nessa reunião é o desejo dos nossos países de buscar caminhos de união", declarou o chanceler boliviano Rogélio Mayta. 

Cuba e Venezuela são os dois países do continente que deixaram de participar da OEA pela posição hostil do organismo em relação ao sistema socialista cubano e à revolução bolivariana. 



https://www.brasildefato.com.br/2021/07/27/presidente-do-mexico-propoe-a-criacao-de-um-organismo-para-substituir-oea-na-regiao


DISCURSO DO PRESIDENTE DO MÉXICO, ANDRÉS MANUEL LÓPEZ OBRADOR NO  238 ANIVERSÁRIO DO NASCIMENTO DE SIMÓN BOLÍVAR, O LIBERTADOR


Respeitáveis ​​chanceleres e representantes de países irmãos de nossa América

Agradeço a presença de Isabel Allende, grande escritora chilena que nos acompanha neste evento para homenagear o Libertador Simón Bolívar, recriar seu projeto de unidade entre os povos da América Latina e do Caribe e nos apoiar na história para um melhor enfrentamento o presente e o futuro. futuro.

Amigos e amigas,

Nascido em 1783, exatos 30 anos depois de Miguel Hidalgo, Simón Bolívar decidiu desde muito jovem lutar por grandes, nobres e justas causas. Como o próprio Hidalgo e como José María Morelos y Pavón, os pais de nosso país, o libertador Bolívar teve virtudes excepcionais.

Bolívar é um exemplo vivo de como uma boa formação humanista pode superar a indiferença ou o conforto de quem vem de bom nascimento. Bolívar pertencia a uma rica família de latifundiários, mas desde criança foi educado por Simón Rodríguez, pedagogo e reformador social que o acompanhou em sua formação até atingir um alto grau de maturidade intelectual e consciência.

Em 1805, com apenas 22 anos, no Monte Sacro de Roma "jurou na presença do seu mestre e homônimo não dar descanso ao seu braço nem repouso à sua alma até ter conseguido libertar o mundo hispano-americano da tutela espanhola. "

Como o pai, tinha vocação militar, mas ao mesmo tempo era um homem esclarecido e, como se dizia, do mundo, pois viajava muito pela Europa; viveu e/ou visitou a Espanha, França, Itália, Inglaterra; Falava francês, sabia matemática, história e literatura, mas não era apenas um homem de pensamento, mas também de ação. 

Conhecia a arte da guerra e era ao mesmo tempo um político com vocação e vontade transformadora: conhecia a importância do discurso; o poder das ideias, a eficácia das proclamações, e tinha consciência da grande utilidade do jornalismo e da imprensa como instrumento de luta. Conhecia o efeito da promulgação de leis em benefício do povo e, acima de tudo, valorizava a importância de não desistir, de perseverar e de nunca perder a fé no triunfo da causa pela qual se luta pelo bom do povo. o resto.

Em 1811, Bolívar ingressou no exército anticolonial, sob as ordens de Francisco de Miranda, o precursor do Movimento da Independência. Pouco depois, ante as vacilações deste militar, Bolívar assumiu o comando das tropas e em 1813 iniciou a libertação da Venezuela; pouco antes, como escreve Manuel Pérez Vila, um de seus biógrafos, os povos começaram a chamá-lo Libertador, "título que lhe conferem solenemente, em outubro de 1813, a municipalidade e o povo de Caracas, com o qual passaria à história".

Em sua luta incansável pelas estradas e mares da América, triunfos e derrotas se entrelaçam; sua campanha militar o leva a se refugiar na Jamaica e no Haiti; deste povo e de seu governo recebe apoio para suas campanhas em duas ocasiões, algo verdadeiramente excepcional e um exemplo de solidariedade e fraternidade latino-americana.

Em 1819 entrou triunfante em Bogotá e logo depois a Lei Fundamental da República da Colômbia foi promulgada. Este grande estado, a grande Colômbia, criação do libertador, incluía as atuais repúblicas da Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá.

Nem tudo foi fácil em sua luta: ele perdeu batalhas, enfrentou traições e, como em todos os movimentos transformadores ou revolucionários, surgiram divisões internas que podem ser até mais danosas do que as lutas contra verdadeiros adversários.

Na luta pela libertação dos povos de nossa América, Bolívar teve o grande apoio do General Antonio José de Sucre e em 1822, se encontrou, em Guayaquil, Equador, com o General José de San Martín, outro ilustre titã da independência sul-americana.

Naquela época se constituía a "República Bolívar", hoje Bolívia, e consuma-se a independência do Peru. Aliás, no litoral deste país, no início de 1824, Bolívar adoeceu e apesar das más notícias, devido a traições e derrotas, conta-se que da poltrona onde estava sentado surgiu a famosa exclamação: “Triunfar ! " Esta história foi transformada em poesia pelo professor Carlos Pellicer, que o admirava com intensidade e devoção. O verso diz:

Sr. Joaquín Mosquera

de uma certa aldeia, ele veio.

Desceu da sua mula

e procurava o Libertador.

Na cadeira velha 

na parede reclinada

de uma casa miserável;

sobre seu corpo triste

de Bolívar descansava.

Dom Joaquín o abraçou

com palavras muito corteses.

O herói do Novo Mundo

apenas mal respondia.

Depois do Sr. Mosquera

as penalidades irão enumerar,

ele perguntou a Dom Simón:

"E agora, o que você vai fazer?"

"Triunfar!" O Libertador

respondeu com uma fé louca.

E foi um silêncio sólido

de admiração e espanto ...


Depois daquele momento infeliz, o Libertador viveu muitos outros de igual desdita; o último trecho de sua existência é marcado pelas constantes divisões nas fileiras liberais, o que levará inclusive ao fato de que, às vésperas de sua morte, a Venezuela se proclamou estado independente da Grande Colômbia. Em 17 de dezembro de 1830, o grande libertador Simón Bolívar fechou os olhos e não acordou mais.

● ● ●

A luta pela integridade dos povos de nossa América continua sendo um belo ideal. Não foi fácil realizar esse belo propósito. Seus principais obstáculos têm sido o movimento conservador das nações da América, as rupturas nas fileiras do movimento liberal e o domínio dos Estados Unidos no continente. Não esqueçamos que quase ao mesmo tempo em que nossos países se tornaram independentes da Espanha e de outras nações europeias, estava surgindo neste continente a nova metrópole de dominação hegemônica.

Durante o período difícil das guerras pela independência, inauguradas por volta de 1810, os governantes americanos, com uma perspectiva inteiramente pragmática, acompanharam os acontecimentos com interesse secreto. Os Estados Unidos manobraram em momentos diferentes segundo um jogo unilateral: extrema cautela no início, para não irritar a Espanha, a Grã-Bretanha, a Santa Aliança, sem atrapalhar a descolonização, que às vezes parecia duvidosa. Porém, por volta de 1822, Washington deu início ao rápido reconhecimento da independência conquistada para fechar o caminho ao intervencionismo extracontinental e, em 1823, enfim, a uma política definida.

Em outubro, Jefferson, o progenitor da Declaração de Independência e então uma espécie de oráculo, respondeu por carta a uma pergunta do presidente James Monroe sobre o assunto. Em um parágrafo significativo, Jefferson diz: “Nossa primeira e fundamental máxima deve ser nunca se envolver nas confusões da Europa. O segundo, nunca permitir que a Europa interfira nos assuntos deste lado do Atlântico ”. Em dezembro, Monroe fez o famoso discurso delineando a doutrina que leva seu nome.

O slogan “América para os americanos” acabou desintegrando os povos de nosso continente e destruindo o que foi construído por Bolívar. Ao longo de quase todo o século XIX sofreu constantes ocupações, desembarques, anexações e custou-nos a perda de metade do nosso território, com o grande golpe de 1848.

Essa expansão territorial e guerreira dos Estados Unidos foi consagrada quando Cuba, último bastião da Espanha na América, caiu em 1898, com o suspeito naufrágio do encouraçado Maine em Havana, que deu origem à emenda Platt e à ocupação de Guantánamo. Em outras palavras, a essa altura os Estados Unidos haviam acabado de definir seu espaço físico-vital em toda a América.

Desde aquela época, Washington nunca parou de conduzir operações abertas ou encobertas contra países independentes ao sul do Rio Grande. A influência da política externa dos EUA é predominante na América. Há apenas um caso especial, o de Cuba, país que há mais de meio século afirma sua independência enfrentando politicamente os Estados Unidos. Podemos concordar ou não com a Revolução Cubana e seu governo, mas resistir 62 anos sem se submeter é uma façanha e tanto. Minhas palavras podem irritar alguns ou muitos, mas como diz a canção de René Pérez Joglar da Calle 13/Residente, “Eu sempre digo o que penso”.

Consequentemente, creio que, por sua luta em defesa da soberania de seu país, o povo cubano merece o prêmio de dignidade e essa ilha deve ser considerada a nova Numancia * por seu exemplo de resistência, e creio que por essa mesma razão deve ser declarada patrimônio mundial.

Mas também afirmo que é hora de uma nova convivência entre todos os países da América, porque o modelo imposto há mais de dois séculos se esgotou, não tem futuro nem saída, não beneficia mais ninguém. Devemos deixar de lado o dilema de integrar-nos aos Estados Unidos ou nos opor defensivamente.

É hora de explorar outra opção: dialogar com os governantes dos EUA e convencê-los e persuadi-los de que uma nova relação entre os países da América é possível.

Acredito que atualmente existam condições imbatíveis para atingir esse propósito de nos respeitarmos e caminharmos juntos sem que ninguém fique para trás.

Nesse sentido, nossa experiência de integração econômica com respeito à nossa soberania, que temos realizado na concepção e aplicação do Tratado Econômico e Comercial com os Estados Unidos e Canadá, pode ajudar.

Obviamente, não é pouca coisa ter uma nação como os Estados Unidos como vizinho. Nossa proximidade nos obriga a buscar acordos e seria um erro grave chutar Sansão, mas ao mesmo tempo temos motivos poderosos para afirmar nossa soberania e demonstrar com argumentos, sem bravatas, que não somos um protetorado, uma colônia ou seu quintal. Além disso, com o passar do tempo, aos poucos foi sendo aceita uma circunstância favorável para nosso país: o crescimento excessivo da China fortaleceu a opinião nos Estados Unidos de que devemos ser vistos como aliados e não como vizinhos distantes.

O processo de integração ocorre desde 1994, quando foi assinado o primeiro Tratado, ainda incompleto, pois não tratou da questão trabalhista, como o faz agora, permitindo a instalação de fábricas de autopeças no setor automotivo e outros ramos e cadeias produtivas foram criadas que nos tornam mutuamente indispensáveis. Pode-se dizer que até a indústria militar nos Estados Unidos depende de autopeças que são feitas no México. Não estou dizendo isso com orgulho, mas para sublinhar a interdependência existente. Mas por falar nisso, como mencionei ao presidente Joseph Biden, preferimos uma integração econômica com dimensão soberana com os Estados Unidos e Canadá, para recuperar o que foi perdido na produção e no comércio com a China, do que continuar a enfraquecer como região e ter no Pacífico um cenário atormentado por tensões bélicas. Em outras palavras, queremos que os Estados Unidos sejam fortes economicamente e não apenas militarmente. Alcançar esse equilíbrio e não a hegemonia de qualquer país é a coisa mais responsável e mais conveniente a fazer para manter a paz para o bem das gerações futuras e da humanidade.

Em primeiro lugar, devemos ser realistas e aceitar, como afirmei em meu discurso na Casa Branca em julho do ano passado, que enquanto a China domina 12,2% do mercado global de exportação e serviços, os Estados Unidos só o fazem em 9,5 por cento; e esse desnível vem de apenas 30 anos atrás, porque em 1990 a participação da China era de 1,3% e a dos Estados Unidos 12,4%. Imagine se essa tendência das últimas três décadas continuasse, e não houvesse nada que pudesse legal ou legitimamente impedi-la, em mais 30 anos, até 2051, a China teria o domínio de 64,8% do mercado mundial e os Estados Unidos entre 4 e 10 por cento; o que, insisto, além de uma desproporção inaceitável no campo econômico, manteria viva a tentação de apostar na solução dessa disparidade com o uso da força, o que nos colocaria todos em perigo.

Poder-se-ia supor de forma simplista que cabe a cada nação assumir a sua responsabilidade, mas, tratando-se de um assunto tão delicado no que diz respeito aos direitos dos outros e à independência de cada país, pensamos que o o melhor seria nos fortalecermos econômica e comercialmente na América do Norte e em todo o continente. Além disso, não vejo outra saída, não podemos fechar nossas economias ou apostar na aplicação de tarifas aos países exportadores do mundo, muito menos devemos declarar guerra comercial a alguém. Acho que o melhor é ser eficiente, criativo, fortalecer nosso mercado regional e competir com qualquer país ou região do mundo.

Claro, isso acontece planejando em conjunto o nosso desenvolvimento: nada de deixar fazer ou deixar passar. Objetivos muito precisos devem ser definidos em conjunto; por exemplo, parar de rejeitar os migrantes, a maioria deles jovens, quando para crescer você precisa de uma força de trabalho que, na realidade, não é suficiente nos Estados Unidos ou Canadá. Por que não estudar a demanda de mão de obra e abrir o fluxo migratório de forma ordenada? E dentro da estrutura deste novo plano de desenvolvimento conjunto, a política de investimento, trabalho, proteção ambiental e outras questões de interesse mútuo para nossas nações devem ser consideradas.

É óbvio que isso deve implicar cooperação para o desenvolvimento e o bem-estar de todos os povos da América Latina e do Caribe. A política dos últimos dois séculos, caracterizada por invasões para colocar ou remover governantes ao capricho da superpotência, já é inaceitável. Vamos dizer adeus às imposições, interferências, sanções, exclusões e bloqueios.

Em vez disso, apliquemos os princípios de não intervenção, autodeterminação dos povos e solução pacífica de controvérsias. Vamos iniciar um relacionamento em nosso continente sob a premissa de George Washington, segundo a qual, “as nações não devem se aproveitar do infortúnio de outros povos”.

Sei que é um assunto complexo que exige uma nova visão política e econômica: a proposta é, nem mais nem menos, do que construir algo semelhante à União Europeia, mas ligado à nossa história, à nossa realidade e às nossas identidades. Nesse espírito, não se deve excluir a substituição da OEA por um órgão verdadeiramente autônomo, não lacaio de ninguém, mas mediador a pedido e aceitação das partes em conflito, em matéria de direitos humanos e democracia. É uma grande tarefa para bons diplomatas e políticos como os que, felizmente, existem em todos os países do nosso continente.

O que é proposto aqui pode parecer uma utopia; no entanto, deve-se considerar que sem o horizonte de ideais não se pode chegar a lugar nenhum e que, portanto, vale a pena tentar. Vamos manter vivo o sonho de Bolívar.

Muito obrigado.



Castillo Chapultepec, Ciudad de México, 24 de julio de 2021.

Tradução : Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba

N.T.  : *"O Cerco de Numancia" fala de "a heroica luta contra a invasão, a humilhação e a injustiça de um povo que se sente enrolado pelo poder militar de Roma".  Durante os vinte anos que durou o assédio de Numancia, que "envergonhava profundamente" a todos os romanos, os celtíberos opuseram uma resistência que se tornou "num mito na história e que Cervantes refletiu como tal".

29 de jul. de 2021

CAIU NA REDE É PEIXE?

 

 

Marcia Choueri

     Diante da campanha midiática contra Cuba destas últimas semanas, cheguei à conclusão de que as redes têm esse nome porque servem para enREDar. E aí se inclui também a grande mídia hegemônica.

            Quero chamar a atenção para dois aspectos da campanha: as mentiras em si, e os gatilhos que eu classifico como linguístico-emocionais. Os dois recursos agem em simbiose, alimentando-se mutuamente.

            Começo pelas mentiras, que no jargão internáutico ganharam o nome de fake news. Veja como soa mais leve e simpático em inglês. Mas é mentira mesmo, aldrabice, bafo, balela, falsidade, fraude, invencionice, lambança… FRAUDE!

            A grande mídia (CNN, por exemplo) e as mídias “independentes” utilizaram fotos de manifestações A FAVOR do governo cubano, como se fossem contrárias. E escolheram bem, realmente mostravam multidões. Um observador atento podia ver a bandeira do Movimento 26 de Julho ao fundo. Utilizaram também fotos de celebrações argentinas por vitória no futebol, de manifestações no Egito ocorridas em 2011, e por aí vai, tudo como se fosse da população cubana nas ruas. Eu vi um vídeo de violência policial “cubana” em que imediatamente identifiquei os uniformes e métodos da PM brasileira. 

            Não há ingenuidade ou engano nessa escolha, é proposital e é crime. Dá pra provar. Mas, ainda que seja possível processar os autores e até ganhar uma indenização, não há como garantir que todos os que viram as fraudes sejam alcançados pela verdade, nem se pode apagar das mentes essas imagens. E, como sabemos, uma imagem vale mais que mil palavras.

            Agora, o que eu considero mais traiçoeiro, o uso malicioso do discurso. O uso – indevido e proposital – de termos que provocam uma reação emocional inconsciente no leitor. Estes dias, pudemos ver em todos esses meios vários desses termos, em relação à ação policial e judicial em Cuba. Por exemplo: violência policial, desaparecidos, julgamentos sumários, menores presos.

            Violência policial faz pensar em quê? Cenas tenebrosas de agentes da lei dando tiros nos olhos dos manifestantes (como no Chile), uso de balas de borracha, jatos de água que jogam as pessoas ao chão, seguidos de surras com chutes e golpes de cassetetes (como em quase todos os países da América e mais a Espanha, França etc.), jogar pessoas machucadas no camburão, ou talvez arrastá-las pela rua, presas ao para-choque da viatura (Rio de Janeiro). Violência policial é a que roubou a vida de milhares de jovens na Colômbia, na operação dos Falsos Positivos[1]. Violência policial é a que mata jovens negros, todos os dias, nas urbes do Brasil.

            Houve algo assim na Ilha, para impedir que os manifestantes seguissem quebrando vitrines, virando carros da polícia e saqueando supermercados? Não, não houve nada disso. E esses meios não sabem a verdade? Sabem.

            Desaparecidos: este é um dos termos mais emblemáticos das ditaduras (outra palavra usada e abusada) militares do Cone Sul, aquelas que foram colocadas e sustentadas no poder pelos Estados Unidos – isto, sim, provado com documentos oficiais. Desaparecidos são os milhares de jovens sequestrados pelas polícias das ditaduras do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, agindo em conluio através do plano Condor. Jovens cujos corpos até hoje não foram encontrados, que podem estar numa vala comum em qualquer Perus por aí, ou foram jogados de aviões em alto-mar, alguns ainda vivos. Desaparecidos são as pessoas sequestradas por milicianos no Brasil e que nunca mais são encontradas, com a indolência/conivência do Estado.

            Quem são os desaparecidos de Cuba? Foram divulgadas listas com nomes incompletos, sem número de documento ou endereço, e até o nome do presidente do ICAIC – Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica foi incluído numa delas.

            Julgamentos sumários: este é um gatilho para os mais velhos. Faz pensar em quê? “Paredón”? Sibéria? Expurgos de Stálin?

            O que aconteceu em Cuba nestas duas semanas? As pessoas presas em flagrante durante os distúrbios estão sendo processadas. Em muitos casos, ainda estão sendo investigadas, para verificar seu nível de envolvimento. Algumas, com acusações mais simples – como desordem pública, instigação a delinquir, desacato, danos materiais – já foram julgadas pelos tribunais municipais. Pela lei cubana- como em muitos países -  esses processos são mais rápidos, mas com plena garantia do direito de defesa. E cabe recurso das decisões. É bom lembrar que justiça demorada, como se pratica no Brasil, é fonte de injustiça. Uma parte dos que já foram julgados foram absolvidos, a outros foram impostas medidas administrativas (multa), e alguns receberam penas de até um ano de detenção.

                                                                                         

            Menores presos: Olha o gatilho: fundação Casa (Febem, lembra?), crianças palestinas em prisões de Israel, crianças escravizadas exercendo trabalhos insalubres, como a extração do cacau ou do nióbio.

            Há menores presos em Cuba? Em Cuba, são imputáveis os maiores de 16 anos, mas os condenados de até 20 anos recebem tratamento diferenciado.

            Veja agora trechos de uma matéria publicada pelo uol em 24 de julho: “Uma adolescente de 17 anos foi condenada a oito meses de prisão ² em um dos julgamentos sumários que ocorreram na ilha após protestos recentes contra o governo […]”. Julgamentos sumários, e protestos, em vez de distúrbios, que é o que de fato aconteceu.*

            “Ela [a mãe] acrescentou que não sabe para onde sua filha foi transferida após o julgamento, que em sua opinião foi realizado sem apresentar provas […].” Naquele momento a mãe não sabia, isso é informação jornalística? E na opinião dela não havia provas. Opinião da mãe. Não dava pra procurar alguém que tivesse conhecimento especializado?

            “A recente onda de prisões e julgamentos sumários em Cuba foi criticada por diferentes governos e organizações internacionais.” A uol não sabe que governos que comentam as ações internas dos governos de outros países estão infringindo as normas internacionais? Alguém já viu o governo norte-americano criticar a violência da polícia colombiana ou israelense?

            “O Observatório Cubano de Direitos Humanos informou […] que documentou a prisão ou desaparecimento de pelo menos 757 pessoas […].” Esse Observatório é uma ONG espanhola publicamente financiada pela NED , uma agência norte-americana que serve de testa de ferro da CIA, para distribuir os recursos às organizações de direita pelo mundo. Até eu sei disso, basta googlear. A uol não sabe?

            “Ela [a mãe] especificou que Zequeira foi presa por ‘vespas negras’, como são conhecidos em Cuba os integrantes da Brigada Nacional Especial […] que nesta semana foi sancionada pelos Estados Unidos por ‘reprimir’ manifestantes.” A brigada é conhecida por “boinas negras” (adivinhe a cor da boina que eles usam), desconfio que tentaram fazer um link com a “rede vespa”, aquela dos 5 Heróis e do filme. E outra: a uol não sabe que o presidente dos Estados Unidos NÃO tem jurisdição sobre Cuba? Que ele sancionar uma entidade cubana é ingerência? Que viola as normas do Direito Internacional? Isso não merece uma matéria? Ou, pelo menos, um comentário?

            Comentei a matéria da uol, como poderia ter comentado de centenas de outros meios. Basta digitar Cuba no Google, que chovem artigos e reportagens repletos desses truques e fraudes. Sim, FRAUDES.

            E este artigo é só sobre a campanha contra Cuba, mas os mesmo recursos são utilizados o tempo todo, contra governos e organizações que desagradem os donos do poder.

            O que fazer? Não é uma tarefa fácil. Acho que divulgar a verdade é importante, mesmo que o nosso alcance, em comparação, seja tão limitado. Estar atento às manipulações, aprender e ensinar a ler desconfiando, usando a razão para desmontar os gatilhos emocionais. E perguntar-se sempre que interesses são atendidos por aquela “informação”.


*Nota da edição (29/07) : Gabriela Zequeira  tem 17 anos (a maioridade penal em Cuba é aos 16 anos) e está solta, respondendo em liberdade após recurso interposto. O julgamento foi realizado de acordo com  o devido processo legal e ampla defesa.  

[1]        Falsos positivos são mais de 6 mil jovens de toda a Colômbia, que foram levados sob a acusação de serem guerrilheiros, e assassinados. Mais de 6 mil jovens devolvidos mortos a suas famílias, sob um falso pretexto. A finalidade dessa operação foi obter um aumento das verbas para as Forças Armadas.

28 de jul. de 2021

"DRIBLANDO" O BLOQUEIO (+vídeo 1 minuto)

     Carmen Diniz

  Após os recentes acontecimentos em 11 de julho em Cuba - absolutamente pontuais - a partir dos EUA se começou a ensaiar uma "flotilha", uma frota pequena de barcos com jornalistas e demais 'opositores' do governo cubano. Ao que tudo indicava, para levar "ajuda humanitária" à ilha. 

   Na mesma semana o governo russo  enviou uma ajuda humanitária (essa, de verdade) com aviões militares carregando 88 toneladas de medicamentos, alimentos, insumos médicos e demais itens para Cuba. 

    https://www.brasil247.com/mundo/chega-a-cuba-ajuda-humanitaria-da-russia

    A partir desta notícia, aparentemente a "flotilha" se dispersou e não se falou mais no assunto.

    Em seguida, o presidente mexicano Andres Manuel López Obrador (AMLO) convocou os demais países a contribuir com Cuba uma vez que a maioria deles votou contra o bloqueio que os EUA impõe a Cuba há seis décadas. 

          



https://www.jornada.com.mx/notas/2021/07/22/estados/embarcan-ayuda-humanitaria-para-cuba-en-veracruz/


     Ontem (27) foi a vez do governo da Nicarágua se comprometer a enviar um barco com alimentos a Cuba em razão da situação de pandemia e bloqueio que o país enfrenta.

    


  O governo boliviano na pessoa de seu presidente Luis Arce  também declarou o envio de seringas e alimentos para Cuba em especial pelo problema da pandemia na ilha acrescida das duras medidas recentes do bloqueio por parte do governo estadunidense.
Arce afirmou que foi com Cuba que aprendeu que a solidariedade é compartilhar o pouco que se tem com quem mais necessita. 



     A  verdadeira ajuda humanitária continua acontecendo, mais países aderindo. Servirá  como uma lição ao governo norte-americano : 
a solidariedade não se pode bloquear 

Mais do assunto:
https://www.telesurtv.net/news/paises-anuncian-envio-ayuda-humanitaria-cuba-20210728-0005.html
                                               

                            

27 de jul. de 2021

PRECISAMOS FALAR DE DIREITOS HUMANOS.

Foto: Shara Medeiros 

Carmen Diniz*

                        Brasil , Cuba  e  Direitos Humanos      

Era uma vez dois países : um com dimensões continentais  e o outro uma pequena ilha. O grande país conta com imensos recursos naturais, terras produtivas, clima totalmente favorável, grande população, água em profusão. Não tem terremotos, nem maremotos nem furacões. Assim analisando parece muita sorte de seus cidadãos, porque  possuem (possuem?) um país abençoado para se viver com tranquilidade. Será? O outro, uma ilha sem recursos naturais, com pouca terra e que apesar do clima também favorável, de tempos em tempos enfrenta intempéries como furacões violentos.

    Essas são as imagens iniciais dos países. Nos aproximando mais um pouco começamos a perceber outras diferenças que fazem de um deles um gigante no tamanho e do outro um gigante de humanidade e solidariedade.  No entanto, essa ilha que  jamais ofereceu qualquer ameaça a nenhum outro país  e que vive pacifica e precariamente sofre ataques, ameaças e bloqueio há mais de seis décadas. Além disso, críticas de todos os lados, ingerências e cobranças de como deve viver segundo os donos do mundo  e do capital.  Pois bem, é importante impor algumas condições para criticar Cuba , uma vez que os países que criticam a Ilha deveriam primeiramente olhar para sua própria realidade e  fazer autocrítica para só então apontar os erros desta outra nação.

     Aqui passo à primeira pessoa. Sou brasileira, vivo e sofro meu país e sua dura realidade há anos. Por esse motivo imponho as seguintes condições para  criticar Cuba e só então podemos começar a conversar: 

  Primeiramente que não se aceite  mais  50 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar (neste país rico – mas de pobres) cujo número equivale a 5 vezes a população cubana, nem que se aceite mais de  60 milhões de desalentados (15 milhões de desempregados,  6 milhões que desistiram + 40 milhões de precarizados);  que seja vedado aos  1% dos brasileiros mais ricos (são 193 mil pessoas) deterem 49,6% da renda nacional; que se abrigue adequadamente 220 mil brasileiros que vivem nas ruas e  moradias dignas a 13 milhões de favelados; que não se admita  6000 mortes de jovens negros, brancos  e pobres por ano (1 jovem negro é assassinado a cada 4 minutos) e tampouco o fato de acontecer um estupro a cada 8 minutos ( sendo que 70% em menores de 14 anos) ; que a população carcerária não seja mais a terceira do mundo com 700 mil presos;

 - que se faça Reforma Agrária e Urbana;

 - que o Estado pare de matar a população pobre das favelas e das periferias em chacinas violentas contra crianças, adolescentes e tudo que se mova ;

-  que retornem ao Brasil os médicos cubanos para que mais de 60 milhões de brasileiros voltem a ter atendimento médico . Quanto aos médicos nossos, que alcancemos o nível daquela ilha pobre: 9,00/1000 habitantes (hoje no Brasil temos 1,85/1000 hab);e  que as crianças brasileiras TODAS tenham escola.

 - que não passemos mais essa vergonha de - no país onde temos tanta terra! - famílias inteiras fazerem fila esperando OSSOS para cozinhar;

 - que haja saúde (e vacina) para todos e todas! 

Nenhuma das condições é impossível de se realizar, Cuba conseguiu com muito menos recursos ! Bem, por aí seguimos. Penso que se alcançarmos o nível de saúde e educação do pequeno país pobre, aí sim, poderemos falar de Direitos Humanos, liberdade para viver, comer, morar, vestir,  etc.

     Resolvidas essa tragédias, aí sim, vamos poder, enfim, criticar outros países, inclusive Cuba.

    Mas nem assim poderemos criticar seu sistema de governo.  

                     Porque isso, só cabe aos cubanos.


  Fontes:   IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e Anuário Brasileiro de Segurança Pública - 2021


*Jurista, Mestre em Direito Penal e Criminologia  - Coordenadora do Capítulo Brasil do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos 

     

O artigo acima (com modificações/atualizações) foi publicado na revista argentina: CHASKI 5, FINES DE JULIO 2021.pdf


 

POR TRÁS DAS CORTINAS



Marcia Choueri

Nota: contém informações extraídas do artigo “The bay of Tweets: Documents point to US Hand in Cuba Protests”, de Alan Macleod, publicado por MPN News em 16-07-21. www.mintpressnews.com/documents-point-to-us-hand-in-cuba-protests/277987/

 

         Todo mundo que passeia pelas redes sociais pôde ver, nos últimos dias, sob os mais diversos ângulos, imagens de protestos em Cuba. No dia 11 de julho, em diversas localidades da Ilha, grupos de pessoas saíram às ruas gritando frases contra o governo. Em vários, houve distúrbios violentos, com depredação e saqueio de lojas, destruição de carros da polícia e até de uma clínica infantil.

            Como foi também divulgado, o presidente da República foi com outros dirigentes do Partido a um desses eventos e conversou com os manifestantes. E todos os atos foram controlados, sem que a polícia utilizasse meios de repressão antimotim, como acontece em tantos outros países.

            Também já ficou clara a intensa utilização de fotos e vídeos falsos pela grande mídia internacional, para construir um factoide sobre a situação em Cuba.

            Mas uma das perguntas mais importantes é: o que ou quem está por trás desses eventos? Serão manifestações espontâneas, de uma população cansada de passar necessidades? Muito espontâneas, sabemos que não foram, porque se deram de forma praticamente simultânea. Além disso, foram imediatamente postadas e replicadas por páginas e sites do exterior que se dedicam a combater o sistema da Ilha. Eles já as esperavam.

            Também se sabe que houve uma preparação da opinião pública, anterior ao 11 de julho, com a hashtag “SOSCuba” e um pedido injustificável de uma “intervenção humanitária” em Cuba, o que, no jargão bélico contemporâneo, significa intervenção militar.

            É evidente que aí está a mão da comunidade cubano-americana contrarrevolucionária da Flórida. A designação é assim longa porque nem todo cubano-americano é opositor. De fato, os contras são uma minoria, um grupo de direita, rançoso e vingativo, que não perdoa Cuba por ter escolhido outro caminho, que não o da ditadura que eles apoiavam.

            Essa é a parte mais visível. Mas, para ter todos os dados, é preciso cavar um pouco mais.



            Quem paga a quem estimula os protestos?

            Os protestos foram imediatamente apoiados por músicos de hip hop cubanos domiciliados nos Estados Unidos, entre eles, o rapper Yotuel, autor de “Patria y Vida”. Esse rap foi lançado no início deste ano e causou muita polêmica, porque seu título ironiza a palavra de ordem “Patria o Muerte”, lançada por Fidel em 1960, no enterro das vítimas do atentado terrorista que explodiu o navio La Coubre no porto de Havana.

            Veja o que disse o senador Marco Rubio, feroz inimigo de Cuba: “ [...] os protestos que estamos presenciando foram iniciados por artistas, não por políticos. Esta canção 'Patria y Vida' explica poderosamente como se sentem os jovens cubanos. E seu lançamento foi tão impactante, que você será preso se o pegam cantando-a em Cuba”. Além da mentira sobre ser preso por cantar uma música em Cuba, percebe-se a intenção de atribuir os protestos a um inocente reclamo da juventude, e não a uma desonesta ação política.

            Essa versão foi reforçada por grandes meios, como National Public Radio e The New York Times, que publicaram artigos sobre a canção e como estava impulsionando o movimento.

            Agora, o que esses artigos não mencionam é que muitos rappers cubanos, como Yotuel, foram recrutados pelo governo estadunidense para estimular o descontentamento em Cuba. Publicações recentes de subvenções da National Endowment for Democracy (NED) – organização criada pela administração Reagan como testa de ferro da CIA – mostram que Washington está tentando infiltrar-se na cena artística cubana para conseguir uma mudança de regime. Financiam um projeto chamado "Empoderar os artistas cubanos de hip-hop como líderes na sociedade", cujo objetivo é "promover a participação cidadã e a mudança social" e "criar consciência sobre o papel que têm os artistas de hip-hop no fortalecimento da democracia na região” (grifei os eufemismos). Outro, chamado "Promoção da liberdade de expressão em Cuba através das artes", afirma que está ajudando artistas locais em projetos relacionados com "democracia, direitos humanos e memória histórica", e que ajuda a "aumentar a consciência sobre a realidade cubana".

            Outras operações que a NED financia atualmente incluem a melhora da capacidade da sociedade civil cubana para "propor alternativas políticas" e a "transição para a democracia". Mas a agência nunca divulga com quem trabalha dentro de Cuba.

            “’O Departamento de Estado, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional [USAID] e a Agência dos Estados Unidos para a Mídia Global [USAGM] financiaram programas para apoiar artistas, jornalistas, blogueiros e músicos cubanos’, informou Tracey Eaton, jornalista que dirige The Cuba Money Project, a MintPress. ‘É impossível dizer quantos dólares de impostos estadunidenses foram destinados a esses programas ao longo dos anos, porque os detalhes de muitos projetos são mantidos em segredo’, acrescentou”.

            A USAID oferece atualmente uma subvenção de fundos no valor de 2 milhões de dólares a grupos que utilizam a cultura para obter uma mudança social em Cuba. O anúncio afirma: “Artistas e músicos saíram às ruas para protestar contra a repressão do governo, produzindo hinos como 'Patria y Vida', que não apenas trouxe mais consciência global sobre a difícil situação do povo cubano, mas também serviu como um grito de guerra pela mudança na Ilha".

            No mesmo artigo de MintPress, a professora Sujatha Fernandes, socióloga da Universidade de Sydney e especialista na cultura musical cubana declara: "Durante muitos anos, sob a bandeira da mudança de regime, organizações como a USAID tentaram infiltrar-se em grupos de rap cubanos e financiar operações encobertas para provocar protestos juvenis”.

            Mas as organizações estadunidenses estão enfocando recursos também em outras áreas, como o jornalismo esportivo – que a NED espera utilizar como um "veículo para narrar as realidades políticas, sociais e culturais da sociedade cubana" – e os grupos de gênero e LGBTQ +. A tentativa de instrumentação de movimentos identitários é velha conhecida também nos outros países da região.

            Para que não fiquem dúvidas sobre as intenções estadunidenses de continuar com a ingerência na vida da Ilha, o Orçamento de Verbas da Câmara, publicado no princípio deste mês, reserva até 20 milhões de dólares para "programas de democracia" em Cuba, incluídos os que apoiam a "livre empresa e as organizações empresariais privadas". O que se entende por "democracia" está esclarecido no documento, que estabelece que "nenhum dos fundos postos à disposição em virtude do referido parágrafo poderá ser utilizado para ajudar o governo de Cuba". Portanto qualquer menção de "democracia" em Cuba é quase sinônimo de mudança de regime.

            Mas o império não quer que suas mãos apareçam. Tentam, de todas as formas, construir uma pseudo-realidade de que as manifestações surgiram do próprio povo cubano, insatisfeito com a situação econômica do país e com um “governo repressor”:

             Em um comunicado oficial da Casa Branca, a subsecretária interina para o Gabinete de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, Julie Chung declara: “Apoiamos o povo cubano e seu clamor por liberdade”, e acrescenta: "O povo de Cuba continua expressando com valentia seu desejo de liberdade frente à repressão. Fazemos um chamado ao governo de Cuba a abster-se da violência, escutar as demandas de seus cidadãos, respeitar os direitos dos manifestantes e jornalistas. O povo cubano esperou bastante por Liberdade!”

            Os republicanos foram mais longe ainda. O prefeito de Miami (de onde mais?), Francis Suárez, exigiu que os Estados Unidos interviessem militarmente e disse à Fox News que o país deveria formar uma "coalizão de ação militar potencial em Cuba". Por seu lado, o congressista da Flórida Anthony Sabbatini pediu uma mudança de regime na Ilha.


           

            E as redes sociais?

            As redes sociais tiveram um papel fundamental para converter o que era apenas um protesto localizado em um evento nacional. Mary Murray, diretora da NBC para a América Latina, destacou que, somente quando as transmissões ao vivo dos eventos foram ao ar, impulsionadas pela comunidade de expatriados em Miami, "começou a pegar fogo", indicando que a expansão do movimento foi, pelo menos parcialmente, induzido de fora. Depois que o governo dificultou o acesso às redes, os protestos cessaram.

            Como disse a MintPress o escritor Arnold August, autor de uma série de livros sobre Cuba e as relações cubano-estadunidenses, grande parte da atenção que os protestos estavam recebendo era resultado de uma atividade não autêntica.

            O lançamento de #SOSCUBA, dias antes dos protestos, também foi parte da operação. Em poucos dias, essa etiqueta  gerou mais de 120.000 imagens no Instagram. A primeira conta que a usou no Twitter estava localizada na Espanha e publicou quase 1.300 tuítes em 11 de julho. A hashtag também foi impulsionada por centenas de contas que tuitavam exatamente as mesmas frases em espanhol, inclusive com os mesmos pequenos erros de digitação.

            “Cuba atraviesa la mayor crisis humanitaria desde el inicio de la pandemia. Cualquiera que publique el hashtag #SOSCuba nos ayudaría mucho. Todos los que vean esto deberían ayudar con el hashtag".

            "Los cubanos no queremos el fin del embargo si eso significa que el regime y la dictadura se mantienen, queremos que se vayan, no más comunismo".

            Esta última foi tão repetida, que se converteu em um meme por si mesma, com os usuários das redes sociais fazendo paródias, postando o texto junto com imagens de manifestações ao lado da Torre Eiffel, de multidões na Disneylândia ou da posse de Trump. O jornalista espanhol Julián Macías Tovar também classificou de suspeita a quantidade de contas novas usando a hashtag.

            A operação foi tão grosseira, que era inevitável ser descoberta. Muitas das contas, inclusive a do primeiro usuário da hashtag #SOSCuba, foram agora suspensas por comportamento não autêntico. Entretanto o próprio Twitter decidiu colocar os protestos na parte superior de seu "O que está acontecendo" durante mais de 24 horas, o que significa que todos os usuários foram notificados, decisão que amplificou ainda mais o movimento de assédio virtual.

            O Twitter demonstra há muito tempo uma aberta hostilidade com o governo cubano. Em 2019, tomou medidas coordenadas para suspender praticamente todas as contas dos meios estatais cubanos, bem como as pertencentes ao Partido Comunista. Isto foi parte de uma tendência mais ampla, de eliminar ou proibir contas favoráveis aos governos que o Departamento de Estado dos Estados Unidos considere inimigos, incluídos a Venezuela, China e Rússia.

            Em 2010, a USAID criou em segredo uma aplicação cubana de redes sociais chamada Zunzuneo, muitas vezes descrita como o Twitter de Cuba. Em seu auge, tinha 40.000 usuários cubanos, um número muito grande para aquele momento na famosa ilha escassa de Internet. Nenhum de seus usuários sabia que a aplicação havia sido desenhada e comercializada em segredo pelo governo dos EUA. O plano era criar um grande serviço que pouco a pouco começaria a alimentar os cubanos com a propaganda de mudança de regime e os dirigiria a protestos e "turbas inteligentes" destinadas a desencadear uma revolução do estilo colorida.

            No esforço por ocultar sua propriedade do projeto, o governo dos EUA reuniu-se secretamente com o fundador do Twitter, Jack Dorsey, com o objetivo de que investisse no projeto. Não está claro em que medida Dorsey ajudou, se é que ajudou, já que se recusou a falar sobre o assunto. Este não é o único aplicativo antigovernamental que os Estados Unidos financiaram em Cuba. Entretanto, considerando tanto o que aconteceu nesta semana, como os laços cada vez mais estreitos entre Silicon Valley e o Estado de Segurança Nacional, é possível que o governo dos EUA considere desnecessários mais aplicativos de encobrimento: o Twitter já atua como um instrumento para a mudança de regime.

            Mas, apesar da monumental cobertura mediática mundial, o alento e a legitimação dos líderes mundiais, incluído o próprio presidente dos Estados Unidos, a recente ação se apagou em apenas 24 horas. Na maioria dos casos, os contraprotestos diluíram efetivamente os protestos, sem necessidade de mobilizar forças repressivas.

            O governo dos Estados Unidos pode causar miséria econômica ao povo cubano, mas parece que não pode convencê-lo a derrubar seu governo. “Os acontecimentos atuais em Cuba constituem em realidade o USS Maine de 2021”, disse August. E acrescenta, com uma alusão irônica à desastrosa tentativa de invasão da baía dos Porcos: “Se isso foi realmente uma tentativa de revolução colorida, não foi muito exitosa, e chegou a pouco mais que uma baía de tuítes”.

           



26 de jul. de 2021

‘Queremos uma boa relação com os EUA, mas sem ceder em princípios’, diz cônsul de Cuba em São Paulo - Entrevista ao jornal "Estado de São Paulo" em 23/07

Para Pedro Monzón, sanções impostas pelo governo Biden são irrelevantes, mas cultivam imagem negativa da ilha

Fernanda Simas, O Estado de S.Paulo  23 de julho de 2021 | 20h00

 

   A imposição de sanções ao ministro da Defesa de Cuba, Álvaro López Miera, e a uma unidade especial do Ministério Interior para punir o governo pela forma como lidou com as manifestações do dia 11 de julho foi o último capítulo da série que começou com a população saindo às ruas na ilha. A reação de Washington surpreendeu quem pensava que o governo do democrata retomaria a política de Barack Obama e reverteria as medidas restritivas impostas por Donald Trump à ilha.

Para o cônsul geral de Cuba em São Paulo, Pedro Monzón, as sanções são, na prática, irrelevantes, mas “cultivam uma imagem negativa de Cuba”. Em entrevista ao Estadão, Monzón fala das dificuldades enfrentadas na ilha e afirma que há intenção de ter uma boa relação com o governo americano.

 

Como o sr. vê a imposição de novas sanções por parte dos EUA?


  Os EUA estão acostumados a aplicar sanções a outros países, são um país imperialista. Já aplicaram sanções diversas vezes a Cuba. Durante o período de Trump, foram mais de 240. Agora, Biden vai pelo mesmo caminho, disse que enfraqueceria o bloqueio e seguiria a política de Obama, mas está incrementando as sanções. As sanções de ontem (quinta-feira) são muito irrelevantes, foram aplicadas a um ministro que tem uma história na revolução e não tem interesse econômico nos bancos dos EUA, nem interesses empresariais. Não lhe interessa ir aos EUA. O mesmo acontece com a brigada que foi sancionada. Com isso, eles (EUA) continuam cultivando uma imagem negativa de Cuba, mas essas sanções são irrelevantes, no sentido prático são uma estupidez.

                                          

 Imigrantes cubanos em Miami Foto: Maria Alejandra Cardona/REUTERS

O embargo americano é hoje o principal motivo das dificuldades econômicas na ilha?

Não chamamos de embargo, que é uma medida econômica limitada. Temos uma medida que afeta as relações entre os nossos países, mas é extraterritorial, tem incidência sobre qualquer país do mundo. Uma empresa francesa, canadense, ou até malasiana, que são de países muito amigos nossos, tem proibições de negociar com Cuba. Alguns se atrevem a desafiar isso, mas outros não. E a lei de comércio dos EUA se aplica ao mundo inteiro. É muito mais do que um embargo, é um ato de guerra, como foi a invasão da Baía dos Porcos. Em seis décadas do triunfo da revolução (cubana), e do começo do bloqueio, perdemos bilhões de dólares. Entre abril de 2019 e março de 2020, a perda de Cuba superou os US$ 5 bilhões. Nos últimos cinco anos, foram mais de US$ 17 bilhões. Cada vez que vamos importar algo temos que procurar uma empresa que esteja disposta a isso. Muitas vezes pagamos um imposto pelo risco, além disso pagamos um frete muito mais caro porque temos que buscar os produtos muito mais longe.

O bloqueio é terrível, não se pode fazer nada em Cuba. No terreno econômico, no social e no político. Os investimentos são bloqueados e os que têm intenção de investir em Cuba são retaliados. E quando se compara o peso econômico de Cuba ao dos EUA, se opta pelos EUA por razões práticas. Somos perseguidos financeiramente, não temos acesso a nenhum financiamento social.

A chegada de petróleo foi bloqueada durante anos e, principalmente, nos últimos anos. Agora, impedem que os barcos venham da Venezuela carregados de petróleo. Em uma ocasião, pelo menos, tivemos que comprar o barco para poder receber o petróleo porque o armador disse que não podia chegar a Cuba, foi ameaçado. Então compramos o barco.

As remessas de cubanos americanos, que era um ingresso dos cidadãos em primeiro lugar, mas que eles gastam em Cuba, foram limitadas. Trump limitou isso e depois proibiu. Biden diz que está fazendo um estudo para determinar que o governo não fique com parte das remessas. Isso é mentira. Nós nunca aplicamos nenhum tipo de cobrança ou imposto às remessas que entram.

Com o turismo, fazem o possível para acabar com isso. Obama abriu um pouco a situação, mas em geral a visita dos americanos a Cuba sempre foi ameaçada. Os voos regulares foram limitados, os cruzeiros turísticos que levavam quase metade dos turistas brasileiros a Cuba foram suspensos, as embarcações privadas foram proibidas de entrar, os voos particulares também. O turismo é uma das principais fontes de entrada de dinheiro em Cuba, que é um país com praias lindas, com segurança, as pessoas querem visitar.

As missões médicas que durante anos foram gratuitas e depois foram reguladas, sendo que dos países mais pobres não se cobra, ou se cobra muito pouco, e dos que têm mais recursos se cobra, também foram afetadas. Disseram que se tratava de tráfico de pessoas, de escravos, de pessoas sem nível profissional. No Brasil disseram que eram integrantes da inteligência cubana. Assim alguns países suspenderam essa assistência médica cubana, como o Brasil.

A troca de tecnologia entre Cuba e o resto do mundo fica muito restrita com o bloqueio. Muitas tecnologias não podem entrar em Cuba, muitos medicamentos não podem entrar, e às vezes pode ser um medicamento para uma criança com câncer, e olha que temos muitos medicamentos produzidos aqui. Ingredientes ativos para se fazer medicamentos também não podemos comprar.

O bloqueio afeta tudo, não se pode ter um programa de desenvolvimento. O que querem é nos destruir, não é uma medida administrativa.

 

O turismo foi muito afetado pela pandemia também. Como lidar com isso?

O turismo desde antes da pandemia foi reduzido por conta das medidas que te falei. A pandemia praticamente baixou a chegada de estrangeiros a zero. Não porque não temos cuidados, mas porque o mundo todo passa por uma crise econômica e de saúde. As pessoas não se movimentam mais como antes. O turismo deixou de ser uma fonte de ingressos para Cuba, infelizmente.


E como está o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19 em Cuba?

Temos uma biotecnologia potente. Cuba tem coisas inexplicáveis apesar do bloqueio. É inexplicável que Cuba tenha o sistema de educação que tem, a justiça social que tem, que não haja gente vivendo nas ruas, que a delinquência não seja um problema, assim como o envolvimento com drogas. Desenvolvemos uma boa biotecnologia e a vacina (contra a covid) é o último exemplo disso. Temos vacinas contra câncer, hepatite B, que impedem que pessoas tenham que amputar membros por conta da diabetes. Cuba tinha 5 candidatas a vacinas (contra a covid-19) e duas já foram aprovadas, a Soberana 02 e a Abdala, essa com mais 92% de eficácia. Se comparam com as melhores vacinas do mundo, apesar de sermos um país empobrecido pelo bloqueio. As duas vacinas já foram aplicadas a mais de 8 milhões de pessoas, com três doses. Neste ano, teremos toda a população vacinada e temos produção para exportar ao mundo, sempre com o mesmo critério: os mais pobres recebem de graça ou pagam menos. Já enviamos 12 milhões de doses à Venezuela.

 

O acesso mais fácil à internet por parte dos jovens abre espaço à cultura do consumo. Como o governo está lidando com isso?


Ultimamente, ocorreu uma grande manipulação do que aconteceu em Cuba por parte dos EUA. Isso levou a manifestações limitadas, as maiores tinham um pouco mais de cem pessoas. E o presidente foi até os locais falar com as pessoas. Cuba teve um incidente, aí sim, no dia 11 de julho. Desde então, Cuba está tranquila e as massas saíram às ruas defendendo a revolução, incluindo os jovens.

Temos um bombardeio contínuo dos EUA no âmbito cultural, um bombardeio dirigido, sobretudo à juventude e alguns setores da população com a intenção de mudar sua mentalidade. Além disso, há o bombardeio normal dos filmes, do “American way of life” e todas essas coisas que aparecem e nos dão uma imagem adocicada dos EUA. Isso tende a propiciar o consumismo, que, naturalmente, não tem nada a ver com nossos critérios sociais e políticos. Não é que não queiramos que as pessoas tenham o que necessitam. Queremos chegar num momento em que as pessoas se sintam cômodas e tenham tudo o que necessitam, mas sem criar um ambiente onde haja mais de 20 marcas de pasta de dente, 400 marcas de sabonete e as pessoas tenham que trocar de marca a cada seis meses porque a outra ficou obsoleta. Isso não faz parte da sociedade que queremos.

Em Cuba, todo sistema de educação e a informação pública nos meios de comunicação não respondem a critérios privados e não podem ser manipulados pelos EUA. As pessoas recebem muitas informações históricas, do que custou fazer a revolução, do que acontece no mundo. A imprensa está nas mãos da revolução, então não é fácil manipular os jovens. Temos recursos para deter esses processos de alienação. Temos um capital histórico que inclui José Martí, Fidel e outros revolucionários, essa herança influencia a todos, inclusive os jovens. E como eu digo, a grande maioria da população defende a revolução e sai às ruas para defender isso. Depois de 11 de julho, vimos isso e lá estavam os jovens. Agora, ninguém se sente incomodado em Cuba. Não quer dizer que não temos defeitos, que não cometemos erros na área econômica. Acontece, como ocorre em outros países. Mas o grosso do problema vem do bloqueio. E a população agora sofre, os jovens também, com a dificuldade de conseguir alimentos e as dificuldades com as plantas energéticas. Mas em Cuba não há fome, temos um sistema de moradia que continua crescendo, mesmo que com muitas limitações por conta da falta de recursos e financiamentos.

Isso afeta a todos e ninguém se sente feliz. As manifestações que ocorreram foram originadas por grupos manipulados, financiados, desde os EUA, e temos muitas evidências disso, mobilizaram alguns ingênuos revolucionários que pensaram que essa era uma via para buscar uma saída ao sofrimento que o bloqueio gera. Essas pessoas já perceberam que esse não é o caminho, que apenas prejudica a revolução e a nossa soberania. Os EUA queriam que houvesse uma explosão social em Cuba, mas não há. Sabemos que isso levaria a uma intervenção estrangeira. Em Cuba, qualquer passo que damos tem que ser firme, se não for assim sempre haverá a vontade de intervir. Mesmo quem é contra revolucionário ou não concorda com o sistema social daqui saiu para defender Cuba porque é patriota.

 

Como o governo dialoga com quem é contra revolucionário ou não concorda com o sistema social cubano?


Há uma parte deles que funciona por dinheiro. São pagos de acordo com tarifas. Recebem determinado valor para jogar pedras contra policiais, outro valor para apedrejar um mercado, por exemplo. Há uma moça de Las Tunas, uma província de Cuba, que recebeu uma mensagem dos EUA dizendo que se ela criasse hematomas em si mesma receberia US$ 100, se fizesse hematomas em uma criança, receberia US$ 200. Essas pessoas não têm jeito, são contra a pátria, são mercenários, não têm programa e nem critério político. Quando você fala com youtubers que promovem isso, percebe que o nível cultural é baixíssimo, são muito agressivos e estão cheios de ódio. Mas eles são minoria.

Agora, para quem não concorda com o sistema e está confuso com o que está acontecendo, o próprio presidente se dirigiu a eles em dois pronunciamentos na televisão após o 11 de julho, explicou o contexto, disse que era preciso ver os problemas da comunidade e buscar soluções possíveis dentro do bloqueio que se vive. Desde então, o governo tem tomado medidas para aliviar os problemas, tirando os impostos de alimentos e remédios que chegam a Cuba. Como se sabe, a capacidade de diálogo em Cuba é muito alta. Muita coisa se discute em referendos aqui, como foi com a mudança da Constituição em 2019. Mais de 86% das pessoas aprovaram a mudança. E a Constituição fala que somos um país socialista, fala da importância do Partido Comunista dentro do país. A maior parte das pessoas aprova isso, o que não quer dizer que não precisamos melhorar, que aprovamos o nível de burocracia que tanto causa danos. Há uma oposição dentro da revolução e vejo isso nas reuniões e há pressão para que o sistema melhore. Agora mesmo, há medidas de descentralização e isso é importante porque leva a menos burocracia.

 

O governo cubano pensa em buscar ajuda da igreja como fez na era Obama para aliviar as novas imposições do governo Trump?


Na época de Obama, as circunstâncias eram diferentes. Foi no segundo mandato de Obama, no primeiro não aconteceu nada. Ele tomou as medidas no segundo, quando já não havia ameaças de não votarem por ele, afinal (os políticos) sempre pensam em Miami como uma comunidade importante para as eleições americanas. Então, o papa interveio, e não apenas ele, e houve condição de ajudar. Depois, na era Trump, vimos uma política muito dura e Biden está seguindo isso. Não sei se há conversas ocorrendo neste momento, não é de meu conhecimento, tomara que haja. Mas minha opinião é que os EUA se propuseram a acabar com a revolução cubana, aproveitar a pandemia como uma arma e destruir a revolução. Falam em mais sanções aos cubanos, um povo empobrecido por culpa deles. Somos uma ameaça aos EUA? Queremos bem aos estadunidenses , isso já foi dito até por Fidel. Não queremos uma relação ruim com os EUA, não somos estúpidos. Claro, queremos uma boa relação com os EUA, mas sem ceder em nossos princípios. Mesmo sendo uma ilha pequena, temos que discutir com os EUA em condições de igualdade, como fazemos com a União Europeia.

Queremos viver em paz, sem bloqueio. Aqui não há pessoas vivendo nas ruas, as crianças vão para a escola. Não temos torturados, assassinados. As repressões brutais que vemos nos EUA, Europa e América Latina por tropas não vemos em Cuba, vemos pelo noticiário e vemos como usam tropas anti motim, balas de borracha, gás lacrimogêneo. Em Cuba não existe isso. Então por que nos castigam? Porque somos uma ruptura com o sistema de hegemonia dos EUA na América Latina e mostramos que é possível fazer diferente, que não é preciso se subordinar aos EUA.

Entre os manifestantes do dia 11, estavam vândalos que atacaram a polícia, lojas e até uma ala pediátrica. Esses foram detidos e serão julgados, outros foram soltos mediante pagamento de multas, mais altas do que os dólares que receberam. Mas não há desaparecidos ou mortos como dizem falsamente na grande imprensa ocidental. Mas em breve haverá os julgamentos e saberemos de muitas coisas.

 

O que o sr. tem a dizer sobre as acusações de repressão feitas por movimentos culturais na ilha?


Os incidentes com relação à cultura fazem parte de toda essa política. Ocorreram há algum tempo e desapareceram. Mobilizaram também alguns ingênuos, mas esse movimento ficou isolado. Em Cuba, há uma cultura livre, filmes cubanos são extremamente críticos e são livres. Somos democráticos e queremos ser mais democráticos, claro. Nossa democracia é participativa, não é formal. Queremos ser e temos que ser mais democráticos.

Culturalmente, somos um país muito rico, com milhares de possibilidades. Há milhares de orquestras, que viajam e ganham dinheiro. O sistema de formação musical, com a universidade, é gratuito, o ensino artístico é democratizado por meio de uma rede de escolas por todo país. Alguns artistas que dão declarações agora nunca falaram do bloqueio, por exemplo. Agora falam da repressão, falam que há milhares de presos e desaparecidos, mas há muitas mentiras. Ver de fora é muito difícil. É preciso ir atrás do que está acontecendo. Um estrangeiro ouvindo isso com certeza se assusta. Por meio da cultura criaram um movimento e, alguns artistas, alguns, se submeteram a isso. Mas a grande maioria dos artistas está dando declarações contra isso e contra o bloqueio.

Na pintura, por exemplo, muitos foram críticos e são livres para isso, vivem em Cuba livremente. Não são simpáticos ao governo, mas continuam pintando e participando de exposições.

 

O que foram os cortes de internet após as manifestações de 11 de julho?


Fomos lentos para começar o desenvolvimento da internet em Cuba, mas neste momento o uso da internet e do celular é um dos mais altos do mundo. Ao longo dos anos, a dificuldade de acesso tem relação com o bloqueio. Estamos proibidos de usar os cabos dos EUA que passam perto de Cuba. Agora, Biden fala em facilitar a internet na ilha, é mentira. Eles sempre dificultaram isso. Além disso, ter internet implica em gastos, até com equipes, mas Cuba estava interessada nessa abertura. Fidel insistia em usar a internet pelo nível de informação que ela possibilita. Ele falava, inclusive, de uma espécie de democratização da informação. Apesar das besteiras que existem na internet, no sentido da tecnologia e da ciência é muito interessante. Por outro lado, por haver a internet e as redes sociais é que essas influências entraram em Cuba. E isso afeta a todos, em todo o mundo há razões para se preocupar com a internet, é uma discussão no mundo todo.

Agora, durante esses dias pós 11 de julho, a internet caiu. O ministro de Relações Exteriores e o ministro de Energia explicaram que tinha relação com a eletricidade, com o servidor. Há dias, a internet foi restabelecida e, além disso, foi concedido 1 gigabyte a todos os cubanos como uma forma de compensação, para aliviar o dano que tiveram anteriormente. Mas não houve corte de internet, ela caiu, como caiu a eletricidade aqui.

 

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,queremos-uma-boa-relacao-com-os-eua-mas-sem-ceder-em-principios-diz-consul-de-cuba-em-sao-paulo,70003788039