INTERVENÇÃO NO DEBATE GERAL DO 75º PERÍODO ORDINÁRIO DE SESSÕES DA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS
Senhor Secretário-Geral:
Senhor Presidente:
Uma epidemia global mudou drasticamente a vida quotidiana. De um dia para o outro, milhões se contaminam, e morrem milhares de pessoas cuja esperança de vida, graças ao desenvolvimento, era mais longa. Sistemas hospitalares de alto nível de atendimento colapsaram, e as estruturas de saúde de países pobres sofrem com a sua incapacidade crónica. Drásticas quarentenas convertem as cidades mais populosas em desertos. A vida social não existe fora das redes digitais. Teatros, discotecas, galerias e, inclusive, escolas são fechadas ou redimensionadas.
As nossas fronteiras fecharam, as nossas economias se contraem, as nossas reservas se esgotam. A vida sofre o radical redesenho de costumes ancestrais, e a insegurança substitui a certeza. Até os melhores amigos não se reconhecem, atrás das máscaras que nos salvam do contágio. Tudo muda.
Tanto quanto a solução para a pandemia, já urge a democratização desta indispensável Organização, para que responda de maneira efectiva às necessidades e aspirações de todos os povos.
O ansiado direito da humanidade a viver em paz e segurança, com justiça e liberdade, base da união das nações, é constantemente ameaçado.
Mais de 1,9 biliões de dólares são malbaratados hoje, em uma insensata corrida armamentista, sustentada na política agressiva e belicista do imperialismo, cujo máximo expoente é o actual governo dos Estados Unidos, responsável por 38% do gasto militar global.
Falamos de um regime notavelmente agressivo e moralmente corrupto, que despreza e ataca o multilateralismo, emprega a chantagem financeira na sua relação com as agências do sistema das Nações Unidas e, com uma prepotência nunca antes vista, retira-se da Organização Mundial da Saúde, da Unesco e do Conselho de Direitos Humanos.
Paradoxalmente, o país que aloja a sede da ONU também se afasta de tratados internacionais fundamentais, como o Acordo de Paris sobre mudança climática; repudia o consensual acordo nuclear com o Irão; impulsiona guerras comerciais; põe fim ao seu compromisso com instrumentos internacionais de controle, na esfera do desarmamento; militariza o ciberespaço; multiplica a coerção e as sanções unilaterais contra os que não se submetem aos seus desígnios; e patrocina a derrubada pela força de governos soberanos, com métodos de guerra não convencional.
Nessa linha de comportamento, divorciada dos antigos princípios da coexistência pacífica e do respeito ao direito alheio à autodeterminação como garante da paz, o governo presidido por Donald Trump, além disso, manipula com fins subversivos a cooperação no âmbito da democracia e dos direitos humanos, enquanto no seu próprio território proliferam, praticamente sem controle, as expressões de ódio, racismo, brutalidade policial e as irregularidades do sistema eleitoral e do direito dos cidadãos ao voto.
Urge reformar as Nações Unidas. Esta poderosa organização, que emergiu do milionário custo em vidas de duas guerras mundiais e como resultado da compreensão universal da importância do diálogo, da negociação, da cooperação e da legalidade internacional, não pode atrasar mais a sua actualização e democratização.
Algo muito essencial e profundo falhou, quando se assiste, de modo quotidiano e permanente, à violação dos princípios da Carta da ONU, e quando é cada vez mais frequente o uso da força ou a sua ameaça, nas relações internacionais.
Não é possível sustentar por mais tempo, como algo natural e imutável, uma ordem internacional desigual, injusta e antidemocrática, que antepõe o egoísmo à solidariedade, e os interesses mesquinhos de uma minoria poderosa às legítimas aspirações de milhões de pessoas.
Apesar das insatisfações e demandas de transformação que, junto com outros Estados e com milhões de cidadãos do mundo, pedimos às Nações Unidas, a Revolução cubana defenderá sempre a existência do organismo a que devemos o pouco, mas imprescindível, multilateralismo que sobrevive à prepotência imperial.
Mais de uma vez, ante este mesmo foro, Cuba reiterou a sua vontade de cooperar com a democratização da ONU e com a defesa da cooperação internacional, que somente ela pode salvar. Como disse o Primeiro Secretário do Partido Comunista de Cuba, General de Exército Raúl Castro Ruz, e cito: “Poderá contar sempre, a comunidade internacional, com a sincera voz de Cuba, ante a injustiça, a desigualdade, o subdesenvolvimento, a discriminação e a manipulação; e pelo estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e equitativa, em cujo centro realmente se coloque o ser humano, a sua dignidade e bem-estar”. Fim da citação.
Senhor Presidente:
Retomando a gravidade do momento actual, que muitos atribuem unicamente à pandemia da Covid-19, considero fundamental advertir que o seu impacto ultrapassa, e muito, o âmbito sanitário.
Pelas suas sequelas nefastas, a impressionante quantidade de mortes, o prejuízo à economia mundial e a deterioração dos níveis de desenvolvimento social, a expansão da epidemia, nos últimos meses, angustia e desespera a líderes e cidadãos de praticamente todas as nações.
Mas a crise multidimensional que ela provocou demonstra claramente o imenso erro das políticas desumanizadas impostas a todo custo pela ditadura do mercado.
Hoje somos dolorosas testemunhas do desastre a que o mundo foi conduzido, pelo sistema irracional e insustentável de produção e consumo do capitalismo, por décadas de uma injusta ordem internacional e de aplicação de um cru e desenfreado neoliberalismo, que agravou as desigualdades e sacrificou o direito dos povos ao desenvolvimento.
Ao contrário do excludente neoliberalismo, que separa e descarta milhões de seres humanos, condenando-os a sobreviver com as sobras do banquete do um por cento mais rico, o vírus da Covid-19 não discrimina entre uns e outros, mas os seus devastadores impactos económicos e sociais serão letais entre os mais vulneráveis, os de menos ganhos, tanto no mundo subdesenvolvido, como nos bolsões de pobreza das grandes urbes industrializadas.
Segundo projecções da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), aos 690 milhões de pessoas que passavam fome em 2019, poderão somar-se 130 milhões, em consequência da recessão económica causada pela pandemia. Estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirmam que se perderam mais de 305 milhões de empregos, e que mais de um mil e seiscentos milhões de trabalhadores veem ameaçados os seus meios de subsistência.
Não podemos enfrentar a Covid-19, a fome, o desemprego e a crescente desigualdade económica e social, entre indivíduos e entre países, como fenómenos independentes. Urge implementar políticas integrais, que tenham como prioridade o ser humano, e não os ganhos económicos ou as vantagens políticas.
Seria criminoso deixar para amanhã decisões de ontem e hoje. É um imperativo impulsionar a solidariedade e a cooperação internacional, para amortecer o golpe.
Somente as Nações Unidas, com a sua associação universal, tem a autoridade e o alcance necessários para retomar a justa luta por eliminar a impagável dívida externa, que, agravada pelos efeitos socioeconómicos da pandemia, atenta contra a sobrevivência dos povos do Sul.
Senhor Presidente:
O aparecimento do Sars-CoV-2 e dos primeiros indícios de que ameaçava provocar uma pandemia não pegaram Cuba desprevenida.
Com a experiência de décadas de enfrentamento a epidemias terríveis, algumas delas introduzidas deliberadamente, como parte da permanente guerra contra o nosso projecto político, pôs-se imediatamente em prática um grupo de medidas, sustentadas em nossas capacidades e virtudes fundamentais: um Estado socialista organizado, responsável por velar pela saúde dos seus cidadãos, com capital humano altamente qualificado, e uma sociedade com elevado grau de participação popular, na adopção de decisões e na solução dos seus problemas.
A aplicação dessas medidas, junto com o conhecimento acumulado em mais de 60 anos de enormes esforços para criar e fortalecer um sistema de saúde de qualidade e de alcance universal, assim como a pesquisa e o desenvolvimento científicos permitiram não apenas preservar o direito à saúde de todos os cidadãos, sem excepção, como enfrentar a pandemia em melhores condições.
E o fizemos, apesar das duras restrições do prolongado bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelo governo dos Estados Unidos, brutalmente intensificado nos dois últimos anos, inclusive em tempos de pandemia, como prova de que esse é o componente essencial da sua política de hostilidade em relação a Cuba.
A agressividade do bloqueio atingiu um nível qualitativamente novo, que reforça a sua condição de impedimento real e determinante para o manejo da economia e o desenvolvimento do nosso país. O governo estadunidense intensificou especialmente a perseguição às transacções financeiras de Cuba e, desde 2019, adopta medidas violadoras do Direito Internacional, para privar o povo cubano da possibilidade de adquirir o combustível que necessita nas suas actividades quotidianas e para o seu desenvolvimento.
Com o fim de prejudicar e demonizar a Revolução cubana e a outros que qualifica como adversários, os Estados Unidos publicam listas espúrias, carentes de legitimidade, com as quais se arroga o direito de impor ao mundo medidas coercitivas unilaterais e qualificações infundadas.
Não passa uma semana, sem que esse governo emita declarações contra Cuba, ou imponha novas restrições. Portanto é paradoxal que tenha se recusado a qualificar como terrorista o ataque perpetrado contra a Embaixada de Cuba em Washington, no dia 30 de Abril de 2020, quando um indivíduo armado com um fuzil de assalto disparou mais de 30 cartuchos contra a sede diplomática e depois confessou a sua intenção de matar.
Denunciamos a dupla moral do governo estadunidense, na luta contra o terrorismo, e exigimos que seja publicamente condenado, esse brutal ataque.
Reclamamos que cessem a hostilidade e a campanha difamatória contra o trabalho altruísta da cooperação médica internacional de Cuba, que, com alto prestígio e resultados verificáveis, contribuiu para salvar centenas de vidas e reduzir o impacto da doença em diversas regiões. Personalidades internacionais e organizações sociais de notável prestígio reconheceram a tarefa humanista realizada pela Brigada Internacional Médica Especializada em Situações de Desastre e Graves Epidemias “Henry Reeve”, advogando que lhe seja concedido o Prémio Nobel da Paz.
Enquanto o governo dos Estados Unidos ignora o chamado a somar esforços no combate à pandemia e se retira da OMS; Cuba, em resposta a solicitações recebidas, e guiada pela profunda vocação solidária e humanista do seu povo, reforça a sua cooperação, enviando mais de 3.700 colaboradores, organizados em 46 brigadas médicas, a 39 países e territórios afectados pela Covid-19.
Nesse sentido, condenamos a chantagem criminosa com que os Estados Unidos pressionaram a Organização Pan-americana da Saúde, com o propósito de utilizar esse organismo regional como instrumento da sua obsessiva agressão contra o nosso país. A força da verdade sempre jogará por terra as mentiras, e a história colocará os factos e os protagonistas no seu lugar. O exemplo de Cuba prevalecerá.
Nossos consagrados trabalhadores da Saúde, orgulho de uma nação formada no ideário martiano de que Pátria é Humanidade, receberão ou não o Prémio que merece a sua nobreza, mas faz anos que ganharam o reconhecimento dos povos abençoados pelo seu trabalho em saúde.
O governo dos Estados Unidos não oculta a sua intenção de aplicar novas e mais duras medidas agressivas contra Cuba, nos próximos meses. Declaramos uma vez mais, ante a comunidade internacional, que o nosso povo, orgulhoso da sua história e comprometido com os ideais e a obra da Revolução, saberá resistir e vencer.
Senhor Presidente:
As pretensões de impor a dominação neocolonial à Nossa América, declarando publicamente a vigência da Doutrina Monroe, contrariam a Proclamação da América Latina e das Caraíbas como Zona de Paz.
Queremos ratificar publicamente, neste cenário virtual, que a República Bolivariana da Venezuela contará sempre com a solidariedade de Cuba, frente às tentativas de desestabilizar e subverter a ordem constitucional e a união cívico-militar, e de destruir a obra iniciada pelo Comandante Hugo Chávez Frías e continuada pelo presidente Nicolás Maduro Moros a favor do povo venezuelano.
Repudiamos também as acções dos Estados Unidos dirigidas a desestabilizar a República da Nicarágua, e corroboramos a invariável solidariedade com o seu povo e governo, liderados pelo Comandante Daniel Ortega.
Solidarizamo-nos com as nações das Caraíbas que exigem justas reparações pelos horrores da escravidão e do tráfico de escravos, em um mundo em que crescem a discriminação racial e a repressão às comunidades afrodescendentes.
Reafirmamos o nosso compromisso histórico com a livre determinação e a independência do povo irmão de Porto Rico.
Apoiamos a legítima reivindicação da Argentina, de soberania sobre as ilhas Malvinas, Sandwich do Sul e Geórgia do Sul.
Reiteramos o compromisso com a paz na Colômbia e a convicção de que o diálogo entre as partes é a via para alcançar uma paz estável e duradoura nesse país.
Apoiamos a busca de uma solução pacífica e negociada para a situação imposta à Síria, sem ingerência externa e com pleno respeito à sua soberania e integridade territorial.
Demandamos uma solução justa para o conflito do Oriente Médio, que passa pelo exercício real do direito inalienável do povo palestino a construir o seu próprio Estado, dentro das fronteiras anteriores a 1967 e com a sua capital em Jerusalém oriental. Repudiamos as tentativas de Israel de anexar novos territórios da Cisjordânia.
Expressamos a nossa solidariedade com a República Islâmica do Irão, ante a escalada agressiva dos Estados Unidos.
Reafirmamos nossa permanente solidariedade com o povo saaraui.
Condenamos energicamente as sanções unilaterais e injustas contra a República Popular Democrática da Coreia.
Ratificamos o nosso repúdio à intenção de estender a presença da OTAN até as fronteiras da Rússia e à imposição de sanções unilaterais e injustas contra essa nação.
Repudiamos a intromissão estrangeira nos assuntos internos da República da Bielorrússia e reiteramos a nossa solidariedade ao legítimo presidente desse país, Aleksandr Lukashenko, e ao povo irmão bielorrusso.
Condenamos a ingerência nos assuntos internos da República Popular da China e nos opomos a qualquer tentativa de ferir a sua integridade territorial e soberania.
Senhor Presidente:
As preocupantes circunstâncias actuais fizeram que, pela primeira vez, nos 75 anos de história da Organização das Nações Unidas, sejamos obrigados a nos reunir de modo não presencial.
A comunidade científica de Cuba, outro orgulho da nação que, desde o triunfo da Revolução dos justos, anunciou ao mundo o seu propósito de converter-se em um país de homens e mulheres de Ciência, trabalha sem descanso em uma das primeiras vacinas em fase de ensaio clínico no mundo.
Os seus criadores e outros pesquisadores e estudiosos, articulados com o sistema de Saúde, desenvolvem protocolos de atendimento às pessoas contagiadas, às recuperadas e à população de risco, que nos permitiram manter as estatísticas da epidemia em torno de 80% de pessoas contaminadas salvas, e um índice de letalidade inferior à média continental e mundial.
“Médicos, e não bombas”, anunciou um dia o líder histórico da Revolução Cubana e principal promotor do desenvolvimento das Ciências em Cuba, Comandante em Chefe Fidel Castro Ruz. Essa é a nossa divisa. Salvar vidas e compartilhar o que somos e temos, ao preço de qualquer sacrifício, é o que oferecemos ao mundo desde as Nações Unidas, à qual só pedimos uma mudança, em sintonia com a gravidade do momento.
Somos Cuba.
Lutemos juntos pela promoção da paz, da solidariedade e do desenvolvimento.
Muito obrigado