Centro
Cultural de la Cooperación, Buenos Aires, 26 de junio de 2025.
Queridos
amigos:
Ser
a cereja do bolo [1]... felizmente, tivemos um bom churrasco antes e isso nos
dá energia para cumprir a tarefa que me foi confiada hoje: encerrar esta mesa e
abrir um espaço para refletir sobre os desafios que temos pela frente. E
fazê-lo, além disso, a partir de uma experiência nacional que não começa em
1959, com a vitória da Revolução.
Quando,
em 1916, Lenin escreveu “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, esse
mesmo sistema já instalado nos Estados Unidos da América havia travado sua
primeira guerra de espoliação contra as potências coloniais da época, e Cuba
havia conhecido suas consequências.
Um
pouco antes, desde 1884, um cubano, José Martí, havia descrito com detalhes
perspicazes a inter-relação entre os monopólios e a oligarquia financeira e
seus esforços para encontrar fora de suas fronteiras novos mercados, áreas de
influência e mão de obra barata, no quadro das novas relações internacionais.
Não
se tratava da análise econômica de Marx, nem da brilhante interpretação de
Lenin, mas Martí, à frente de seu tempo, foi capaz de perceber o extraordinário
perigo que representava a nova potência emergente e de prever, além disso, o
destino que caberia à sua pátria, última colônia da Espanha, e à Nossa América,
caso se erigissem em obstáculos à voraz expansão.
A
concretização do velho sonho de Jefferson e Adams de converter a ilha na mais
suculenta adição que se poderia fazer à União Americana[2], como parte de sua
Doutrina Monroe; a independência frustrada de Cuba em 1898, pela intervenção
militar norte-americana; a imposição de um acordo de paz que deixou os cubanos
à margem, a nomeação de um administrador neocolonial, a redação de uma
Constituição em Washington, emendada pouco depois com uma cláusula[3] que
garantia a ingerência e a ocupação – aí está a base de Guantánamo –, e a
designação de um presidente, tudo como condição para ser república, foram fatos
que marcam nossa história nacional e testemunham o nascimento do imperialismo.
Cuba
foi, na primeira metade do século XX, o grande laboratório imperial: da
exploração econômica – basicamente do açúcar – e do controle do comércio
regional, do qual Havana continuou sendo o epicentro, passou-se à
experimentação de processos de socialização do capital financeiro, de fórmulas
produtivas e de técnicas comerciais que depois se expandiriam pelo mundo. Além
disso, utilizaram Cuba como campo de treinamento de suas forças militares e
repressivas e lançaram, a partir da ilha, mais de uma agressão contra outros
países da região.
Essa
acumulação de fatos acelerou o amadurecimento do pensamento político e social
cubano, as lutas populares, acelerou a entrada das ideias mais avançadas da
época e alimentou a rebeldia nacional que mais tarde se expressaria contra
outras três ocupações militares ianques, contra governos ditatoriais
pró-imperialistas e na onda revolucionária iniciada por Fidel Castro, que, sem
ter sequer alcançado a vitória, previu que aquela guerra de libertação seria
superada por outra mais longa e sangrenta, entre o imperialismo norte-americano
e a revolução cubana.
Essa
guerra dura há 66 anos. Teve momentos de tiros de canhão, em que experimentaram
com soldados próprios, mercenários, napalm ou fósforo. E teve momentos de
terror que causaram 3.478 mortos, 2.099 feridos, centenas de desaparecidos no
estreito da Flórida, milhares de crianças arrancadas de suas famílias, centenas
de atentados contra líderes políticos, embaixadas e diplomatas; mais de um
milhão de animais sacrificados pela febre suína, centenas de milhares de
hectares de plantações destruídas pela sigatoka* negra, o mosaico, o mofo azul
e o thrips palmi *; milhares de seres humanos infectados pela dengue hemorrágica
[4].
A
joia da guerra imperialista contra Cuba tem sido o prolongado bloqueio
econômico, comercial e financeiro, concebido para privar o governo cubano de
recursos materiais e financeiros e causar fome, sofrimento e desespero ao povo,
para que se levante e derrube seu próprio governo. Um bloqueio que se empenham
permanentemente em invisibilizar, embora seja extraterritorial e afunde seus
tentáculos em todo o mundo. Um bloqueio que constitui o mais amplo, profundo e
complexo sistema de medidas coercitivas unilaterais aplicadas em tempo de paz
contra qualquer país por tanto tempo e que, ao condená-lo todos os anos, a ONU
tipifica como “genocídio” no artigo II, inciso c, da Convenção que previne e
pune esse crime.
Eu
já havia dito antes que Cuba tem sido um campo de testes do imperialismo. Sua
agressividade contra nossa pátria sempre foi acompanhada pelo que hoje chamamos
de fake news, guerra cultural ou cognitiva, subversão ideológica, lawfare e
outras formas de exercício do poder “suave”. De fato, a guerra
hispano-americana iniciada em 1898 foi lançada com uma operação que combinou a
subversão do regime espanhol, com uma sabotagem terrorista contra um cruzeiro
norte-americano no porto de Havana e a difusão de notícias falsas – é famosa a
mensagem de William Hearst ao correspondente que cobria a guerra de
independência: “Você põe as imagens, que eu ponho a guerra” [5].
Assim
tem sido até hoje, primeiro para construir o império caricatural de Havana,
governado por transnacionais e grupos mafiosos; depois para derrubar o único
poder genuinamente livre, independente, democrático e popular, socialista! que
se conseguiu constituir na ilha.
Ultimamente,
foi notícia que, como resultado do corte de financiamento da USAID e da
comunicação governamental nos Estados Unidos, diferentes programas de subversão
e radiodifusão para Cuba sofreram cortes – não eliminação. O fato real é que,
nos últimos anos, mais de duzentos milhões de dólares foram destinados a esses
programas de mudança de regime, e que chegaram a ser transmitidas até 3 mil
horas semanais de programas que os apoiavam, mas isso ocorreu ao longo de cada
um dos últimos 66 anos.
Além
disso, vivemos em um mundo onde os Estados Unidos, as oligarquias nacionais e
transnacionais e seus meios de comunicação conseguiram homogeneizar a cultura
de massa, o discurso e o pensamento de seus centros de poder com uma
uniformidade e disciplina impressionantes.
Talvez
por isso tenha passado despercebido que, apenas durante os primeiros cinco
meses do atual governo imperialista, Cuba foi reincorporada à Lista de Estados
Patrocinadores do Terrorismo, o que agrava os efeitos do bloqueio, sobretudo no
âmbito financeiro, aumenta o risco-país e desincentiva o turismo.
Foi
reativado o Memorando Presidencial nº 5 de 2017, que afirma abertamente os
objetivos de mudança de regime em Cuba, de restringir o turismo, apoiar a
subversão e aplicar o bloqueio através da Lei Helms-Burton.
Empresas
e instituições foram reincorporadas à lista de entidades cubanas restritas, com
as quais é proibido realizar qualquer transação, e que tem alcance
extraterritorial.
A
empresa de remessas Orbit S.A. foi incluída na lista de entidades cubanas
restritas, o que forçou a Western Union a suspender suas atividades em Cuba,
afetando as famílias cubanas.
Reativaram
o Título III da Lei Helms-Burton, que permite processar nos tribunais dos
Estados Unidos aqueles que investirem em propriedades nacionalizadas em Cuba
após a vitória da Revolução, incluindo aquelas que pertenciam a cidadãos
cubanos posteriormente naturalizados americanos.
Encerraram
o programa de parole humanitário para cubanos e a aplicação do CBP One, para
solicitar a entrada por oito portos de entrada nos EUA.
Suspenderam
a concessão de vistos a cubanos para intercâmbios culturais, esportivos,
acadêmicos, científicos e de qualquer outra natureza.
Restringiram
os vistos de entrada nos Estados Unidos para cidadãos cubanos e estrangeiros, e
seus familiares, vinculados a programas de cooperação internacional de Cuba, em
particular os de saúde, mas também em outras áreas.
Incluíram
Cuba na Lista de Países que não aplicam medidas antiterroristas eficazes em
seus portos, autorizando a Guarda Costeira a impor requisitos adicionais às
embarcações provenientes do território cubano, devido à designação do país como
Estado patrocinador do terrorismo.
Proibiram
instituições localizadas em Cuba de acessar o repositório de dados dos
Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.
Suspendem
as conversações migratórias entre os dois países.
Negam
pagamentos e exigem a abertura de contas no exterior a proprietários privados
cubanos na plataforma de alojamento Airbnb.
Impõem
à Embaixada de Cuba em Washington um regime de notificações prévias a qualquer
intercâmbio com autoridades ou visitas a governos locais, estaduais, centros
educacionais e de pesquisa, incluindo instalações agrícolas e laboratórios
nacionais.
Proibiram
a entrada no país de funcionários judiciais, autoridades esportivas e atletas.
Suspenderam
a entrada nos Estados Unidos de imigrantes e não imigrantes cubanos em
diferentes categorias de vistos que apoiam negócios, turismo, intercâmbios
estudantis e acadêmicos.
Além
disso, limitaram o acesso a tecnologias americanas de inteligência artificial a
um grupo de governos que consideram “adversários estrangeiros”, entre os quais
incluíram Cuba.
Figuras
de origem cubana no atual governo afirmaram com repugnante franqueza e
crueldade que cada medida foi projetada com precisão milimétrica para causar o
maior dano possível às famílias cubanas, e que o sofrimento será necessário [6].
Por
isso, quando os cubanos falamos de imperialismo, não o fazemos a partir de uma
cultura de manual, por termos estudado Lenin e todos aqueles que depois
teorizaram sobre este sistema brutal, mas a partir da experiência mais crua,
por termos sofrido as consequências das suas políticas durante gerações,
especialmente aqueles que nascemos e crescemos depois de 1959.
Todo
julgamento da realidade cubana que se regozija com nossas carências, defeitos e
erros, e desconhece como o imperialismo atua sobre Cuba e os efeitos dramáticos
que causa, como limita nosso desenvolvimento, carece de objetividade. Não se
pode falar apenas de números, que seriam razão suficiente: 164 bilhões de
dólares, ou 1,5 trilhões a preços do ouro![7] É preciso mencionar os danos
humanos, os mortos, aqueles que não deveriam ter morrido, os feridos, os
sofrimentos e a fratura das famílias, o adiamento de sonhos, a impotência de
desenvolver as próprias forças e inteligência, a impossibilidade de exercer
nossa cultura e nossas ideias. Por isso, o principal campo de batalha do
imperialismo é nesse âmbito intangível: fazer com que suas vítimas assumam a
lógica do carrasco.
A
resistência cubana só pode ser compreendida se se entender que parte dela é
defender a descolonização do pensamento, essa herança nefasta a que se referiu
Frantz Fanon, que paralisa a libertação dos povos. Se percebermos que foram a
cultura e as ideias mais avançadas que cimentaram valores e forjaram um caráter
e comportamentos realmente livres. Se compreendermos que as verdadeiras
transformações sociais só podem ser feitas a partir do povo, com o povo e para
o povo, onde o povo é protagonista participante e líder coletivo.
Os
mitos da repressão, dos presos, da censura, que podem ser possíveis como atos
de autodefesa de um poder legítimo, não explicam como a imensa maioria de um
povo resistiu tantos anos de guerra, tantas perdas e tanta dor, e nesse
turbilhão de violência, não deixou de ser bom e justo. José Martí nos havia
advertido em 1992: a principal guerra que nos é travada é uma guerra de
pensamento, e é no pensamento que ela deve ser vencida. Cumprimos até hoje, mas
não é suficiente.
Cada
ato do imperialismo contra Cuba reafirma uma verdade incontestável: em sua
pobreza material e em sua riqueza de espírito, o modelo de sociedade escolhido
e construído pelos cubanos é viável, é o mais próximo da liberdade e da
democracia com que muitos sonham, é a forma mais justa e solidária de
distribuir e compartilhar riquezas em um país pequeno, de recursos escassos, em
um mundo governado por forças egoístas e poderosas. E, ao contrário, reflete,
como num espelho, tudo o que falta àqueles que tentam impor seu modelo aos
outros.
Em
resumo: não basta ver a expansão imperial e seus brutais golpes como ameaças
desta fase brutal do capitalismo. É preciso assumi-la, sabendo que isso
significa ter que viver sem preço. É preciso enfrentá-la em unidade, com
firmeza, com clareza de objetivos, com identidade cultural e consciência
próprias, com justiça e equidade.
A
luta cubana contra o imperialismo também deixou outras lições: o confronto não
se circunscreve ao âmbito nacional. Somos parte de um mundo que sofre tanto
quanto nós. Basta olhar para Gaza, basta olhar para a loucura de bombardear
instalações nucleares no Irã, basta olhar para a guerra na Europa e o
ressurgimento do fascismo, basta saber que o antigo império hegemônico já não o
é e não aceita alternativas ao seu poder opressor, mesmo que sejam
multipolares.
Devo
acrescentar que ser internacionalista e solidário tem sido o melhor antídoto
anti-imperialista. Combater o imperialismo, onde quer que esteja, é um legado
que permanecerá vivo enquanto ele existir. Defender a condição humana em todas
as circunstâncias nos protegeu do ódio e de suas diferentes formas de exclusão
humana. Marchar unidos em nossa diversidade como povo nos preparou melhor para
compreender a diversidade do mundo em que vivemos e também para defender sua
unidade sobre bases semelhantes. Insistir em utopias quando outros as
desmantelam nos permitiu ter planos, programas e projetos permanentes,
adaptados ao seu tempo. Ser rebeldes, insatisfeitos, autocríticos e enfrentar
nossos próprios demônios nos salva da fragilidade, do tédio e da decepção, tão
comuns na política de nosso tempo. Treinar-nos para construir e defender o que
conquistamos garantiu nossa permanência, temperança, criatividade e
resiliência, e permitiu que, mesmo na teia de mentiras que nos obscurece mais
do que os apagões e nos isola, nossa verdade irrompa como uma luz ardente.
E uma última lição: mesmo que surja um período de paz e entendimento, nem um passo atrás. Não confiem neles, porque, como alertou o Che, “no imperialismo não se pode confiar, nem um pouquinho, nada!”
[1] La coordinadora de la Mesa Redonda Paula Klachko, presidenta del capítulo argentino de la Red de Artistas e Intelectuales en Defensa de la Humanidad, había presentado al Embajador como la frutilla del postre del intercambio
[2] Beveridge, A. (1901): Cuba and Congress. En The North American Review, Vol. 172, No. 533 (Apr., 1901), pp. 535-550 (16 páginas). Consultado en Internet el 25.06.25, en https://www.jstor.org/stable/25105151?seq=1
[3] Se refiere a la Enmienda Platt, aprobada en el Congreso de Estados Unidos para enmendar la Constitución cubana, que llevó al general Leonard Wood, jefe de las fuerzas de ocupación en la isla, a afirmar: “Por supuesto que a Cuba se le ha dejado poca o ninguna independencia con la Enmienda Platt”.
[4] Ver Demanda del pueblo de Cuba al gobierno de los Estados Unidos por daños humanos (1999) – en Internet: http://www.cuba.cu/gobierno/DEMANDA.html- y Sentencia en la Demanda del pueblo de Cuba al gobierno de los Estados Unidos por los daños económicos ocasionados a Cuba (2001) Editora Política, La Habana. El cálculo de los daños se actualiza anualmente en los Informes de Cuba al Secretario general de la ONU sobre el cumplimiento de las resoluciones de la Asamblea General que llaman a Estados Unidos a poner fin al bloqueo económico, comercial y financiero contra Cuba
[5] Hamilton, J. (2924); La explosión del Maine: una guerra basada en fake news. Consultado en Internet el 25.06.25, en https://historia.nationalgeographic.com.es/a/explosion-maine-guerra-basada-fake-news_19919
[6] Se refiere a declaraciones expresadas en diferentes momentos por el hoy secretario de Estado Marco Rubio y por el exfuncionario de la Casa Blanca Mauricio Claver Carone
[7] Informe de Cuba en virtud de la resolución 78/7 de la Asamblea General de las Naciones Unidas, titulada “Necesidad de poner fin al bloqueo económico, comercial y financiero impuesto por los Estados Unidos de América contra Cuba” (2024). Consultado en Internet el 25.06.25 en https://cubaminrex.cu/sites/default/files/2024-09/InformeB2024.pdf
** NT: ambas são pragas introduzidas nas lavouras cubanas pelo inimigo para sua destruição da produção agrícola.
Trad/Ed: @comitecarioca21