
De
Washington e Jefferson a Trump e Rubio: Ameaças para eleger um peão
Hernando
Calvo Ospina
Com
exceção de John Adams e seu filho, John Quincy, os primeiros 12 presidentes dos
EUA, alguns deles chamados de "Pais Fundadores", não apenas possuíam
centenas de escravos, mas também implementaram medidas para desapropriar os
nativos americanos de suas terras e aprisioná-los em campos de concentração
chamados reservas. George Washington, o principal Pai Fundador, que a história
preservou imaculadamente, estava acompanhado por alguns de seus escravos quando
tomou posse como o primeiro presidente na sacada do Federal Hall, em Wall
Street, na cidade de Nova York, em 30 de abril de 1789. É muito importante
lembrar que esta rua de oito quarteirões havia sido inaugurada em 13 de
dezembro de 1711, como a primeira bolsa de valores dos Estados Unidos, mas para
o leilão de escravos.
E
embora seja difícil de acreditar, na mesma rua, a poucos passos de onde negros
e alguns indígenas rebeldes negociavam, Washington também aprovou a Declaração
de Direitos, com as dez primeiras emendas à Constituição, em 15 de dezembro de
1791, que se tornou um símbolo de liberdade e igualdade naquela nação, embora
os indígenas não fossem considerados cidadãos, e as mulheres tivessem seus
direitos severamente restringidos até 1920.
Thomas
Jefferson, outro Pai Fundador, redator da Declaração de Independência, um dos
estadistas mais pró-escravidão e um fervoroso promotor das reservas indígenas
americanas, foi nomeado por Washington como o primeiro Secretário de Estado do
país, de 1790 a 1793. Ele já havia servido como diplomata na França, de 1785 a
1789.
Bem,
esses dois supremacistas brancos, donos de escravos, racistas e desprezadores
de mulheres foram os arquitetos da diplomacia americana.
É
"normal", então, o desprezo que presidentes e seus secretários de
Estado têm demonstrado desde então pela grande maioria dos povos do mundo, onde
os seres humanos são meras mercadorias ou obstáculos a serem eliminados para o
desenvolvimento de sua voracidade imperial.
Desde
então, Secretários de Estado têm viajado pelo mundo relatando crimes, massacres
e genocídios, cometidos e não cometidos, enquanto pressionam por apoio. A
arrogância que acompanha o poder levou muitos a serem vis e arrogantes na
defesa do indefensável. Outros conseguiram explicar esses rios de sangue: eles
invadem e matam em nome das vítimas e por "valores democráticos". E
deixam boa parte da humanidade convencida das boas intenções de sua nação.
Deste
último grupo, especialistas em política internacional mencionam os
contemporâneos: John Foster Dulles, no governo Eisenhower (1953-1959);
Madeleine Albright, a primeira mulher Secretária de Estado (1997-2001), no
governo Clinton; Colin Powell, o primeiro Secretário de Estado afro-americano
(2001-2005), no governo Bush; Hillary Clinton (2009-2013), no governo Obama;
Antony Blinken (2021-2025), no governo Biden. Há um que merece menção especial:
Henry Kissinger, Secretário de Estado dos governos Nixon e Ford (1973-1977).
Apesar de ter participado como mentor de tantos crimes contra a humanidade, foi
agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Ele é talvez o Secretário de Estado mais
inteligente, manipulador e maquiavélico que o país já teve.
Há
também os piores Secretários de Estado da história dos Estados Unidos. Eles
ganharam esse "reconhecimento" público por não possuírem as
qualidades essenciais para o cargo: liderança experiente em política externa,
habilidades de negociação, conhecimento de organizações internacionais e visão
estratégica para aconselhar o presidente e representar o país no exterior.
Entre eles, está Warren Christopher (1993-1997), no governo Clinton.
Considerado um burocrata pouco carismático e péssimo em resolver crises internacionais.
Rex Tillerson (2017-2018), apesar de ter sido presidente da petrolífera
ExxonMobil, era um péssimo diplomata e nem sabia como lidar com a gestão
interna do Departamento. Alguns o consideravam um completo "idiota".
Mike Pompeo (2018-2021), no governo Trump. Embora tenha chefiado a CIA
anteriormente, as avaliações dos especialistas são, em sua maioria, negativas.
O New York Times o nomeou o pior dos piores da história dos Estados Unidos.
É
impressionante que ambos os Secretários de Estado do primeiro governo Trump
estejam nessa lista dos piores. Houve um "interino", John Sullivan,
que durou 25 dias, mas ninguém se lembra dele.
Uma
das organizações internacionais que o Secretário de Estado deve supervisionar é
a Organização dos Estados Americanos (OEA). Sua sede fica em Washington, por
decisão dos Estados Unidos. Fundada em Bogotá em 30 de abril de 1948, quando a
Colômbia começava a mergulhar no que viria a ser conhecido como a "era da
violência", que perdura até hoje, foi criada no contexto do pós-guerra e
do início da Guerra Fria. Para os Estados Unidos, era imperativo ter os países
do continente sob seu controle, antecipando que a União Soviética e seu
"comunismo" chegariam para romper seu poder. A Carta da Organização
foi assinada na capital colombiana. Foi redigida em Washington, mas apresentada
pela delegação colombiana, tornando-se a base ideológica da Guerra Fria. Seu
primeiro Secretário-Geral foi Alberto Lleras Camargo, um colombiano que gozava
de absoluta confiança nos Estados Unidos e que ocupou o cargo até 1954,
moldando a OEA de acordo com os interesses de seu chefe.
Talvez
o ato mais simbólico que demonstrasse o propósito da OEA tenha ocorrido em 31
de janeiro de 1962, durante uma conferência ministerial em Punta del Este,
Uruguai: Cuba foi expulsa. Argumentou-se que a ilha revolucionária havia se
alinhado à União Soviética e ao comunismo, o que era "incompatível"
com o sistema interamericano. Posteriormente, o Comandante Fidel Castro usou
uma frase que a expôs: era o "Ministério das Colônias" dos EUA.
A
OEA serviu como um meio para Washington cumprir suas ordens. Foi útil para
legalizar ações que violam a soberania de seus outros membros. Nunca serviu
para impedir tantos golpes de Estado orquestrados por Washington contra
governos democraticamente eleitos. E quando alguns governos rejeitaram as
decisões de Washington, raramente receberam qualquer atenção. Um de seus
objetivos foi defender o continente de agressões externas, mas quando a
Argentina buscou recuperar as Malvinas e a Inglaterra enviou suas tropas, os
Estados Unidos, a Colômbia e a ditadura de Pinochet lhe deram as costas.
Seu
secretário-geral deve ser eleito por voto, mas deve ter a bênção de Washington.
O penúltimo deles, Luis Almagro, uruguaio, é considerado o pior do grupo: não
só semeou divisão e discórdia entre seus membros, como também foi o mais
simpático aos interesses dos EUA. Ele já havia servido como Ministro das
Relações Exteriores do presidente José Mujica, quando este foi eleito em 2015 e
reeleito em 2020. Ebrard Casaubón, que foi Ministro das Relações Exteriores do
México, disse sobre o governo de Almagro: "É um dos piores da história
(...) Ele tomou medidas muito duvidosas, como o caso da Bolívia, que
praticamente facilitou um golpe" contra Evo Morales.
Governos
que não seguiram a agenda de Washington tornaram-se inimigos de Almagro, com
Venezuela e Nicarágua sendo suas principais frentes de guerra. E permaneceram
assim mesmo após a saída de ambas as nações da Organização. O mesmo aconteceu
com Cuba, 63 anos após sua expulsão. Quando a grave crise econômica e
humanitária na Venezuela eclodiu, principalmente entre 2015 e 2021, devido ao
bloqueio econômico imposto pelos EUA e seus aliados europeus, Almagro defendeu
abertamente uma invasão ao país bolivariano para impor um governo "não
hostil" a Washington.
E
para suas campanhas contra os governos revolucionários e progressistas, Almagro
contou com pessoas que ecoavam sua mensagem, que, como sabemos, eram a voz do
Departamento de Estado. Uma delas, parte da "escola Almagro", era
Rosa María Payá, de origem cubana.
Ela
é filha do "dissidente" Oswaldo Payá, que morreu quando o veículo em
que viajava bateu em uma árvore em 22 de julho de 2012. Apesar de o cidadão
espanhol que o acompanhava alegar que o motivo era o excesso de velocidade,
Rosa María começou a repetir em todos os lugares que o governo cubano havia
causado o acidente. Nunca a incomodou que o Tribunal Nacional Espanhol também
tivesse se pronunciado sobre o acidente.
Logo
aprendeu que, para apaziguar o público, precisava sempre começar mencionando a
morte do pai, com voz e rosto arrependidos. Repetiu também, quase angustiada,
que era perseguida pela "ditadura castrista", razão pela qual não
podia retornar a Cuba. Escondeu as inúmeras vezes em que viajou à ilha sem ser
incomodada, mesmo tendo residência legal. Ao incitar a compaixão, tornou-se
parte importante das campanhas de difamação dos EUA.
Assim,
sob a sombra de Almagro e outros políticos de extrema direita do sul da
Flórida, como o senador Marco Rubio, ele também dirigiu suas críticas a
governos progressistas como os de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, Andrés
Manuel López Obrador, no México, e Gustavo Petro, na Colômbia. Ele chegou a
criticar o chileno Gabriel Boric, que pouco se envolveu com o progresso.
Claro,
ela tem sido constante e sistemática em atacar os governos de Cuba, Venezuela e
Nicarágua: se você a ouvir, não há necessidade de consultar o que o
Departamento de Estado diz sobre eles.
Trabalhando
em projetos necessários para Washington, Almagro e Payá tornaram-se amigos
próximos, com alguns até afirmando que seu relacionamento ia além de interesses
políticos e ideológicos. O ex-chefe da OEA a ajudou a obter financiamento de
até dois milhões de dólares por ano, ao mesmo tempo em que abriu portas para
instituições globais. Com os dólares fornecidos pela USAID, NED, OEA e outras
organizações alinhadas a Washington para seu suposto trabalho em direitos
humanos, Rosa María Payá acumulou um capital pessoal significativo, incluindo
propriedades luxuosas nos Estados Unidos.
Em
30 de maio, o surinamês Albert Ramdin tomou posse como novo Secretário-Geral da
OEA. Justamente quando se pensava que a Organização assumiria uma nova
dinâmica, em 27 de junho, Rosa María Payá foi eleita membro da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) durante a 55ª Assembleia Geral da
OEA, realizada em Antígua e Barbuda, para o mandato de 2026-2029. México,
Brasil, Colômbia e Chile estavam entre os que se opuseram à sua nomeação, mas
onde o capitão manda, não manda o marinheiro, diz-se: ela era a candidata dos Estados
Unidos, apresentada oficialmente dias antes pelo Secretário de Estado Marco
Rubio, também de origem cubana.
"Os
Estados Unidos", disse Rubio em um comunicado, "instam outros
Estados-membros da OEA a apoiar a candidatura de Rosa María Payá e a ajudar a
garantir que a CIDH continue sendo uma defensora forte, íntegra e confiável dos
direitos humanos para todos". No comunicado, ele descreveu Payá como
"uma defensora íntegra, corajosa e profundamente comprometida com os
direitos humanos e a democracia", capaz de servir a região "com
independência, integridade e um firme compromisso com a justiça".
Sem
a assinatura de Rubio, o Departamento de Estado acrescentou que Payá é
"uma defensora da democracia de renome internacional, líder dos direitos
humanos e especialista em políticas latino-americanas... reconhecida por seu
trabalho na promoção da liberdade, dos direitos humanos e da governança
democrática em todo o Hemisfério Ocidental".
Para
responder a tal elogio, basta entender a "trajetória" de Payá e
compará-la com a resolução emitida pela Assembleia Geral da OEA em Lima 2022.
Ela estabeleceu parâmetros que os Estados-membros deveriam seguir em seus
processos de nomeação e avaliação de candidatos aos órgãos da OEA: sempre
observando "o cumprimento dos requisitos de independência, imparcialidade,
alta autoridade moral e reconhecida competência em matéria de direitos
humanos", além de possuir conhecimento e experiência em questões relacionadas
ao sistema interamericano de direitos humanos.
No caso da Sra. Payá, ela deve começar a se educar imediatamente para não fazer
papel de boba; para que não fique muito óbvio que ela foi imposta, não eleita
pela vontade dos membros.
Ela
é formada em Física pela Universidade de Havana e recebeu treinamento em
programas de "liderança" na Universidade de Georgetown. Esses
"programas" são bolsas de estudo que o regime americano oferece a
jovens de países com governos considerados contrários aos seus interesses.
Rosa
María Payá é a fundadora e quase única membro do Cuba Decide, que, segundo o
Departamento de Estado, lidera "o movimento pró-democracia mais
proeminente" na ilha. Apoiada por Almagro e pela extrema direita da
Flórida, ela foi nomeada diretora executiva da sombria Fundação para a
Democracia Pan-Americana, para promover "segurança regional, direitos
humanos e estabilidade democrática".
Em
Washington, sabe-se que um prêmio poderia ser concedido a qualquer pessoa em
Cuba que soubesse das atividades de Payá, já que se trata de pessoas e
dispositivos usados para realizar trabalhos internacionais contra a imagem da
revolução e de quaisquer governos necessários.
Ao
saber da nomeação, Payá expressou sua "profunda honra" e agradeceu ao
Secretário de Estado pelo apoio. Nas redes sociais, prometeu "servir a
todos os povos das Américas". "Minhas prioridades são claras:
proteger aqueles que mais precisam, defender a democracia, garantir uma
comissão eficaz e transparente e aproximar o sistema dos mais
vulneráveis."
Ah,
mas não se conteve e atacou os governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela, que
o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, considera "inimigos da
humanidade". Payá declarou: "As Américas pagaram um preço muito alto
por tolerar o regime cubano por tanto tempo". "Cabe a nós, mulheres e
homens das Américas, acabar de uma vez por todas com a cabeça do polvo
autoritário e todos os seus tentáculos, que causaram tanta dor às nossas
nações."
Mas
Marco Rubio teve que insistir na manhã de sexta-feira, antes das eleições, pois
ainda duvidava que seu candidato fosse escolhido: "Rosa María traz a
dignidade e a determinação necessárias para enfrentar os maiores desafios da
Comissão com soluções inovadoras".
Por
isso, na quinta-feira, durante a Assembleia, o subsecretário de Estado
Christopher Landau teve que se manifestar em alto e bom som, exigindo, por meio
de ameaças e chantagem, a eleição de Payá. O ponto-chave foi alertar sobre o
desgaste do governo Trump com a OEA, que não conseguiu derrubar o governo
bolivariano da Venezuela. Isso lançou dúvidas sobre a futura adesão dos Estados
Unidos.
Se
tivessem alguma dignidade, teriam aplaudido essa possibilidade, porque, além
disso, já existe uma organização da qual nem os Estados Unidos nem o Canadá
fazem parte: a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC),
criada em 2010, que reúne 33 nações e mais de 600 milhões de habitantes.
Landau
disse: "Como vocês devem saber, o presidente (Donald) Trump emitiu uma
ordem executiva no início deste governo instruindo o secretário de Estado
(Marco Rubio) a revisar todas as organizações internacionais das quais os
Estados Unidos são membros para determinar se tal filiação é do melhor
interesse dos Estados Unidos e se essas organizações podem ser reformadas (...)
e, obviamente, a OEA é uma das organizações que estamos revisando."
E
concluiu lembrando que os Estados Unidos apoiaram a nomeação de Payá e não
poderiam ficar de fora quando o governo Trump considera que a OEA não está
fazendo nada de substancial contra as ditaduras na América Latina, que são,
como sabemos, Cuba, Venezuela e Nicarágua...
Veremos
o que acontece com o novo Secretário-Geral, Albert Ramdin, que, como Ministro
das Relações Exteriores do Suriname, se recusou a caracterizar o governo do
presidente Nicolás Maduro como uma ditadura. Rubio já o questionou.
Secretários
de Estado sempre usaram chantagem e ameaças para atingir seus objetivos, mas
ter que fazer isso como Marco Rubio fez para eleger seu indicado demonstrou o
quão pouco respeito e confiança ele inspira na América Latina e no Caribe. Sem
mencionar o quão pouco ele significa para o resto do mundo. Trump estava certo
quando o chamou de "Pequeno Marco"( markito) Talvez, em um futuro próximo, ele
seja considerado o quarto pior Secretário de Estado da história diplomática
daquele regime. E o terceiro pior do regime Trump. Isso seria um recorde
mundial !
https://venezuela-news.com/de-washington-y-jefferson-a-trump-y-rubio-amenazas-para-hacer-elegir-a-una-ficha-por-hernando-calvo-ospina (2/7/2025)
Trad/ed: Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba e às Causas Justas.