28 de set. de 2025

De Washington e Jefferson a Trump e Rubio: Ameaças de eleger um peão

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 Por: Hernando Calvo Ospina

    Com exceção de John Adams e seu filho, John Quincy, os primeiros 12 presidentes dos EUA, alguns deles chamados de "Pais Fundadores", não apenas possuíam centenas de escravos, mas também implementaram medidas para desapropriar os nativos americanos de suas terras e aprisioná-los em campos de concentração chamados reservas. George Washington, o principal Pai Fundador, que a história preservou imaculadamente, estava acompanhado por alguns de seus escravos quando tomou posse como o primeiro presidente na sacada do Federal Hall, em Wall Street, na cidade de Nova York, em 30 de abril de 1789. É muito importante lembrar que esta rua de oito quarteirões havia sido inaugurada em 13 de dezembro de 1711, como a primeira bolsa de valores dos Estados Unidos, mas para o leilão de escravos.

    E embora seja difícil de acreditar, na mesma rua, a poucos passos de onde negros e alguns indígenas rebeldes negociavam, Washington também aprovou a Declaração de Direitos, com as dez primeiras emendas à Constituição, em 15 de dezembro de 1791, que se tornou um símbolo de liberdade e igualdade naquela nação, embora os indígenas não fossem considerados cidadãos, e as mulheres tivessem seus direitos severamente restringidos até 1920.

    Thomas Jefferson, outro Pai Fundador, redator da Declaração de Independência, um dos estadistas mais pró-escravidão e um fervoroso promotor das reservas indígenas americanas, foi nomeado por Washington como o primeiro Secretário de Estado do país, de 1790 a 1793. Ele já havia servido como diplomata na França, de 1785 a 1789.

  Bem, esses dois supremacistas brancos, donos de escravos, racistas e desprezadores de mulheres foram os arquitetos da diplomacia americana.

    É "normal", então, o desprezo que presidentes e seus secretários de Estado têm demonstrado desde então pela grande maioria dos povos do mundo, onde os seres humanos são meras mercadorias ou obstáculos a serem eliminados para o desenvolvimento de sua voracidade imperial.

     Desde então, Secretários de Estado têm viajado pelo mundo relatando crimes, massacres e genocídios, cometidos e não cometidos, enquanto pressionam por apoio. A arrogância que acompanha o poder levou muitos a serem vis e arrogantes na defesa do indefensável. Outros conseguiram explicar esses rios de sangue: eles invadem e matam em nome das vítimas e por "valores democráticos". E deixam boa parte da humanidade convencida das boas intenções de sua nação.

    Deste último grupo, especialistas em política internacional mencionam os contemporâneos: John Foster Dulles, no governo Eisenhower (1953-1959); Madeleine Albright, a primeira mulher Secretária de Estado (1997-2001), no governo Clinton; Colin Powell, o primeiro Secretário de Estado afro-americano (2001-2005), no governo Bush; Hillary Clinton (2009-2013), no governo Obama; Antony Blinken (2021-2025), no governo Biden. Há um que merece menção especial: Henry Kissinger, Secretário de Estado dos governos Nixon e Ford (1973-1977). Apesar de ter participado como mentor de tantos crimes contra a humanidade, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Ele é talvez o Secretário de Estado mais inteligente, manipulador e maquiavélico que o país já teve.

      Há também os piores Secretários de Estado da história dos Estados Unidos. Eles ganharam esse "reconhecimento" público por não possuírem as qualidades essenciais para o cargo: liderança experiente em política externa, habilidades de negociação, conhecimento de organizações internacionais e visão estratégica para aconselhar o presidente e representar o país no exterior. Entre eles, está Warren Christopher (1993-1997), no governo Clinton. Considerado um burocrata pouco carismático e péssimo em resolver crises internacionais. Rex Tillerson (2017-2018), apesar de ter sido presidente da petrolífera ExxonMobil, era um péssimo diplomata e nem sabia como lidar com a gestão interna do Departamento. Alguns o consideravam um completo "idiota". Mike Pompeo (2018-2021), no governo Trump. Embora tenha chefiado a CIA anteriormente, as avaliações dos especialistas são, em sua maioria, negativas. O New York Times o nomeou o pior dos piores da história dos Estados Unidos.

   É impressionante que ambos os Secretários de Estado do primeiro governo Trump estejam nessa lista dos piores. Houve um "interino", John Sullivan, que durou 25 dias, mas ninguém se lembra dele.

     Uma das organizações internacionais que o Secretário de Estado deve supervisionar é a Organização dos Estados Americanos (OEA). Sua sede fica em Washington, por decisão dos Estados Unidos. Fundada em Bogotá em 30 de abril de 1948, quando a Colômbia começava a mergulhar no que viria a ser conhecido como a "era da violência", que perdura até hoje, foi criada no contexto do pós-guerra e do início da Guerra Fria. Para os Estados Unidos, era imperativo ter os países do continente sob seu controle, antecipando que a União Soviética e seu "comunismo" chegariam para romper seu poder. A Carta da Organização foi assinada na capital colombiana. Foi redigida em Washington, mas apresentada pela delegação colombiana, tornando-se a base ideológica da Guerra Fria. Seu primeiro Secretário-Geral foi Alberto Lleras Camargo, um colombiano que gozava de absoluta confiança nos Estados Unidos e que ocupou o cargo até 1954, moldando a OEA de acordo com os interesses de seu chefe.

    Talvez o ato mais simbólico que demonstrasse o propósito da OEA tenha ocorrido em 31 de janeiro de 1962, durante uma conferência ministerial em Punta del Este, Uruguai: Cuba foi expulsa. Argumentou-se que a ilha revolucionária havia se alinhado à União Soviética e ao comunismo, o que era "incompatível" com o sistema interamericano. Posteriormente, o Comandante Fidel Castro usou uma frase que a expôs: era o "Ministério das Colônias" dos EUA.

    A OEA serviu como um meio para Washington cumprir suas ordens. Foi útil para legalizar ações que violam a soberania de seus outros membros. Nunca serviu para impedir tantos golpes de Estado orquestrados por Washington contra governos democraticamente eleitos. E quando alguns governos rejeitaram as decisões de Washington, raramente receberam qualquer atenção. Um de seus objetivos foi defender o continente de agressões externas, mas quando a Argentina buscou recuperar as Malvinas e a Inglaterra enviou suas tropas, os Estados Unidos, a Colômbia e a ditadura de Pinochet lhe deram as costas.

   Seu secretário-geral deve ser eleito por voto, mas deve ter a bênção de Washington. O penúltimo deles, Luis Almagro, uruguaio, é considerado o pior do grupo: não só semeou divisão e discórdia entre seus membros, como também foi o mais simpático aos interesses dos EUA. Ele já havia servido como Ministro das Relações Exteriores do presidente José Mujica, quando este foi eleito em 2015 e reeleito em 2000. Ebrard Casaubón, que foi Ministro das Relações Exteriores do México, disse sobre o governo de Almagro: "É um dos piores da história (...) Ele tomou medidas muito duvidosas, como o caso da Bolívia, que praticamente facilitou um golpe" contra Evo Morales.

  Governos que não seguiram a agenda de Washington tornaram-se inimigos de Almagro, com Venezuela e Nicarágua sendo suas principais frentes de guerra. E permaneceram assim mesmo após a saída de ambas as nações da Organização. O mesmo aconteceu com Cuba, 63 anos após sua expulsão. Quando a grave crise econômica e humanitária na Venezuela eclodiu, principalmente entre 2015 e 2021, devido ao bloqueio econômico imposto pelos EUA e seus aliados europeus, Almagro defendeu abertamente uma invasão ao país bolivariano para impor um governo "não hostil" a Washington.

  E para suas campanhas contra os governos revolucionários e progressistas, Almagro contou com pessoas que ecoavam sua mensagem, que, como sabemos, eram a voz do Departamento de Estado. Uma delas, parte da "escola Almagro", era Rosa María Payá, de origem cubana.

   Ela é filha do "dissidente" Oswaldo Payá, que morreu quando o veículo em que viajava bateu em uma árvore em 22 de julho de 2012. Apesar de o cidadão espanhol que o acompanhava alegar que o motivo era o excesso de velocidade, Rosa María começou a repetir em todos os lugares que o governo cubano havia causado o acidente. Nunca a incomodou que o Tribunal Nacional Espanhol também tivesse se pronunciado sobre o acidente.

    Logo aprendeu que, para apaziguar o público, precisava sempre começar mencionando a morte do pai, com voz e rosto arrependidos. Repetiu também, quase angustiada, que era perseguida pela "ditadura castrista", razão pela qual não podia retornar a Cuba. Escondeu as inúmeras vezes em que viajou à ilha sem ser incomodada, mesmo tendo residência legal. Ao incitar a compaixão, tornou-se parte importante das campanhas de difamação dos EUA.

   Assim, sob a sombra de Almagro e outros políticos de extrema direita do sul da Flórida, como o senador Marco Rubio, também dirigiu suas críticas a governos progressistas como os de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, Andrés Manuel López Obrador, no México, e Gustavo Petro, na Colômbia. Chegou a criticar o chileno Gabriel Boric, que pouco se envolveu com o progresso.

   Claro, ela tem sido constante e sistemática em atacar os governos de Cuba, Venezuela e Nicarágua: se você a ouvir, não há necessidade de consultar o que o Departamento de Estado diz sobre eles.

     Trabalhando em projetos necessários para Washington, Almagro e Payá tornaram-se amigos próximos, com alguns até afirmando que seu relacionamento ia além de interesses políticos e ideológicos. O ex-chefe da OEA a ajudou a obter financiamento de até dois milhões de dólares por ano, ao mesmo tempo em que abriu portas para instituições globais. Com os dólares fornecidos pela USAID, NED, OEA e outras organizações alinhadas a Washington para seu suposto trabalho em direitos humanos, Rosa María Payá acumulou um capital pessoal significativo, incluindo propriedades luxuosas nos Estados Unidos.

    Em 30 de maio, o surinamês Albert Ramdin tomou posse como novo Secretário-Geral da OEA. Justamente quando se pensava que a Organização assumiria uma nova dinâmica, em 27 de junho, Rosa María Payá foi eleita membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) durante a 55ª Assembleia Geral da OEA, realizada em Antígua e Barbuda, para o mandato de 2026-2029. México, Brasil, Colômbia e Chile estavam entre os que se opuseram à sua nomeação, mas onde o capitão manda, o marinheiro não, diz-se: ela era a candidata dos Estados Unidos, apresentada oficialmente dias antes pelo Secretário de Estado Marco Rubio, também de origem cubana.

    "Os Estados Unidos", disse Rubio em um comunicado, "instam outros Estados-membros da OEA a apoiar a candidatura de Rosa María Payá e a ajudar a garantir que a CIDH continue sendo uma defensora forte, íntegra e confiável dos direitos humanos para todos". No comunicado, ele descreveu Payá como "uma defensora íntegra, corajosa e profundamente comprometida com os direitos humanos e a democracia", capaz de servir a região "com independência, integridade e um firme compromisso com a justiça".

                                    

Temos um bloqueio a Cuba porque não há liberdade de expressão.... E a qualquer um no mundo que diga algo que não gostamos, lhe negamos a entrada aos EUA. 

    Sem a assinatura de Rubio, o Departamento de Estado acrescentou que Payá é "uma defensora da democracia de renome internacional, líder dos direitos humanos e especialista em políticas latino-americanas... reconhecida por seu trabalho na promoção da liberdade, dos direitos humanos e da governança democrática em todo o Hemisfério Ocidental".

    Para responder a tal elogio, basta entender a "trajetória" de Payá e compará-la com a resolução emitida pela Assembleia Geral da OEA em Lima 2022. Ela estabeleceu parâmetros que os Estados-membros deveriam seguir em seus processos de nomeação e avaliação de candidatos aos órgãos da OEA: sempre observando "o cumprimento dos requisitos de independência, imparcialidade, alta autoridade moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos", além de possuir conhecimento e experiência em questões relacionadas ao sistema interamericano de direitos humanos.

    No caso da Sra. Payá, ela deve começar a se educar imediatamente para não fazer papel de boba; para que não fique muito óbvio que ela foi imposta, não eleita pela vontade dos membros.

    Ela é formada em Física pela Universidade de Havana e recebeu treinamento em programas de "liderança" na Universidade de Georgetown. Esses "programas" são bolsas de estudo que o regime americano oferece a jovens de países com governos considerados contrários aos seus interesses.

   Rosa María Payá é a fundadora e quase único membro do Cuba Decide, que, segundo o Departamento de Estado, lidera "o movimento pró-democracia mais proeminente" na ilha. Apoiada por Almagro e pela extrema direita da Flórida, ela foi nomeada diretora executiva da sombria Fundação para a Democracia Pan-Americana, para promover "segurança regional, direitos humanos e estabilidade democrática".

Payá e Almagro 


    Em Washington, sabe-se que um prêmio poderia ser concedido a qualquer pessoa em Cuba que soubesse das atividades de Payá, já que se trata de pessoas e dispositivos usados ​​para realizar trabalhos internacionais contra a imagem da revolução e de quaisquer governos necessários.

    Ao saber da nomeação, Payá expressou sua "profunda honra" e agradeceu ao Secretário de Estado pelo apoio. Nas redes sociais, prometeu "servir a todos os povos das Américas". "Minhas prioridades são claras: proteger aqueles que mais precisam, defender a democracia, garantir uma comissão eficaz e transparente e aproximar o sistema dos mais vulneráveis."

   Ah, mas não se conteve e atacou os governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela, que o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, considera "inimigos da humanidade". Payá declarou: "As Américas pagaram um preço muito alto por tolerar o regime cubano por tanto tempo". "Cabe a nós, mulheres e homens das Américas, acabar de uma vez por todas com a cabeça do polvo autoritário e todos os seus tentáculos, que causaram tanta dor às nossas nações."

Payá e "Narco" Rubio 

   Mas Marco Rubio teve que insistir na manhã de sexta-feira, antes das eleições, pois ainda duvidava que seu candidato fosse escolhido: "Rosa María traz a dignidade e a determinação necessárias para enfrentar os maiores desafios da Comissão com soluções inovadoras".

    Por isso, na quinta-feira, durante a Assembleia, o subsecretário de Estado Christopher Landau teve que se manifestar em alto e bom som, exigindo, por meio de ameaças e chantagem, a eleição de Payá. O ponto-chave foi alertar sobre o desgaste do governo Trump com a OEA, que não conseguiu derrubar o governo bolivariano da Venezuela. Isso lançou dúvidas sobre a futura adesão dos Estados Unidos.

   Se tivessem alguma dignidade, teriam aplaudido essa possibilidade, porque, além disso, já existe uma organização da qual nem os Estados Unidos nem o Canadá fazem parte: a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), criada em 2010, que reúne 33 nações e mais de 600 milhões de habitantes.

    Landau disse: "Como vocês devem saber, o presidente (Donald) Trump emitiu uma ordem executiva no início deste governo instruindo o secretário de Estado (Marco Rubio) a revisar todas as organizações internacionais das quais os Estados Unidos são membros para determinar se tal filiação é do melhor interesse dos Estados Unidos e se essas organizações podem ser reformadas (...) e, obviamente, a OEA é uma das organizações que estamos revisando."

   E concluiu lembrando que os Estados Unidos apoiaram a nomeação de Payá e não poderiam ficar de fora quando o governo Trump considera que a OEA não está fazendo nada de substancial contra as ditaduras na América Latina, que são, como sabemos, Cuba, Venezuela e Nicarágua...

   Veremos o que acontece com o novo Secretário-Geral, Albert Ramdin, que, como Ministro das Relações Exteriores do Suriname, se recusou a caracterizar o governo do presidente Nicolás Maduro como uma ditadura. Rubio já o questionou.

   Secretários de Estado sempre usaram chantagem e ameaças para atingir seus objetivos, mas ter que fazer isso como Marco Rubio fez para eleger seu indicado demonstrou o quão pouco respeito e confiança ele inspira na América Latina e no Caribe. Sem mencionar o quão pouco ele significa para o resto do mundo. Trump estava certo quando o chamou de "Pequeno Marco". Talvez, em um futuro próximo, ele seja considerado o quarto pior Secretário de Estado da história diplomática daquele regime. E o terceiro pior do regime Trump. Isso seria um recorde mundial!

 

https://venezuela-news.com/de-washington-y-jefferson-a-trump-y-rubio-amenazas-para-hacer-elegir-a-una-ficha-por-hernando-calvo-ospina

     Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba e às Causas Justas




26 de set. de 2025

Um encontro no Harlem: Malcolm X, Fidel Castro e a luta pela Palestina

                                   

Por Manolo de los Santos

  Em setembro de 1960, no coração da América Negra, o Hotel Theresa, no Harlem, se tornou o palco de um dos encontros mais monumentais do mundo.

  Quando Malcolm X e Fidel Castro se encontraram lá, 65 anos atrás, o próprio Harlem se tornou um ponto de encontro de fervor revolucionário. O encontro deixaria uma marca indelével não apenas na cidade de Nova York, mas em todo o mundo, tornando-se um momento decisivo que ajudou a moldar a consciência de gerações de combatentes da liberdade e acelerou o ritmo da luta pela libertação nos Estados Unidos e em todo o mundo.

  O encontro entre Fidel e Malcolm X no Hotel Theresa não foi uma mera oportunidade para fotos, mas um símbolo poderoso de uma era de revolução e lutas de libertação nacional cristalizadas em um abraço entre dois jovens revolucionários que enfrentaram a ira do império americano e enviaram uma mensagem poderosa contra a hegemonia americana e a opressão racial.

   Este evento, fruto de circunstâncias e desafios, permanece profundamente relevante hoje, especialmente no contexto dos debates globais sobre autodeterminação e da luta contínua pela libertação palestina. Assim como a Revolução Cubana de 1960, que personificou os sonhos e aspirações dos povos oprimidos em todo o mundo, a causa palestina e o povo de Gaza servem hoje como uma bússola para aqueles que buscam mudar o mundo. O inquebrantável espírito de resistência de Gaza tornou-se um símbolo poderoso para uma nova geração de ativistas que lutam pela libertação em todo o mundo.

 

            A hostilidade dos Estados Unidos e a recepção do Harlem


    A visita de Fidel Castro a Nova York para a 15ª sessão da Assembleia Geral da ONU foi recebida com hostilidade pela elite americana. Quando ele e a delegação cubana foram inicialmente hospedados no Hotel Shelburne, no centro da cidade, a gerência exigiu um alto depósito em dinheiro de US$ 20.000 por "danos", e o Departamento de Estado dos EUA restringiu seus movimentos. Este foi um claro ataque político, parte de uma campanha mais ampla dos EUA para isolar a incipiente Revolução Cubana, à medida que a sabotagem da CIA e os ataques terroristas na ilha começavam a ganhar força.

     Foi nesse momento de tensão diplomática que um grupo de líderes negros, incluindo Malcolm X, interveio. Convidaram Fidel e a delegação cubana para o Hotel Theresa, um ponto central da vida cultural e política afro-americana no Harlem. Fidel aceitou, transformando uma afronta diplomática em uma poderosa declaração política contra a tentativa do governo Eisenhower de silenciá-lo. Ao se mudar para o Harlem, Fidel causaria uma dor de cabeça para Washington ao destacar intencionalmente a hipocrisia de uma nação que se proclamava defensora da democracia e da liberdade no exterior, enquanto seus cidadãos negros enfrentavam segregação e opressão sistêmicas em casa.

     A atmosfera no Harlem era eletrizante. Milhares de pessoas, desafiando a chuva, reuniram-se em frente ao Hotel Theresa para aplaudir o líder revolucionário, demonstrando o apoio popular entre os afro-americanos à luta de Cuba contra o imperialismo americano.

    Como o próprio Malcolm X escreveu mais tarde em sua autobiografia, Fidel “deu um golpe psicológico contra o Departamento de Estado dos EUA quando o confinou em Manhattan, sem imaginar que ele permaneceria no Harlem e causaria tal impressão nos negros”. Rosemari Mealy, em sua obra Fidel e Malcolm X: Memórias de um Encontro, destaca o profundo significado dessa medida.

     Ele observa que o encontro simbolizou "o respeito que os dois homens tinham um pelo outro" e sua luta compartilhada pela autodeterminação e libertação nacional.  Para os milhares de pessoas que se reuniram em frente ao hotel, "começou a tomar forma a ideia de que Castro viria para cá para se hospedar porque havia descoberto, como a maioria dos negros, o tratamento repugnante dispensado aos desfavorecidos no centro da cidade". Fidel era visto como um revolucionário que havia "mandado a América branca para o inferno", como disse um jornal negro contemporâneo. Esse sentimento poderoso repercutiu profundamente na comunidade.

 

                     Encontro anti-imperialista no coração do Harlem

                                             

O lendário Malcolm X se encontra com Fidel Castro no Hotel Theresa, no Harlem. Foto: Arquivo Cubadebate.

     O encontro no Hotel Theresa foi um momento crucial na história do internacionalismo e da solidariedade anti-imperialista. Demonstrou uma clara compreensão de que a luta contra a opressão racial e pelos direitos humanos nos Estados Unidos estava inextricavelmente ligada à luta contra o colonialismo e o imperialismo no exterior. Este é um tema central explorado por acadêmicas como Rosemari Mealy em sua obra, que compila relatos e reflexões em primeira mão, destacando como o encontro simbolizou uma era de descolonização e lutas por direitos humanos entre povos negros e do Terceiro Mundo em todo o mundo.  Foi uma forte rejeição à narrativa da Guerra Fria, que buscava retratar esses movimentos como isolados e ilegítimos.

      O encontro expôs a hipocrisia das pretensões dos Estados Unidos de serem um farol de liberdade, enquanto seus próprios cidadãos negros enfrentavam segregação e violência sistêmicas, não apenas no Sul dos Estados Unidos sob as leis de Jim Crow, mas também em centros urbanos do Norte. A decisão de Fidel de se mudar para o Harlem e seus encontros subsequentes com líderes mundiais como Jawaharlal Nehru, da Índia, e Gamal Abdel Nasser, do Egito, a partir de sua "nova sede", o transformaram de uma figura hemisférica em uma figura global. Como escreve Simon Hall em “ Dez Dias no Harlem ", as ações de Fidel destacaram que "a mancha da segregação permanecia viva no Norte urbano" e colocaram as políticas de anti-imperialismo e igualdade racial no centro da Guerra Fria. A imagem do Hotel Theresa, um estabelecimento de propriedade de negros que serviu como um centro para líderes mundiais que desafiavam o poder dos Estados Unidos, foi uma manifestação tangível da ascensão do projeto de soberania e independência do Terceiro Mundo em sua infância.

    Em 24 de setembro, a atmosfera no quarto de Fidel no Hotel Theresa era eletrizante, um pequeno cômodo repleto da energia de uma jovem revolução. Estava lotado de guerrilheiros cubanos, jovens que haviam descido das montanhas da Sierra Maestra menos de dois anos antes. Aos 34 anos, o próprio Fidel era um turbilhão de movimento; sua famosa barba e seu uniforme verde-oliva irradiavam uma energia inquieta. O quarto, abarrotado de rascunhos de seu próximo discurso na ONU e telegramas de notícias dispersos, servia como um quartel-general improvisado. À sua frente, sentava-se Malcolm X, de 35 anos, que, em um terno elegante e com uma presença igualmente imponente, personificava o movimento de libertação negra cada vez mais militante nos Estados Unidos.  O encontro foi uma troca profunda, ainda que breve, entre dois homens que reconheceram um no outro o reflexo de suas próprias lutas, uma luta compartilhada pelo que Fidel chamaria dois dias depois, em seu histórico discurso de quatro horas perante a ONU, de "plena dignidade humana" de todos os povos oprimidos.  Apenas alguns jornalistas negros foram autorizados a entrar, diante dos quais Fidel, falando em inglês, expressou sua admiração pela resiliência dos afro-americanos. "Admiro isso", disse ele. "Seu povo vive aqui e enfrenta essa propaganda o tempo todo, e ainda assim eles entendem. Isso é muito interessante." A resposta de Malcolm X foi sucinta e contundente: "Somos 20 milhões, e sempre entendemos." Ao sair do hotel, diante de uma multidão de jornalistas hostis que lhe perguntavam sobre sua simpatia pelos cubanos, Malcolm X respondeu desafiadoramente: "Por favor, não nos digam quem devem ser nossos amigos e quem devem ser nossos inimigos."

    Embora Fidel e Malcolm X nunca mais se encontrassem pessoalmente, suas vidas se entrelaçaram por meio de um compromisso compartilhado com o internacionalismo. Poucos anos após seu encontro histórico, Malcolm X viajaria para Gaza, onde se encontraria com a recém-formada Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e escreveria seu poderoso ensaio "A Lógica Sionista", no qual descreveria o sionismo como "uma nova forma de colonialismo". Essa solidariedade espelhava a da Revolução Cubana; delegações cubanas anteriores, incluindo Raúl Castro e Che Guevara, também haviam visitado Gaza, e Cuba se tornaria um dos primeiros países a reconhecer tanto a OLP quanto o Estado Palestino.

 

                   Do Harlem à Palestina


      Os ecos da reunião de 1960 ressoam fortemente na próxima 80ª sessão de alto nível da Assembleia Geral das Nações Unidas. Os princípios fundamentais que definiram o encontro entre Fidel e Malcolm X — autodeterminação, anti-imperialismo e a plena dignidade dos povos oprimidos — são hoje objeto de intensa controvérsia. Isso é mais evidente no genocídio ocorrido na Palestina, onde, por quase dois anos, Israel, com o apoio inabalável dos Estados Unidos, busca erradicar o povo palestino em Gaza por meio de uma campanha brutal de guerra sem fim, cerco e fome provocada pelo homem.

     Hoje, a luta palestina reflete o bloqueio opressivo e o cerco genocida que Cuba sofreu por décadas.  Enquanto a luta de Cuba contra o bloqueio e as sanções dos EUA tem sido uma guerra prolongada de atrito, marcada por um desaparecimento calculado do ciclo de notícias, a experiência palestina tem sido um massacre constante e visceral. A mídia americana e ocidental deslegitima consistentemente a realidade de ambos os povos, mas difere em sua visibilidade imediata e brutal. A solidariedade que Malcolm X demonstrou para com Cuba, vendo em Fidel uma alma gêmea na luta contra o poderoso império americano, é o mesmo espírito que anima os movimentos pró-palestinos hoje. Assim como Fidel e Malcolm X reconheceram sua causa comum, uma nova geração de ativistas ao redor do mundo vincula cada vez mais a luta palestina aos seus próprios movimentos anticolonialistas, antirracistas e de libertação. Em todos os continentes, a bandeira palestina e o keffiyeh tornaram-se inseparáveis ​​da luta pela autodeterminação. Milhões de jovens ao redor do mundo estão hoje desafiando o domínio da hegemonia dos EUA e reorientando o debate sobre o direito humano fundamental de todos os povos oprimidos de viverem livres do imperialismo através do prisma da luta palestina.

      A dinâmica da reunião de 1960 se reflete nos debates atuais na ONU. O governo dos Estados Unidos continua a usar seu poder para reprimir a oposição e punir aqueles que desafiam sua agenda de política externa, particularmente no que diz respeito à Palestina. A decisão sem precedentes do Secretário de Estado Marco Rubio, em 29 de agosto de 2025, de negar vistos a toda a delegação palestina é um claro exemplo disso. Em uma declaração, Rubio deixou claro que os Estados Unidos usarão sua autoridade de vistos para promover sua agenda política, afirmando que "é do nosso interesse de segurança nacional responsabilizar a OLP e a Autoridade Palestina por não cumprirem seus compromissos e minar as perspectivas de paz".

      Este ato de isolamento diplomático, muito semelhante ao tratamento recebido por Fidel Castro em 1960, visa deslegitimar a causa palestina e impedi-la de ganhar mais espaço no cenário internacional. Apesar das contradições impostas pelo papel da Autoridade Palestina como única representante do povo palestino na ONU, é importante reconhecer que se trata de uma tentativa de silenciar um povo cuja própria existência está sob cerco. No entanto, a questão mais urgente é que a resposta da comunidade internacional ao genocídio em Gaza deve ir além de simples expressões de simpatia.  Embora vários países europeus e aliados dos EUA estejam dispostos a reconhecer formalmente o Estado palestino, este gesto por si só não será suficiente para pôr fim ao genocídio e à fome provocada pelo homem. A ONU deve ir além do reconhecimento simbólico e tomar medidas concretas. No mínimo, isso deve incluir sanções contra Israel e um esforço conjunto para pôr fim ao bloqueio de Gaza. Além disso, com base no direito internacional e nas acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, Netanyahu ou qualquer representante israelense deve ser impedido de comparecer à Assembleia Geral da ONU.  Como a ONU pode acolher de forma confiável indivíduos considerados responsáveis ​​por planejar e executar atrocidades em massa?

    A luta pela Palestina hoje, assim como a luta de Cuba contra o bloqueio, é uma luta pela autodeterminação. As lições do encontro entre Fidel e Malcolm X são claras: a solidariedade entre movimentos é uma arma poderosa contra o imperialismo. Sessenta e cinco anos depois, continuamos a nos inspirar naquele breve, mas monumental encontro no Harlem, aprendendo que a solidariedade não é um mero gesto, mas uma ferramenta vital na luta pela libertação.

https://cubaenresumen.org/2025/09/19/una-reunion-en-harlem-malcolm-x-fidel-castro-y-la-lucha-por-palestina   / Comitê Carioca



25 de set. de 2025

“A Venezuela continua sendo o grande laboratório político do nosso tempo”: Entrevista com Ignacio Ramonet

                                   

Por Geraldina Colotti

Ignacio Ramonet, jornalista, ensaísta e analista internacional, foi editor de longa data do Le Monde Diplomatique. Em seu livro “A Era da Conspiração”, ele analisou os mecanismos do "Trumpismo", que vemos se espalhando para outras latitudes hoje, da América Latina à Europa. Discutimos a crise política na União Europeia e as tensões renovadas entre os Estados Unidos e os países socialistas da América Latina.

 

Vivemos em um momento de transformações profundas e dramáticas, que afetam todos os aspectos de um modelo — o modelo capitalista dominante — em crise sistêmica, mas com a clara intenção de forçar toda a humanidade a viver sua agonia. Da sua perspectiva — a de um analista político refinado e experiente — como o senhor interpreta essa crise?

 

Não estamos diante de uma crise pontual do capitalismo, mas sim de uma crise civilizatória. O sistema, em sua versão neoliberal e financeirizada, chegou a um ponto em que não pode mais se reproduzir sem destruir seus próprios fundamentos: o trabalho, a natureza, os laços sociais e até mesmo a ideia de comunidade política. O capital transforma o colapso em estratégia, a precariedade em norma e administra a catástrofe como se fosse um estado natural das coisas. Sua agonia é longa e violenta, e ele pretende arrastar consigo toda a humanidade. O que se anuncia não é apenas o esgotamento de um modelo econômico, mas o fim de uma racionalidade histórica: aquela que identificava progresso com acumulação infinita.

 

E que contrapesos você identifica no que muitos veem como a emergência de um mundo multicêntrico e multipolar, do qual, no entanto, não emerge uma visão prospectiva clara, como ocorreu no século passado, quando boa parte do mundo acreditava na esperança do comunismo?

 

O mundo multipolar já é um fato da vida, mas ainda não é um horizonte. Multipolaridade significa diversificação de centros de poder, enfraquecimento da hegemonia absoluta dos Estados Unidos e o surgimento de atores como China, Índia e Rússia. Mas isso não equivale à emancipação. No século XX, mesmo em meio a guerras e contradições, a esperança comunista oferecia uma narrativa de futuro, uma bússola coletiva. Hoje, o multipolarismo aparece mais como uma negociação entre potências do que como um projeto de humanidade. Dito isso, nas margens, nos movimentos sociais do Sul Global, na resistência feminista, indígena e ambientalista, outra lógica está emergindo: a de uma vida medida não pelo lucro, mas pelo cuidado. Aí reside, ainda em sua infância, uma perspectiva esperançosa.

 

Vamos falar sobre a crise na Europa, começando pela do sistema político francês, agora imerso em uma nova e provável queda do governo. Qual é a sua análise das forças em jogo e das possíveis soluções?

 

A França encarna, de forma particularmente vívida, a crise política europeia. A Quinta República, concebida para garantir a estabilidade, tornou-se um regime bloqueado, incapaz de gerar legitimidade. Macron governa com arrogância tecnocrática, mas também com um vácuo de visão: ele não fala à sociedade, mas aos mercados e a Bruxelas. Essa desconexão explica a raiva social, a fragmentação da esquerda e a ascensão da extrema direita. A Europa vivencia na França seu próprio espelho quebrado: instituições que não representam mais, pessoas que não se sentem ouvidas, sociedades que buscam soluções em protestos ou no voto de protesto. A verdadeira solução exigiria uma refundação democrática a partir de baixo, mas esse horizonte ainda precisa ser politicamente organizado.

 

A França é a força motriz do rearmamento europeu, sendo o país que executa o maior número de projetos financiados pelo Fundo Europeu de Defesa (FED). A Itália de Giorgia Meloni segue o mesmo caminho. A Alemanha está se rearmando, e os países bálticos não ficam muito atrás. Pode a União Europeia ser apenas o complexo militar-industrial, eternamente subserviente aos Estados Unidos? E que consequências isso pode ter no contexto dos conflitos atuais?

 

O rearmamento europeu é o sintoma mais evidente da subordinação do continente aos interesses estratégicos dos Estados Unidos. França, Alemanha, Itália e os países bálticos não se rearmam para defender seu próprio projeto, mas para fortalecer o complexo militar-industrial sob a tutela da OTAN. A Europa investe em armas o que nega à coesão social, à educação ou à transição ecológica. Esse desequilíbrio revela uma escolha histórica: ser um campo de confronto e não um ator de paz. Com isso, a Europa não apenas se militariza, mas também se torna irrelevante como projeto civilizacional. Ao abdicar de uma política externa autônoma, renuncia à sua capacidade de oferecer ao mundo qualquer racionalidade que não seja a da guerra.

 

A crise das democracias ocidentais está revelando dois fenômenos crescentes: a insatisfação do eleitorado (principalmente da esquerda) e a ascensão de partidos xenófobos e de extrema direita, aparentemente os menos propensos a usar "métodos fortes" na arena geopolítica. Como ocorreu esse curto-circuito e como escapamos dessa armadilha?

 

O curto-circuito das democracias ocidentais tem raízes profundas. Durante décadas, a social-democracia e grande parte da esquerda aceitaram o neoliberalismo como um marco inevitável. Naquele momento, a traição foi consumada: milhões de trabalhadores, jovens e setores populares se sentiram privados de representação real. A extrema direita se estabeleceu então como o único discurso de ruptura, oferecendo identidades fechadas, soberanias fictícias e segurança ilusória. É uma narrativa pobre e excludente, mas que se conecta com a dor social daqueles que viram seus direitos devastados. A solução não pode ser imitar essa narrativa, mas reconstruir um horizonte emancipatório: redistribuição radical da riqueza, democracia participativa, internacionalismo, justiça social e ecológica. Em outras palavras, devolver à política a capacidade de nomear o futuro.

 

Enquanto a possibilidade de uma alternativa anticapitalista, ou de uma democracia avançada (o que foi chamado de "renascimento latino-americano" após a vitória de Chávez nas eleições presidenciais venezuelanas), se esvai, a ameaça de uma nova internacional fascista, com diferentes inflexões, se avizinha. O "modelo" europeu também está sendo imposto na América Latina?

 

O ciclo progressista latino-americano, que alguns chamaram de "renascimento" após a vitória de Chávez em 1998, abriu um horizonte inesperado em meio à dominação neoliberal: a possibilidade de uma democracia avançada, popular, inclusiva, soberana e com justiça social. No entanto, esse impulso inicial rapidamente encontrou limites e resistências: sabotagem econômica, golpes brandos, guerra midiática e também as contradições internas dos próprios processos. Nesse vazio, ressurge um perigo que pensávamos ter sido banido: uma internacional fascista com múltiplas faces – religiosa, neoliberal, militarista – operando em rede e fortemente inspirada pela Europa. A América Latina, tantas vezes um laboratório de emancipação, corre o risco de se tornar também um laboratório para novas formas de autoritarismo. A batalha atual é impedir que essa racionalidade excludente se torne a norma e recuperar a audácia de imaginar nosso próprio projeto histórico.

 

Qual é a sua análise do "laboratório venezuelano" à luz dos novos ataques imperialistas à Revolução Bolivariana, mas também da perspectiva das forças transformadoras? Como esse "experimento" se insere na história do marxismo?

 

A Venezuela continua sendo o grande laboratório político do nosso tempo. Lá, eles estão tentando algo que o sistema global não pode tolerar: combinar democracia participativa, soberania nacional e redistribuição social sob um horizonte socialista. É por isso que os ataques continuam inabaláveis: bloqueios, sanções, sufocamento econômico e campanhas de deslegitimação. Mas eles também viram as formas mais criativas de resistência popular: comunas, autogestão, a ideia de poder de baixo. Na história do marxismo, a experiência bolivariana representa uma tentativa de atualização: não repetir dogmas, mas enxertar a tradição emancipatória nas realidades latino-americanas, com Bolívar, com Chávez, com os povos indígenas e com a memória insurgente do continente. É um processo inacabado e carregado de tensões, mas também é a prova de que o marxismo não está morto: ele se transforma, reencarna e busca novas sínteses.

 

Os aparatos ideológicos de controle estão cada vez mais sofisticados. A guerra de quarta e quinta geração é acompanhada pela guerra cognitiva, como vemos com o genocídio na Palestina — o mais televisionado e, ao mesmo tempo, o mais oculto —, mas também com a agressão à Venezuela. E, no entanto, vemos também que, com a chegada de Trump, o ataque aos setores populares e às visões que buscaram representá-los no último século (socialismo e comunismo) é direto e frontal. Como devemos interpretar tudo isso?

 

Vivemos em uma era em que a dominação não se exerce mais apenas por meio de armas e exércitos, mas por meio de narrativas e dispositivos de controle mental. A guerra de quarta e quinta gerações, a chamada "guerra cognitiva", consiste em moldar percepções, fabricar consensos e naturalizar injustiças. A Palestina é o caso mais brutal: um genocídio transmitido ao vivo e, ao mesmo tempo, oculto sob camadas de manipulação midiática. O mesmo se aplica à Venezuela e a todo processo que questione a ordem imperial. O trumpismo, e fenômenos semelhantes em outras latitudes, apenas expõem essa lógica: o ataque frontal a setores populares e memórias de emancipação (socialismo, comunismo, lutas operárias, feministas ou anticoloniais). O que se busca é erradicar a própria ideia de alternativa. Nossa tarefa é justamente a oposta: preservar a memória, sustentar a resistência e manter viva a imaginação política de um outro mundo possível.

 

Cem anos após o nascimento de Fanon, Malcolm X e Lumumba, será que o Sul global, a Palestina e a África em particular (estou pensando especialmente no Sahel), ainda precisam da sua mensagem? O socialismo bolivariano está certo em apostar na possibilidade de construir um novo homem e uma nova mulher hoje sem destruir o que o impede? Ou precisamos voltar ao facão?

 

Um século após o nascimento de Franz Fanon, Malcolm X e Lumumba, sua mensagem permanece essencial. Fanon nos ensinou que a colonização ocupa não apenas territórios, mas também consciências, e que a libertação deve ser tanto material quanto psicológica. Malcolm encarnou a dignidade radical diante do racismo estrutural. Lumumba simbolizou a soberania africana em um mundo dividido em blocos. Hoje, na Palestina, na África e no Sul global, essas lições são vitais: sem emancipação cultural, não há emancipação política. O socialismo bolivariano, ao falar do "novo homem e da nova mulher", retoma essa tradição: a de transformar o ser humano no próprio processo de luta, não depois. Não se trata de "retornar ao facão" como pura violência, mas de reconhecer que nenhum projeto emancipatório pode florescer sem desmantelar os dispositivos de opressão que o sufocam. O desafio permanece o mesmo: libertar o ser humano em sua totalidade.

                                                                                                                  

https://cubaenresumen.org/2025/09/07/venezuela-sigue-siendo-el-gran-laboratorio-politico-de-nuestra-epoca-entrevista-a-ignacio-ramonet/

Trad/edição Coitê Carioca de Solidariedade a Cuba e às Causas Justas 




22 de set. de 2025

Israel lança uma campanha de criminalização contra a Flotilha Mundial Sumud, acusando os ativistas de serem do "Hamas" e aumentando o medo de uma ação violenta.

                                 

Palestina Ocupada (QNN) – Israel lançou uma campanha abrangente contra a Flotilha Global Sumud, uma missão humanitária que navega para romper o cerco a Gaza. Autoridades e plataformas online rotularam os ativistas pacíficos como "apoiadores do Hamas", aumentando o receio de que Israel esteja justificando a violência contra os barcos.

Nas redes sociais, o Ministério das Relações Exteriores de Israel declarou que a flotilha tem o "apoio aberto do Hamas". Essa declaração foi feita após semanas de ataques online coordenados contra o comboio e seus participantes.



                          Uma guerra de difamação digital

A flotilha inclui participantes de quase 50 países em mais de 50 navios. No entanto, a campanha digital de Israel busca desacreditar a missão. Segundo investigações, milhares de postagens multilíngues retrataram os ativistas como "apoiadores do terrorismo" e "embaixadores do Hamas".

A Al Jazeera descobriu que 17 contas importantes de mídia social amplificaram as narrativas israelenses. Entre elas, contas anônimas, porém hiperativas, como Vividprowess, que reciclava propaganda antiflotilha em vários idiomas, e Cheryl E, que zombava da missão e de Greta Thunberg, uma das participantes de destaque.

Outra fonte, o Mossad Commentary, difamou repetidamente as ações de solidariedade como um “acobertamento terrorista”, enquanto o propagandista sionista Eyal Yakoby, baseado nos EUA, vinculou o comboio ao “terrorismo islâmico”.

 

                          Destinada a indivíduos

A campanha de difamação também teve como alvo Zahir Birawi, chefe do Comitê Internacional para Quebrar o Cerco. O grupo israelense Ad Kan, formado por ex-oficiais de inteligência, distribuiu fotos públicas antigas dele com tripulações de flotilhas como supostas "provas secretas". Analistas confirmaram que as imagens foram tiradas fora de contexto, algumas datando de 2018, e estavam disponíveis há muito tempo em sites públicos.

Israel acusou Birawi repetidamente de ter ligações com o Hamas. No entanto, nenhum tribunal, seja no Reino Unido ou em qualquer outro lugar, jamais estabeleceu tais ligações. Aliás, Birawi já havia vencido uma ação judicial contra o World-Check, um banco de dados comercial que o rotulou falsamente como ligado ao terrorismo.

Greta Thunberg, que se juntou à flotilha, tornou-se outro alvo direto. Relatos israelenses espalharam imagens manipuladas dela com características de Adolf Hitler e incentivaram seus seguidores a desejar-lhe mal antes de sua próxima viagem a Gaza.

 

                         Ameaças oficiais

O Ministro da Segurança israelense, Itamar Ben Gvir, anunciou a preparação de um plano para punir os participantes da flotilha. Segundo a mídia israelense, o plano inclui o confisco dos barcos, a prisão de ativistas como "prisioneiros de segurança" e o lançamento de campanhas coordenadas de difamação para rotulá-los como colaboradores do Hamas.

Apesar da campanha de difamação de Israel, os membros da flotilha insistem que a missão é humanitária. Eles exigem o fim do bloqueio que causa fome em Gaza, lar de mais de dois milhões de palestinos.

Ameaças digitais, propaganda e incitação aberta estão agora colocando em risco a vida dos ativistas. Observadores alertam que rotular o comboio como "ligado ao terrorismo" pode ser o prelúdio de uma interceptação violenta assim que os navios se aproximarem de Gaza.


https://cubaenresumen.org/2025/09/22/palestina-israel-lanza-una-campana-criminalizadora-contra-la-flotilla-mundial-sumud-acusa-a-los-activistas-de-ser-hamas-y-aumenta-el-temor-a-una-interceptacion-violenta/

Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba e às Causas Justas

             



NOVAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS PARA SUFOCAR CUBA

resistência e a solidariedade internacionais são cruciais para a defesa da soberania da ilha. Foto: Ismael Batista Ramírez
                  
Congressistas anticubanos insistem em apresentar projetos de lei que ampliam e perpetuam instrumentos coercitivos contra o arquipélago.

Autor: Raúl Antonio Capote

Durante a atual sessão legislativa do 119º Congresso dos EUA, políticos anti-Cuba adotaram uma estratégia agressiva e sistemática, acompanhada de linguagem hostil em relação a Cuba nos debates, ao mesmo tempo em que faziam esforços conjuntos para aumentar a pressão econômica e política sobre nosso país.

Essa ofensiva se manifesta por meio da introdução de projetos de lei que buscam perpetuar e expandir instrumentos coercitivos, construindo uma narrativa falsa que visa apresentar Cuba como uma ameaça à segurança nacional dos EUA.

Um dos exemplos mais evidentes dessa hostilidade é a insistência em manter a ilha na Lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo. Deputadas como María Elvira Salazar estão promovendo a chamada Lei da Força, que proibiria o Poder Executivo de retirar Cuba dessa lista até que sejam cumpridas condições que, na prática, agravam os danos econômicos ao povo cubano.

A designação como Estado patrocinador do terrorismo tem sido uma ferramenta de sufocamento financeiro e isolamento internacional, impedindo o acesso aos mecanismos bancários globais e restringindo exportações essenciais, impactando severamente a economia e a qualidade de vida da população.

Por outro lado, houve um aumento no orçamento para subversão contra a ilha, chegando a US$ 75 milhões, US$ 35 milhões a mais do que no período anterior. Essas quantias são disfarçadas sob o pretexto de promover a democracia, quando na realidade apoiam as estruturas contrarrevolucionárias criadas por Washington, bem como um enorme aparato de propaganda e guerra psicológica voltado principalmente para desestabilizar a Revolução.

Além das justificativas pretensiosas habituais, os congressistas anticubanos estão buscando expandir o financiamento, grande parte do qual vai para o "negócio de travar a contrarrevolução", ao mesmo tempo em que serve como plataforma para campanhas políticas em estados com alta concentração de anticubanos, como a Flórida.

O arcabouço legislativo promovido por esse setor reacionário do Congresso se baseia na codificação legal de Cuba como "adversário estrangeiro", termo que aparece em inúmeros projetos de lei que visam promover uma narrativa de confronto.

Essa categoria serve de base para propostas que vão desde a proibição de colaboração científica entre instituições de ambos os países até a suspensão de qualquer tipo de cooperação tecnológica ou diplomática.

Pelo menos cinco iniciativas legislativas incluem linguagem que restringe relacionamentos científicos, ameaçando o desenvolvimento de projetos conjuntos vitais, como o ensaio clínico Heberprot-P nos EUA, e também exclui os americanos do uso de um produto cubano altamente eficaz para tratar úlceras do pé diabético.

Além disso, estão sendo feitas tentativas de dificultar o investimento estrangeiro por meio de projetos que eliminam obstáculos legais a ações civis sob a Lei Helms-Burton, uma lei que agrava a perseguição legal contra empresas e indivíduos com laços econômicos com a ilha.

A ofensiva anticubana também é evidente na área da política imigratória, onde esses congressistas se alinham a posturas anti-imigrantes, como as implementadas durante o governo Trump.

Essas medidas levaram à separação de famílias cubanas e deixaram milhares de pessoas em situação irregular nos EUA, sem oferecer uma solução real. Enquanto isso, continua o apoio a deportações em massa e restrições de vistos que prejudicam a comunidade cubano-americana e seus laços familiares com a ilha.

Na mesma linha, eles buscam gerar um efeito de "panela de pressão", manipulando a emigração para provocar uma convulsão social que justificaria a intervenção do governo dos EUA ou, pelo menos, um aumento da agressão econômica.

Os congressistas anticubanos também exercem pressão a partir de seus cargos para manter e reforçar o bloqueio econômico, como evidenciado por seu apoio ao Memorando Presidencial sobre Segurança Nacional nº 5, imposto por Donald Trump e que visa intensificar medidas que causam fome e desespero entre o povo cubano, com o objetivo declarado de derrubar o Governo Revolucionário.

Esse endurecimento da situação também é alimentado pelo discurso público e pelas mídias sociais, que justificam a política de "pressão máxima" e desacreditam as ações do governo cubano, ao mesmo tempo em que apoiam as iniciativas da contrarrevolução interna.

Por fim, este grupo legislativo não hesita em promover falsas acusações que vinculam Cuba ao apoio a supostas organizações terroristas, tráfico de drogas ou violações de direitos humanos, sem apresentar provas concretas. Mais grave ainda, mantém laços estreitos com indivíduos vinculados a atos terroristas contra a nação caribenha.

Em suma, o 119º Congresso dos EUA demonstra uma rejeição persistente e sistemática de qualquer abertura ou reaproximação com Cuba, com base em uma estratégia abrangente que combina hostilidade legislativa, manutenção de falsas narrativas, promoção de medidas coercitivas e exploração política.

Esta política não apenas viola a soberania e os interesses do povo cubano, mas também desconsidera o potencial de um relacionamento bilateral que beneficie ambas as nações.

 


ALGUMAS DAS INICIATIVAS RECENTES

 

- HR5342

Permite o ajuizamento ilimitado de ações judiciais sob a Lei Helms-Burton. Elimina a limitação de dois anos para essas ações judiciais.

Bloqueia o financiamento de laboratórios e estabelece outras restrições que afetam a cooperação científica e o desenvolvimento econômico.

Impõe proibições de voos e propriedades.

 

-  S.488 (iniciado no Senado)

Impõe sanções específicas a indivíduos e entidades que realizam transações com Cuba, com foco em supostos abusos de direitos humanos e corrupção.

 

- S.172 Lei de Prevenção da Evasão Tarifária Adversária (Rick Scott)

Refere-se à maior das Antilhas como um Estado adversário estrangeiro.

 

- Lei S.838 ACRE (Jerry Moran)

Impede empréstimos a países inimigos.

 

- HR3479 Lei de Telecomunicações Americanas SEGURAS (Rudy Yakym)

Proíbe o licenciamento de cabos submarinos em áreas controladas por adversários estrangeiros.

 

Essas ações legislativas fazem parte da reativação e atualização do Memorando Presidencial sobre Segurança Nacional nº 5, assinado em 2025, que reverte as recentes aberturas e restabelece restrições nas áreas turística, financeira e diplomática, além de limitar a cobertura e o acesso a recursos econômicos.


https://www.granma.cu/mundo/2025-09-21/nuevas-propuestas-de-leyes-para-asfixiar-a-cuba-21-09-2025-20-09-34

 Trad/ed Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba