Vitor Vogel
Raul Capote passou anos em uma
operação secreta do governo cubano. Todas as informações sobre as
operações da CIA eram repassadas ao serviço de segurança da Ilha.
Fania Rodrigues
do Rio de Janeiro (RJ)
do Rio de Janeiro (RJ)
Agente
duplo do governo de Cuba e da Agência Central de Inteligência dos
Estados Unidos (CIA, sigla em inglês), Raul Capote passou anos em uma
operação secreta do governo cubano. Todas as informações sobre as
operações da CIA eram repassadas ao serviço de segurança de Cuba. Como
agente da CIA, Capote participava da “guerra cultural” contra a
Revolução Cubana. Hoje professor da Universidade de Havana, ele veio ao
Brasil participar de um evento literário, e concedeu uma entrevista ao
Brasil de Fato.
Brasil de Fato – Como funcionava seu trabalho como agente duplo na CIA?
Raul Capote - Cuba
sempre teve esse tipo de missão, que é fundamental para poder prever o
que os Estados Unidos trama. Essa é a única maneira de um país pequeno,
com poucos recursos militares, saber o que seu inimigo, uma grande
potência, planeja. É importante ter conhecimento desses planos para
prevenir e denunciá-los publicamente. Eu era um agente da CIA para a
guerra cultural contra Cuba. Essa guerra é pouco conhecida e acontece
mais na esfera da ideologia e da cultura. Eu trabalhava com a juventude,
principalmente dentro das universidades, especialmente na Faculdade de
Pedagogia de Havana, que é onde formamos professores.
Quando você começou a ser procurado pelos funcionários do governo dos EUA?
Foi
em 1986, quando eu era líder de um movimento de jovens artistas na
Universidade de Havana. A primeira vez que os norte-americanos se
aproximaram foi com a proposta de financiar projetos culturais. Depois
disso, funcionários da inteligência cubana vieram falar comigo, pois
aquelas pessoas não eram professores, mas sim agentes da CIA. E foi aí
que começamos o trabalho, um processo muito cuidadoso.
Foto: Vitor Vogel |
Como vocês se deram conta de que se tratava de agentes da CIA?
Não
fui muito difícil. O que era apenas financiamento de projetos culturais
começou a ser cada vez mais condicionado. Diziam: “apoiamos esse
projeto, mas só se ele tiver uma crítica aberta ao governo cubano”. Nós
realmente sempre fomos muito críticos. Enquanto artistas a gente tinha
consciência do nosso papel. Acontece que o tipo de crítica que eles
queriam tinha muito mais a ver com o estilo de propaganda que se faz
contra Cuba fora do país. Era uma maneira diferente de criticar. Ao
poucos fomos descobrindo suas verdadeiras intenções. Primeiro me
converteram no líder do grupo de artistas. Eu já era um líder natural,
mas fortaleceram minha imagem, publicando meus trabalhos, promovendo
meus projetos e, sobretudo prometendo a mim um futuro maravilho fora de
Cuba. Sempre me diziam: “é uma lástima que [você] viva em um país como
Cuba. Se fosse em outro lugar seria um artista muito famoso e poderia
ganhar muito dinheiro. É um homem de muito talento, um grande escritor”.
Era muito engraçado porque estava só começando, era muito jovem e não
tinha nem um livro publicado.
Em que momento eles se identificaram como Agência de Inteligência?
Depois
de um tempo, depois que foram ganhando confiança. A primeira vez que me
disse que eram da inteligência do governo americano foi em 1994. Nessa
época eles já haviam me convertido no líder do sindicato dos
trabalhadores da cultura. Já não líder apenas de um grupo pequeno de
artistas, mas de um sindicato. Eram 40 mil trabalhadores, entre eles
estavam também os livreiros, os funcionários públicos desse setor.
Onde faziam os encontros com esses agentes?
Em
lugares públicos. Eles usavam uma fachada muito bem construída e
achavam que ninguém suspeitava para quem eles trabalhavam. Estavam
confiantes que isso estava acontecendo de maneira muito secreta e pouco
conhecida. Portanto a via mais fácil de fazer as coisas era de forma
pública. Até que em 2014, um grupo do escritório comercial dos EUA em
Cuba mantém uma relação ainda mais próxima. Depois disso, começam a
falar abertamente de ações conta a Revolução Cubana.
Que tipo de coisa?
Eram
projetos culturais, junto aos jovens artistas, a fim de estimular ações
que levassem a uma mudança política. Isso a partir de 2004; Foi subindo
de nível do combate cultural contra Cuba. No final desse mesmo ano,
eles me propõem entrar para a CIA, já como agente oficial. Depois disso
passei por processo de treinamento e de testes. Em duas ocasiões passei
na “prova do polígrafo” (uma espécie de detector de mentiras), por uma
série de psicólogos e fui entrevistado por oficiais da CIA por diversas
vezes.
Como passou pela prova do polígrafo?
Não
tão difícil. Eles crêem piamente nessa prova, mas é muito mais difícil
passar pelos psicólogos, um profissional que está interrogando e
analisando cada movimento. Passei vários dias, com vários psicólogos,
incluso de diferentes países. Especialistas do Reino Unido, da Espanha,
França, dos EUA. Gente experta em analisar pessoas. O único que tem
fazer é montar um personagem, como ator, e no momento do interrogatório
simplesmente diz a verdade. Porque nesse momento eu era um personagem
real, um inimigo da revolução cubana, portanto o que está dizendo é a
verdade. Claro, que nesse momento não pode demonstrar muita
tranquilidade. É preciso cometer alguns erros. O truque está em que
tenho que cometer alguns erros, estar um pouco nervoso, se equivocar em
alguma pergunta. Pode confundir alguns nomes. É um jogo de inteligência
entre os interrogadores e você.
Quando você se tornou oficialmente um agente da CIA?
A
partir de 2005 até 2011, quando saí em programa de televisão cubano
denunciando todos os planos da CIA e o que estavam preparando contra
Cuba e os jovens cubanos.
Como você se comunicava com o governo cubano, para repassar essas informações de forma secreta?
A
gente tentava evitar contato o máximo possível. Por uma questão de
segurança. A CIA tem toda tecnologia do mundo. São profissionais muito
qualificados. Também tinha que me proteger da segurança cubana, já que a
maioria não sabia que eu era um agente do governo cubano. Quem sabia
eram apenas três pessoas, ninguém mais.
Nesse tempo quanto dinheiro você recebeu do governo dos Estados Unidos?
Isso é incalculável. Eu recebia dinheiro durante todo esse tempo que trabalhei com eles.
Mas era mensal ou por projeto?
Mensalmente
recebia uma quantidade de dinheiro. Primeiro recebia cerca de 2.500
dólares e por último 3.500 dólares. Esse dinheiro era somente para mim.
Havia outro dinheiro que era para gastos operativos. Esse dinheiro era
incalculável, era a quantidade que eu pedia. Se eu pedia 10 mil dólares
para um projeto eles me mandavam, mais os recursos tecnológicos. Na
minha casa eu tinha os mais sofisticados sistemas de comunicação para
comunicar com os agentes em Washington.
Que tipo de comunicação?
Estabelecemos
comunicação através de um BGAN (um aparelho de transmissão de dados via
satélite), que servia para a internet, telefone, imagens ao vivo. A
gente se comunicava através de um satélite do Departamento de Defesa dos
EUA, que nos permitia ter uma comunicação indecifrável. Esse BGAN
tinha uma particularidade,: as informações transmitidas eram
irrastreáveis. Nunca foi possível, por parte da segurança cubana,
rastrear essa comunicação que eu estabelecia com Washington.
E porque o governo cubano decidiu revelar sua identidade, depois de tantos anos como agente duplo?
No
ano de 2011 se decide trazer a público essa operação porque a situação
pela qual o país estava passando era bem grave. Havia ameaças reais e
possibilidade de aplicar coisas contra Cuba. No mundo estavam ocorrendo a
Primavera Árabe, ataques contra Líbia. E eu era um experto em golpes
suaves e sabia de toda a estratégia que se usa em esses casos. Conhecia
muitos líderes especialistas em tipo de coisa espalhados pelo mundo. Foi
aí que o governo cubano pediu me consultou e perguntou se eu estaria
disposto tornar pública essa conspiração contra Cuba.
De que maneira foi revelado?
Fizeram
um programa com uma série de entrevistas. Eu não era o único. Haviam
seis agentes infiltrados em diferentes setores do trabalho dos
americanos contra Cuba. Fui o último a ser entrevistado.
Depois de sua revelação, como ficou sua relação com esses agentes da CIA? Eles voltaram a te procuram alguma vez?
Algumas
pessoas que trabalham para o governo dos Estados Unidos oferecerem uma
grande quantidade de dinheiro, uma cifra bastante impressionante, para
eu fugir para os EUA e fazer uma contra denúncia. Queriam que eu fizesse
uma denúncia pública contra Cuba, falar que tudo o que eu tinha dito
era uma mentira, que nada daquilo tinha acontecido, que se tratava de
uma campanha do governo cubano. E no Brasil descobri que em Wikipedia
apareço como “membro da Agência de Inteligência dos EUA”.
Em que idiomas?
Está em inglês e francês.
Depois não te procuram mais?
Na
Venezuela, em 2012, fui participar a Feira do Livro de Caracas. Nessa
ocasião, um escritor argentino usou a senha que os agentes da CIA tinham
para se identificar. E no hotel me entregou um pacote de dinheiro, em
dólares, com uma passagem de avião para sair do país. Também acabei
cruzando no hotel com uma funcionária da diplomacia americana, que
durante algum tempo foi minha chefe em Cuba. Todo esse pessoal circulava
livremente em Caracas.
O que mudou na sua vida depois disso?
O
carinho das pessoas, do povo cubano. Mas, minha vida continua igual,
continuo dando aula, tendo meu salário de professor. Nunca fiquei com o
dinheiro dos americanos, tudo era repassado ao governo cubano. Também
não recebi dinheiro do governo cubano. É isso que os americanos não
podem entender, que fiz isso por patriotismo, pelo meu país. Até hoje
acreditam que os denunciei porque não me ofereceram suficiente dinheiro.
Via : Brasil de Fato
VENCEMOS !!! VENCEREMOS !!!
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