Proposta de criar uma área de livre comércio no continente previa adoção do dólar como moeda única e controle dos mercados por empresas dos Estados Unidos.
Por Pedro Rafael Vilela e Bruno Pavan,
De Brasília (DF) e São Paulo (SP)
Crédito: Reprodução |
Há
exatamente uma década, no dia 5 de novembro de 2005, em Mar del Plata,
na Argentina, chefes de Estado dos países de todo o continente americano
se reuniram para a 4ª Cúpula das Américas. A data entrou para a
história porque marca o fim da tentativa dos Estados Unidos de aprovar a
criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com o objetivo
de promover integração social, política, econômica e militar dos países
do continente. Para movimentos sociais de diversos países, a Alca, na
verdade, simbolizava a tentativa dos EUA de consolidar sua hegemonia
sobre o território como estratégia de poder internacional.
Para
essas organizações, no aspecto político, a Alca garantiria a quase
total influência norte-americana sobre os países da região, empoderando
os EUA na disputa com outras potências mundiais, como Rússia, União
Europeia e China. A proposta também previa adaptação das leis nacionais
dos países e padronização da política econômica, incluindo
flexibilização de leis trabalhistas, privatização de serviços públicos e
adoção do dólar como moeda única na região. Haveria livre circulação de
bens e capitais, mas, diferentemente da Europa, por exemplo, não
haveria livre circulação de pessoas e mão-de-obra, permanecendo as
mesmas barreiras de imigração para os Estados Unidos e Canadá. Com a
abertura econômica e as desigualdades entre as indústrias e empresas de
cada país, as companhias privadas norte-americanas, muito mais avançadas
tecnologicamente, passariam a controlar, em poucos anos, os mercados da
maioria dos países, consolidando verdadeiros monopólios econômicos.
No
plano militar, a Alca facilitaria a presença de tropas dos EUA em todos
os países, reduzindo o papel das forças armadas nacionais numa espécie
de “neocolonialismo”. “A Alca aparecia como a joia da coroa. Seria a
realização do plano imperialista de colonizar a região através do
controle econômico, com as soberanias nacionais sendo entregues em
bandejas de prata por governos subservientes”, aponta Socorro Gomes,
presidenta do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela
Paz (Cebrapaz) e do Conselho Mundial da Paz (CMP).
Resistência
Segundo
o doutor em Ciência Política pela USP e professor de Relações
Internacionais da Universidade Federal do ABC, Igor Fuser, a estratégia
criação da Alca começou em meados dos anos 1990 e o projeto foi
enterrado pela confluência de três motivos. Parte dos empresários dos
EUA que atuam no setor agropecuário não queriam abrir mão das barreiras
protecionistas contra produtos do Brasil e da Argentina, o que gerou
certo impasse. Porém, a mobilização popular contra a Alca em escala
continental falou ainda mais alto.
Um dos pontos
altos foi o plebiscito popular realizado no Brasil com mais de 10
milhões de participantes e 98% de rejeição à adesão do país à aliança
comercial. Também pesou na derrocada da Alca a forte resistência de
Venezuela, Uruguai, Argentina e Brasil, que se retiraram da Cúpula de
Mar del Plata por discordarem dos termos propostos.
Ato
O
professor Gustavo Codas, da Fundação Perseu Abramo reforçou, em aula
pública realizada nesta quinta-feira (5) em São Paulo, que uma
combinação de fortalecimento da luta movimentos sociais e a ascenção de
governos populares no continente no início dos anos 2000 conseguiram
fazer com que outra visão de integração regional nascesse com a criação
de mecanismos como a Unasul, Celac e Alba. “O desafio agora é a busca de
um desenvolvimento sustentável, com inclusão social e igualdade”,
acredita.
Até o próximo dia 22, movimentos sociais
da América Latina organizados em torno da Alba (Aliança Bolivariana dos
Povos da América) vão realizar atos em nove países, incluindo Brasil,
Chile, Haiti, Cuba, Venezuela, Peru e Nicarágua para celebrar a derrota
da Alca, mas principalmente discutir os desafios da atualidade. Para o
cientista político e professor Igor Fuser, os EUA e setores do capital
internacional seguem tentando obter o controle econômico da região a
partir de tratados bilaterais de comércio, diretamente com cada um dos
países, mas nos mesmos termos propostos pela Alca.
Ofensiva continua
Apesar
do fim da Alca, continuam acontecendo várias outras tentativas dos
Estados Unidos de ampliar o seu poder econômico diante dos países
latino-americanos. Codas aponta o governo e as transnacionais
norte-americanas buscam “quebrar resistências” no continente por meio
das mobilizações de empresários para desestabilizar governos
progressistas. Outras tentativas são os acordos bilaterais e o Tratado
do Transpacífico.
Um exemplo de como o tema segue
interferindo nos assuntos internos brasileiros é a questão do pré-sal. A
coordenadora geral do Sindipetro, Cibele Vieira, explica que o petróleo
brasileiro é o maior símbolo da importância da luta anti-imperialista
no país.
“Se a Alca tivesse sido provada o pré-sal
não seria mais dos brasileiros. o tema dessa jornada e o que a gente vê
nessa conjuntura nacional, mostram o quão atual é a importância de
barrar a ofensiva imperialista no Brasil”, apontou.
O (não) exemplo do México
Antes
de propor a Alca, os Estados Unidos fecharam um acordo de livre
comércio com México e Canadá, chamando Nafta (na sigla em inglês). Era a
prévia do que seria estendido ao restante do continente, com forte
propaganda midiática. “No entanto, o México, depois do Nafta, enfrentou
grave convulsão social. Com a economia desnacionalizada, aquele país
assistiu a um aumento sem precedentes da miséria e da violência. De
repente o México, que era modelo do que se devia fazer, foi
gradativamente sumindo dos noticiários”, afirma Socorro Gomes, da
Cebrapaz. Os números ajudam a explicar. Na comparação com o Brasil, o
México gerou apenas 3,5 milhões de empregos nos últimos 11 anos,
enquanto aqui foram mais de 16 milhões. Enquanto o Brasil reduziu a
pobreza para cerca de 15% da população, no México mais da metade da
população (51%) vive nessa condição. Não à toa, o país passou a ser o
principal entreposto do tráfico internacional de drogas.
Fonte Brasil de Fato
VENCEMOS !!! VENCEREMOS !!!
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