28 de jun. de 2025

INTERVENÇÃO DO EMBAIXADOR DE CUBA NA ARGENTINA, PEDRO P. PRADA, NA MESA REDONDA INTERNACIONAL “A OFENSIVA IMPERIALISTA NA AMÉRICA LATINA”, CONVOCADA PELO CAPÍTULO ARGENTINO DA REDE EM DEFESA DA HUMANIDADE

                                     
Centro Cultural de la Cooperación, Buenos Aires, 26 de junio de 2025.

Queridos amigos:

Ser a cereja do bolo [1]... felizmente, tivemos um bom churrasco antes e isso nos dá energia para cumprir a tarefa que me foi confiada hoje: encerrar esta mesa e abrir um espaço para refletir sobre os desafios que temos pela frente. E fazê-lo, além disso, a partir de uma experiência nacional que não começa em 1959, com a vitória da Revolução.

Quando, em 1916, Lenin escreveu “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, esse mesmo sistema já instalado nos Estados Unidos da América havia travado sua primeira guerra de espoliação contra as potências coloniais da época, e Cuba havia conhecido suas consequências.

Um pouco antes, desde 1884, um cubano, José Martí, havia descrito com detalhes perspicazes a inter-relação entre os monopólios e a oligarquia financeira e seus esforços para encontrar fora de suas fronteiras novos mercados, áreas de influência e mão de obra barata, no quadro das novas relações internacionais.

Não se tratava da análise econômica de Marx, nem da brilhante interpretação de Lenin, mas Martí, à frente de seu tempo, foi capaz de perceber o extraordinário perigo que representava a nova potência emergente e de prever, além disso, o destino que caberia à sua pátria, última colônia da Espanha, e à Nossa América, caso se erigissem em obstáculos à voraz expansão.

A concretização do velho sonho de Jefferson e Adams de converter a ilha na mais suculenta adição que se poderia fazer à União Americana[2], como parte de sua Doutrina Monroe; a independência frustrada de Cuba em 1898, pela intervenção militar norte-americana; a imposição de um acordo de paz que deixou os cubanos à margem, a nomeação de um administrador neocolonial, a redação de uma Constituição em Washington, emendada pouco depois com uma cláusula[3] que garantia a ingerência e a ocupação – aí está a base de Guantánamo –, e a designação de um presidente, tudo como condição para ser república, foram fatos que marcam nossa história nacional e testemunham o nascimento do imperialismo.

Cuba foi, na primeira metade do século XX, o grande laboratório imperial: da exploração econômica – basicamente do açúcar – e do controle do comércio regional, do qual Havana continuou sendo o epicentro, passou-se à experimentação de processos de socialização do capital financeiro, de fórmulas produtivas e de técnicas comerciais que depois se expandiriam pelo mundo. Além disso, utilizaram Cuba como campo de treinamento de suas forças militares e repressivas e lançaram, a partir da ilha, mais de uma agressão contra outros países da região.

Essa acumulação de fatos acelerou o amadurecimento do pensamento político e social cubano, as lutas populares, acelerou a entrada das ideias mais avançadas da época e alimentou a rebeldia nacional que mais tarde se expressaria contra outras três ocupações militares ianques, contra governos ditatoriais pró-imperialistas e na onda revolucionária iniciada por Fidel Castro, que, sem ter sequer alcançado a vitória, previu que aquela guerra de libertação seria superada por outra mais longa e sangrenta, entre o imperialismo norte-americano e a revolução cubana.

Essa guerra dura há 66 anos. Teve momentos de tiros de canhão, em que experimentaram com soldados próprios, mercenários, napalm ou fósforo. E teve momentos de terror que causaram 3.478 mortos, 2.099 feridos, centenas de desaparecidos no estreito da Flórida, milhares de crianças arrancadas de suas famílias, centenas de atentados contra líderes políticos, embaixadas e diplomatas; mais de um milhão de animais sacrificados pela febre suína, centenas de milhares de hectares de plantações destruídas pela sigatoka* negra, o mosaico, o mofo azul e o thrips palmi *; milhares de seres humanos infectados pela dengue hemorrágica [4].

A joia da guerra imperialista contra Cuba tem sido o prolongado bloqueio econômico, comercial e financeiro, concebido para privar o governo cubano de recursos materiais e financeiros e causar fome, sofrimento e desespero ao povo, para que se levante e derrube seu próprio governo. Um bloqueio que se empenham permanentemente em invisibilizar, embora seja extraterritorial e afunde seus tentáculos em todo o mundo. Um bloqueio que constitui o mais amplo, profundo e complexo sistema de medidas coercitivas unilaterais aplicadas em tempo de paz contra qualquer país por tanto tempo e que, ao condená-lo todos os anos, a ONU tipifica como “genocídio” no artigo II, inciso c, da Convenção que previne e pune esse crime.

Eu já havia dito antes que Cuba tem sido um campo de testes do imperialismo. Sua agressividade contra nossa pátria sempre foi acompanhada pelo que hoje chamamos de fake news, guerra cultural ou cognitiva, subversão ideológica, lawfare e outras formas de exercício do poder “suave”. De fato, a guerra hispano-americana iniciada em 1898 foi lançada com uma operação que combinou a subversão do regime espanhol, com uma sabotagem terrorista contra um cruzeiro norte-americano no porto de Havana e a difusão de notícias falsas – é famosa a mensagem de William Hearst ao correspondente que cobria a guerra de independência: “Você põe as imagens, que eu ponho a guerra” [5].

Assim tem sido até hoje, primeiro para construir o império caricatural de Havana, governado por transnacionais e grupos mafiosos; depois para derrubar o único poder genuinamente livre, independente, democrático e popular, socialista! que se conseguiu constituir na ilha.

Ultimamente, foi notícia que, como resultado do corte de financiamento da USAID e da comunicação governamental nos Estados Unidos, diferentes programas de subversão e radiodifusão para Cuba sofreram cortes – não eliminação. O fato real é que, nos últimos anos, mais de duzentos milhões de dólares foram destinados a esses programas de mudança de regime, e que chegaram a ser transmitidas até 3 mil horas semanais de programas que os apoiavam, mas isso ocorreu ao longo de cada um dos últimos 66 anos.

Além disso, vivemos em um mundo onde os Estados Unidos, as oligarquias nacionais e transnacionais e seus meios de comunicação conseguiram homogeneizar a cultura de massa, o discurso e o pensamento de seus centros de poder com uma uniformidade e disciplina impressionantes.

Talvez por isso tenha passado despercebido que, apenas durante os primeiros cinco meses do atual governo imperialista, Cuba foi reincorporada à Lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo, o que agrava os efeitos do bloqueio, sobretudo no âmbito financeiro, aumenta o risco-país e desincentiva o turismo.

Foi reativado o Memorando Presidencial nº 5 de 2017, que afirma abertamente os objetivos de mudança de regime em Cuba, de restringir o turismo, apoiar a subversão e aplicar o bloqueio através da Lei Helms-Burton.

Empresas e instituições foram reincorporadas à lista de entidades cubanas restritas, com as quais é proibido realizar qualquer transação, e que tem alcance extraterritorial.

A empresa de remessas Orbit S.A. foi incluída na lista de entidades cubanas restritas, o que forçou a Western Union a suspender suas atividades em Cuba, afetando as famílias cubanas.

Reativaram o Título III da Lei Helms-Burton, que permite processar nos tribunais dos Estados Unidos aqueles que investirem em propriedades nacionalizadas em Cuba após a vitória da Revolução, incluindo aquelas que pertenciam a cidadãos cubanos posteriormente naturalizados americanos.

Encerraram o programa de parole humanitário para cubanos e a aplicação do CBP One, para solicitar a entrada por oito portos de entrada nos EUA.

Suspenderam a concessão de vistos a cubanos para intercâmbios culturais, esportivos, acadêmicos, científicos e de qualquer outra natureza.

Restringiram os vistos de entrada nos Estados Unidos para cidadãos cubanos e estrangeiros, e seus familiares, vinculados a programas de cooperação internacional de Cuba, em particular os de saúde, mas também em outras áreas.

Incluíram Cuba na Lista de Países que não aplicam medidas antiterroristas eficazes em seus portos, autorizando a Guarda Costeira a impor requisitos adicionais às embarcações provenientes do território cubano, devido à designação do país como Estado patrocinador do terrorismo.

Proibiram instituições localizadas em Cuba de acessar o repositório de dados dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.

Suspendem as conversações migratórias entre os dois países.

Negam pagamentos e exigem a abertura de contas no exterior a proprietários privados cubanos na plataforma de alojamento Airbnb.

Impõem à Embaixada de Cuba em Washington um regime de notificações prévias a qualquer intercâmbio com autoridades ou visitas a governos locais, estaduais, centros educacionais e de pesquisa, incluindo instalações agrícolas e laboratórios nacionais.

Proibiram a entrada no país de funcionários judiciais, autoridades esportivas e atletas.

Suspenderam a entrada nos Estados Unidos de imigrantes e não imigrantes cubanos em diferentes categorias de vistos que apoiam negócios, turismo, intercâmbios estudantis e acadêmicos.

Além disso, limitaram o acesso a tecnologias americanas de inteligência artificial a um grupo de governos que consideram “adversários estrangeiros”, entre os quais incluíram Cuba.

Figuras de origem cubana no atual governo afirmaram com repugnante franqueza e crueldade que cada medida foi projetada com precisão milimétrica para causar o maior dano possível às famílias cubanas, e que o sofrimento será necessário [6].

Por isso, quando os cubanos falamos de imperialismo, não o fazemos a partir de uma cultura de manual, por termos estudado Lenin e todos aqueles que depois teorizaram sobre este sistema brutal, mas a partir da experiência mais crua, por termos sofrido as consequências das suas políticas durante gerações, especialmente aqueles que nascemos e crescemos depois de 1959.

Todo julgamento da realidade cubana que se regozija com nossas carências, defeitos e erros, e desconhece como o imperialismo atua sobre Cuba e os efeitos dramáticos que causa, como limita nosso desenvolvimento, carece de objetividade. Não se pode falar apenas de números, que seriam razão suficiente: 164 bilhões de dólares, ou 1,5 trilhões a preços do ouro![7] É preciso mencionar os danos humanos, os mortos, aqueles que não deveriam ter morrido, os feridos, os sofrimentos e a fratura das famílias, o adiamento de sonhos, a impotência de desenvolver as próprias forças e inteligência, a impossibilidade de exercer nossa cultura e nossas ideias. Por isso, o principal campo de batalha do imperialismo é nesse âmbito intangível: fazer com que suas vítimas assumam a lógica do carrasco.

A resistência cubana só pode ser compreendida se se entender que parte dela é defender a descolonização do pensamento, essa herança nefasta a que se referiu Frantz Fanon, que paralisa a libertação dos povos. Se percebermos que foram a cultura e as ideias mais avançadas que cimentaram valores e forjaram um caráter e comportamentos realmente livres. Se compreendermos que as verdadeiras transformações sociais só podem ser feitas a partir do povo, com o povo e para o povo, onde o povo é protagonista participante e líder coletivo.

Os mitos da repressão, dos presos, da censura, que podem ser possíveis como atos de autodefesa de um poder legítimo, não explicam como a imensa maioria de um povo resistiu tantos anos de guerra, tantas perdas e tanta dor, e nesse turbilhão de violência, não deixou de ser bom e justo. José Martí nos havia advertido em 1992: a principal guerra que nos é travada é uma guerra de pensamento, e é no pensamento que ela deve ser vencida. Cumprimos até hoje, mas não é suficiente.

Cada ato do imperialismo contra Cuba reafirma uma verdade incontestável: em sua pobreza material e em sua riqueza de espírito, o modelo de sociedade escolhido e construído pelos cubanos é viável, é o mais próximo da liberdade e da democracia com que muitos sonham, é a forma mais justa e solidária de distribuir e compartilhar riquezas em um país pequeno, de recursos escassos, em um mundo governado por forças egoístas e poderosas. E, ao contrário, reflete, como num espelho, tudo o que falta àqueles que tentam impor seu modelo aos outros.

Em resumo: não basta ver a expansão imperial e seus brutais golpes como ameaças desta fase brutal do capitalismo. É preciso assumi-la, sabendo que isso significa ter que viver sem preço. É preciso enfrentá-la em unidade, com firmeza, com clareza de objetivos, com identidade cultural e consciência próprias, com justiça e equidade.

A luta cubana contra o imperialismo também deixou outras lições: o confronto não se circunscreve ao âmbito nacional. Somos parte de um mundo que sofre tanto quanto nós. Basta olhar para Gaza, basta olhar para a loucura de bombardear instalações nucleares no Irã, basta olhar para a guerra na Europa e o ressurgimento do fascismo, basta saber que o antigo império hegemônico já não o é e não aceita alternativas ao seu poder opressor, mesmo que sejam multipolares.

Devo acrescentar que ser internacionalista e solidário tem sido o melhor antídoto anti-imperialista. Combater o imperialismo, onde quer que esteja, é um legado que permanecerá vivo enquanto ele existir. Defender a condição humana em todas as circunstâncias nos protegeu do ódio e de suas diferentes formas de exclusão humana. Marchar unidos em nossa diversidade como povo nos preparou melhor para compreender a diversidade do mundo em que vivemos e também para defender sua unidade sobre bases semelhantes. Insistir em utopias quando outros as desmantelam nos permitiu ter planos, programas e projetos permanentes, adaptados ao seu tempo. Ser rebeldes, insatisfeitos, autocríticos e enfrentar nossos próprios demônios nos salva da fragilidade, do tédio e da decepção, tão comuns na política de nosso tempo. Treinar-nos para construir e defender o que conquistamos garantiu nossa permanência, temperança, criatividade e resiliência, e permitiu que, mesmo na teia de mentiras que nos obscurece mais do que os apagões e nos isola, nossa verdade irrompa como uma luz ardente.

E uma última lição: mesmo que surja um período de paz e entendimento, nem um passo atrás. Não confiem neles, porque, como alertou o Che, “no imperialismo não se pode confiar, nem um pouquinho, nada!”

[1] La coordinadora de la Mesa Redonda Paula Klachko, presidenta del capítulo argentino de la Red de Artistas e Intelectuales en Defensa de la Humanidad, había presentado al Embajador como la frutilla del postre del intercambio

[2] Beveridge, A. (1901): Cuba and Congress. En The North American Review, Vol. 172, No. 533 (Apr., 1901), pp. 535-550 (16 páginas). Consultado en Internet el 25.06.25, en https://www.jstor.org/stable/25105151?seq=1

[3] Se refiere a la Enmienda Platt, aprobada en el Congreso de Estados Unidos para enmendar la Constitución cubana, que llevó al general Leonard Wood, jefe de las fuerzas de ocupación en la isla, a afirmar: “Por supuesto que a Cuba se le ha dejado poca o ninguna independencia con la Enmienda Platt”.

[4] Ver Demanda del pueblo de Cuba al gobierno de los Estados Unidos por daños humanos (1999) – en Internet: http://www.cuba.cu/gobierno/DEMANDA.html- y Sentencia en la Demanda del pueblo de Cuba al gobierno de los Estados Unidos por los daños económicos ocasionados a Cuba (2001) Editora Política, La Habana. El cálculo de los daños se actualiza anualmente en los Informes de Cuba al Secretario general de la ONU sobre el cumplimiento de las resoluciones de la Asamblea General que llaman a Estados Unidos a poner fin al bloqueo económico, comercial y financiero contra Cuba

[5] Hamilton, J. (2924); La explosión del Maine: una guerra basada en fake news. Consultado en Internet el 25.06.25, en https://historia.nationalgeographic.com.es/a/explosion-maine-guerra-basada-fake-news_19919

[6] Se refiere a declaraciones expresadas en diferentes momentos por el hoy secretario de Estado Marco Rubio y por el exfuncionario de la Casa Blanca Mauricio Claver Carone

[7] Informe de Cuba en virtud de la resolución 78/7 de la Asamblea General de las Naciones Unidas, titulada “Necesidad de poner fin al bloqueo económico, comercial y financiero impuesto por los Estados Unidos de América contra Cuba” (2024). Consultado en Internet el 25.06.25 en https://cubaminrex.cu/sites/default/files/2024-09/InformeB2024.pdf

https://atilioboron.com.ar/intervencion-del-embajador-de-cuba-en-argentina-pedro-p-prada-en-la-mesa-redonda-internacional-la-ofensiva-imperialista-en-america-latina-convocada-por-el-capitulo-argentina-de-la-red-en/


** NT: ambas são pragas introduzidas nas lavouras cubanas pelo inimigo  para sua destruição da produção agrícola.

Trad/Ed: @comitecarioca21




Nenhum comentário:

Postar um comentário