Eduardo Galeano
Nunca confundi Cuba com o paraíso. Por que vou
confundi-la, agora, com o inferno?
Eu sou um mais dentre os que achamos
que é possível amá-la sem mentir nem calar.
Faz mais de CINQUENTA anos que o veto imperial se
aplica de mil maneiras, para impedir a realização do projeto da Sierra
Maestra.
Em Cuba, democracia e socialismo nasceram para ser dois nomes da
mesma coisa; mas os donos do mundo só outorgam a liberdade de eleger entre o
capitalismo e o capitalismo.
O modelo do leste europeu, que tão
facilmente se derrubou lá, não é a Revolução Cubana. A Revolução Cubana, que
não chegou de cima nem se impôs de fora cresceu a partir do povo e não contra
ele, nem apesar dele. Isso permitiu
desenvolver uma consciência coletiva de Pátria: imprescindível autorrespeito
que está na base da autodeterminação.
O bloqueio contra Cuba multiplicou-se
com os anos. Um assunto bilateral? Assim dizem; mas ninguém ignora que o
bloqueio norte-americano implica, hoje, em um bloqueio universal. A Cuba
nega-se o pão e o sal e todo o restante. E também implica, ainda que o ignorem
muitos, a negação do direito à autodeterminação.
O cerco asfixiante em torno de Cuba é uma forma de
intervenção, a mais feroz, a mais eficaz, em seus assuntos internos.
Em Cuba há mordomias? Mordomias do turismo? Sem dúvida. Mas o fato é que
não existe sociedade mais igualitária na América. Reparte-se a pobreza: não há
leite é verdade, mas o leite não falta para crianças nem para os velhos. A
comida é pouca. Mas em plena crise segue tendo escolas e hospitais para todos o
que não resulta fácil de imaginar em um continente onde tanta gente não tem outro
professor que a rua, nem mais médico que a morte.
A pobreza reparte-se e
reparte-se. Cuba
segue sendo o país mais solidário do mundo. Cuba foi o
único país que abriu as portas aos haitianos fugitivos da fome e da ditadura
militar, que foram expulsos dos Estados Unidos. Julga-se Cuba como se não
estivesse padecendo há mais de trinta anos, uma contínua situação de
emergência.
Astuto inimigo, sem dúvida, que condena as
consequências de seus próprios atos.
A Cuba ditam-lhe cursos de direitos humanos que assobiam e olham para
outro lado quando a pena de morte se aplica em outros da América e se aplica de
vez em quando, senão de maneira sistemática: queimando negros nas cadeiras
elétricas dos Estados Unidos, massacrando índios nas serras da Guatemala e
metralhando meninos nas ruas do Brasil.
Deixa de ser admirável a incrível valentia desta ilha minúscula,
condenada à solidão, em um mundo onde o servilismo é alta virtude ou prova de
talento? Um mundo que não se vende, se aluga?
Fidel
Castro é um símbolo de dignidade nacional. Para os latino-americanos, que
já estamos cumprindo cinco séculos de humilhação, um símbolo único.
11 setembro, 2018 Diário90
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