2 de jul. de 2019

Crianças migrantes presas nos EUA - Brasil de Fato 1/07/2019



CRISE HUMANITÁRIA

Opinião | O momento de abolir as prisões de crianças migrantes é agora

Jornalistas expõem a situação dos menores presos em centros de detenção como parte da política anti-imigração dos EUA




O que vemos quando olhamos diretamente nos olhos de uma criança? Até segunda-feira, cerca de 350 crianças migrantes permaneciam alojadas em condições inseguras e anti-higiênicas em um centro de detenção temporária da Alfândega e Proteção da Fronteira dos Estados Unidos em Clint, Texas. As poucas pessoas de fora da agência que puderam ver as crianças migrantes ficaram totalmente devastadas. Diante da indignação nacional, o organismo levou os pequenos para outros lugares ainda que no dia seguinte tenham mandado centenas deles de volta às instalações.

Quem parece estar de acordo com esta prática de encarcerar crianças é o diretor interino da Imigração e Controle de Alfândegas, Mark Morgan, que o presidente Donald Trump acaba de transformar em carcereiro-chefe dessas crianças ao nomeá-lo também como diretor interino da Seção de Alfândega e Proteção da Fronteira. Em janeiro deste ano, Morgan disse ao apresentador da Fox News, Tucker Carlson: ‘Me aproximei desses indivíduos que são chamados de ‘menores’, de 17 anos de idade ou menos, e fiquei olhando pra eles. Olhei em seus olhos e disse a mim mesmo: ‘Esses aí em breve serão integrantes da gangue MS-13’”.
Poucas pessoas conseguem ter acesso ao lugar onde estas crianças e jovens estão, o que torna difícil obter informações precisas sobre seu bem-estar. Warren Binford, professora de direito da Universidade de Willamette, faz parte da equipe jurídica que expôs as condições em Clint. Binford compartihou suas observações em uma entrevista para o Democracy Now!:
“Quando chegamos ali na segunda de manhã, imediatamente nos deram uma lista que mostrava que tinha mais de 350 crianças nessas instalações. E então, ao analisar a lista, ficamos desanimados ao ver a quantidade de crianças muito pequenas que estavam ali. Mais de cem crianças pequenas estão detidas ali. Pedimos aos guardas para trazê-las e trazer também aquelas que estavam ali a mais tempo. Vimos que havia cerca de seis mães adolescentes com seus bebês e pedimos aos guardas para trazê-las também”.
A equipe conseguiu entrevistar 60 dessas crianças. A advogada continua: “Estavam doentes. Estavam tossindo. O nariz escorria. Estavam sujas. Imediatamente começaram a descrever como estavam famintas”. O horror se aprofundava a cada entrevista que faziam.“Descobrimos que praticamente ninguém está cuidando destas crianças diretamente, que ficam encerrados nestas celas 24 horas por dia. Em muitas dessas celas só tem banheiros abertos. Não tem sabonete, eles não tem como lavar as mãos. Estão sendo alimentados dentro das celas com comidas processadas e instantâneas, como comentei antes. E muitos deles estão dormindo no chão pela falta de camas e colchonetes e espaço para dormir”. Os guardas entregaram as crianças menores às crianças maiores e lhes disseram para cuidar delas.
Binford continua seu relato: “Depois do segundo dia de entrevistas com estas crianças tivemos uma reunião urgente – de alto nível – no meu quarto de hotel. Nos perguntávamos o que fazer com isso, porque alguém ia morrer. Então chamamos os advogados que estavam a cargo deste caso, descrevemos o que tínhamos visto e perguntamos o que queriam que fizéssemos a respeito. E, pela primeira vez, após mais de 20 anos deste tipo de visitas, nos disseram que deveríamos contatar os meios para poder tirar essas crianças de lá o mais rápido possível”.
Clara Long, pesquisadora da organização Humans Rights Watch, também integrava a equipe. A pesquisadora relatou para o Democracy Now! o caso de uma menina de 7 ou 8 anos de idade: "Eu disse a ela: ‘Com quem você cruzou a fronteira?’ E ela respondeu: ‘Com a minha tia’. Imediatamente começou a chorar tanto que não conseguia falar uma palavra. Enquanto eu tentava acalmá-la acariciando suas costas, vi que ela tinha uma pulseira gravada com marcador permanente, com as palavras ‘pai estadunidense’ e um número de telefone”.
Clara Long prossegue: “Apesar de ser proibido o uso de telefone nessas instalações, tanto eu quanto outros membros da equipe simplesmente decidimos, ‘Que se dane, vamos começar a fazer ligações’. Peguei o telefone, disquei o número e falei com o seu pai. Ele não fazia ideia de onde estava detida sua filha”. Long afirma que muitas crianças detidas tem pais e outros familiares que estão nos EUA legalmente.
O calvário dos migrantes e requerentes de asilo foi revelado quando o jornal mexicano La Jornada publicou a foto de um pai e de sua filha, salvadorenhos, afogados no Rio Grande. Ainda dava pra ver o bracinho dela em volta do pescoço de seu pai. Oscar Alberto Martínez Ramírez, de 25 anos, e sua filha, de 1 ano e 11 meses, foram arrastados pela corrente de água entre Matamoros, México e Brownsville, no Texas, após ter seu pedido de asilo rejeitado na fronteira.
Ao responder uma pergunta sobre a foto, Trump foi previsível e culpou os democratas pela catástrofe na fronteira. O sistema de detenção de imigrantes cresceu drasticamente durante o governo de Obama, mas Trump expandiu ainda mais e com um nível de crueldade sem precedentes. Pelo menos seis crianças morreram enquanto estavam detidas pelo Departamento de Segurança Nacional de Trump. Antes de 2018, há mais de dez anos que uma criança não morria sob a custódia das autoridades de imigração dos Estados Unidos.
Na última semana, foram realizados os dois primeiros debates de candidatos presidenciais democratas. A menos de uma hora da cidade que abrigou os debates, Miami, em Homestead, Florida, mais de 2 mil menores estão presos em um centro de detenção com fins lucrativos administrado pela empresa Caliburn. O ex-chefe de gabinete de Trump, o general John Kelly, faz parte do conselho de diretores. Debater sobre o destino das crianças migrantes é importante, mas a crise de vida ou a morte ao qual estão submetidos exige uma ação imediata. É preciso abolir todas as prisões de crianças migrantes, agora.
Edição: Democracy Now! | Versão em português: Luiza Mançano

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