Marcia Choueri*
Bandeira LGBT hasteada no Minsap nesta segunda-feira |
Este texto tem o mesmo título de um
artigo de Mariela Castro Espín, publicado há um ano originalmente no jornal Granma
e pelo site Cubadebate, que vou comentar. A escolha é pela
atualidade do tema e das informações.
Ela faz um resumo histórico do reconhecimento em Cuba de direitos relativos à liberdade de orientação sexual e identidade de gênero, a partir das conquistas dos direitos das mulheres, que começa desde o próprio triunfo da Revolução. Aliás, é bom lembrar que havia mulheres na luta revolucionária, inclusive a mãe de Mariela, Vilma Espín.
“Entre 1959 e 1961, o jovem Estado Revolucionário aprovou leis muito significativas [...]. Entre elas, ressalta a Lei Fundamental da República de Cuba, aprovada em 7 de fevereiro de 1959, em que se estabeleceu a igualdade de salários entre homens e mulheres.”
Veja só, o Brasil até hoje não tem
uma lei que garanta essa coisa aparentemente tão óbvia. Existe um projeto de
lei, o PLC 130 de 2009, que foi para o Senado em 2011, e aprovado em 30 de
março (mas de 2021), que prevê punições para empresas que paguem salários
diferentes a homens e mulheres que exerçam a mesma função. Mas agora a Câmara
pediu o projeto de volta, alegando que o Senado fez mudanças de conteúdo. Está
tramitando há12 anos, e ainda não foi aprovada.
“Em 23 de agosto de 1960,
constituiu-se oficialmente a Federação de Mulheres Cubanas (FMC), como
movimento organizado e massivo das mulheres na sociedade civil; desde então
articulou-se um projeto próprio, de empoderamento como sujeitos de direito, com
profundo impacto em toda a sociedade, a política e a cultura.”
Assim como a FMC, existem outras organizações de massa em Cuba, criadas praticamente desde o início do período revolucionário: organizações estudantis e juvenis, sindicatos, ANAP (pequenos agricultores), CDR (Comitês de Defesa da Revolução, organizados por quarteirão)… Essas organizações são fundamentais para a democracia cubana. Por exemplo, a Constituição de 2019 foi aprovada por referendo popular, mas antes da votação o texto foi amplamente discutido na base, cujas propostas foram sendo avaliadas nos diferentes níveis de direção e incorporadas, após aprovação.
“Como resultado do trabalho conjunto entre a FMC e o novo Sistema Nacional de Saúde Pública, estabeleceu-se, em 1964, o Programa Nacional de Planejamento Familiar, e em 1965, institucionalizou-se a interrupção voluntária da gravidez, como um serviço gratuito, realizado por profissionais em instituições da saúde pública.”
Isso mesmo! As mulheres cubanas têm
direito a interromper voluntariamente a gravidez, de forma gratuita, por
profissionais em instituições de saúde, desde 1964.
“[...] em 1972 a FMC estabeleceu
um grupo de trabalho multidisciplinar e interssetorial para gestar e desenvolver
um Programa Nacional de Educação Sexual.
“A importância da educação sexual
foi reconhecida no Segundo Congresso da FMC, em 1974, e no Primeiro Congresso
do Partido Comunista de Cuba, em 1975. Desde então, a educação da sexualidade
está expressada na política do Estado, [...].
“As políticas dos anos 60 se
expressaram em novas leis, durante a década de 70, entre as quais se destaca o
Código de Família, aprovado em 1975, como resultado de um amplo processo de
consulta popular. Considerado o mais avançado para sua época em todo o
continente, reconhecia o direito de homens e mulheres a uma sexualidade plena e
a compartilhar as mesmas responsabilidades domésticas e educativas.”
Pois é, aqui, educação sexual é política de Estado desde 1975. E Cuba foi o primeiro país a firmar, e o segundo a ratificar, os compromissos de governo ante a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979.
“A cultura cubana tem uma
forte herança hispano-africana patriarcal, com uma longa tradição homofóbica,
um modelo de dominação imposto pelo sistema colonial espanhol e sua religião
oficial, junto com uma produção científica universal que
estigmatizava a homossexualidade.
Igual a toda a América, sem excluir o Brasil (e o mundo todo, no caso do estigma científico). Nós temos a mesma tradição. A diferença é que em Cuba existem vias institucionais muito mais democráticas. As conquistas e avanços – após discussão em todos os níveis e organizações, com participação da população – se consolidam em definições do Partido e na adoção de políticas de Estado.
“No momento do triunfo da Revolução,
as ciências médicas, psicológicas, sociais e jurídicas do mundo inteiro se
pronunciavam contra a homossexualidade, e a consideravam um exemplo de
enfermidade, loucura, decadência moral e desvio das normas sociais.
Muitos não sabem, ou não se lembram, mas a Organização Mundial da Saúde só retirou o 'homossexualismo' da lista de enfermidades em 17 de maio de 1990. E claro que essa decisão não teve o poder mágico de mudar os (pre)conceitos sobre o assunto. Daí, que no Brasil ainda se fale em “cura gay”, e existam inclusive profissionais da saúde com posições equivocadas sobre o tema.
“David Carter (2004), em seu livro Stonewall, os protestos que
incendiaram a revolução gay, escreveu que, em 1961, as leis que penalizavam
a homossexualidade nos Estados Unidos eram mais duras que as aplicadas em Cuba,
Rússia ou Alemanha Oriental, países usualmente criticados pelo governo
estadunidense por seus “métodos despóticos” (Carter D., p. 16).
Este é um dos enganos preferidos dos identitários do movimento Lgbti+ em relação a Cuba: a perseguição às pessoas não heteronormativas. A verdade é que a direita é extremamente eficiente na criação e divulgação desses mitos. Os comentários nas redes sociais são de total ignorância sobre o assunto, e a verdade só é uma arma eficiente, quando se consegue propagá-la.
A partir daqui, deixo que o texto de Mariela faça a verdade brilhar.
“Compreender a situação atual das
pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais (lgbti+) em Cuba e a
necessidade de colocar sua atenção como objeto de política exige situar-se na
evolução histórica do tema na agenda social da Revolução Cubana.
“O Grupo Nacional de Trabalho de Educação Sexual (Gntes, 1972), liderado pela FMC, tornou-se o Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex) em 1988, e desde então se subordina ao Ministério de Saúde Pública.
O Cenesex tem a missão de contribuir
para o desenvolvimento da Educação Integral da Sexualidade, da Saúde Sexual e
do reconhecimento e garantia dos direitos sexuais de toda a população. Para
isso, desenvolve estratégias educacionais e comunicacionais que incluem
diferentes campanhas nacionais de bem público.”
[…]
“Desde 2008, dedicamos todo o mês de
maio a desenvolver ações educativas e comunicacionais que promovem o respeito à
livre orientação sexual e identidades de gênero, como exercício de justiça e
equidade social, com o nome próprio de Jornadas Cubanas contra a Homofobia e a
Transfobia.
[...]
“As Jornadas Cubanas contra a
Homofobia e a Transfobia impactaram, sem dúvida nenhuma, na visão de país
aprovada no VII Congresso do Partido Comunista de Cuba (2016) e na Assembleia
Nacional do Poder Popular (2017), depois de um rigoroso processo de consulta
popular.
“A Conceitualização do Modelo
Econômico e Social Cubano de Desenvolvimento Socialista e o Plano Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social até 2030 fazem menção expressa à necessidade
de enfrentar toda forma de discriminação, incluindo a motivada por orientação
sexual e identidade de gênero.
“Em total sintonia com isso, desde
2019, nosso texto constitucional reconhece os direitos sexuais e reprodutivos,
proíbe a discriminação das pessoas com sexualidades não heteronormativas,
protege a diversidade familiar e regula de maneira clara o matrimônio como uma
instituição jurídica à qual podem ter acesso todas as pessoas, sem
discriminação de nenhum tipo.
“Claro que falta um longo caminho por percorrer. Por isso, educamos para o amor e a convivência respeitosa, não para a perpetuação de relações de dominação ou de violência. Educamos nos princípios humanistas e democráticos que se inspiram no paradigma emancipador do socialismo, na liberdade como complexa responsabilidade individual e coletiva. Continuaremos trabalhando até alcançar toda a justiça."
*Marcia Choueri é integrante do Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba
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