Por Miguel A. Jaimes N.
Escrevo a um amigo colombiano que é um ardente convencido do interminável Processo de Paz. Digo-lhe: desde que escutei sobre Las Madres de Soacha [As Mães de Soacha] e La Escombrera [O lixão], muitas coisas mudaram para todos nós.
Ele me responde que são anos de massacres, que os
mortos são milhares e estão intactos. Que já vão mais de um quarto de milhão de
seres humanos assassinados, em cinquenta anos de uma feroz violência. Afirmo:
pensei que tinha visto fatos dolorosos na Colômbia, mas a tristeza anda sem
limites.
Rememorar La Escombrera é muito importante,
pois aquele massacre foi ordenado por quem era Ministra de Defesa de Álvaro
Uribe Vélez, “sua mercê” Marta Lucía Ramírez. Hoje, com Iván Duque Márquez,
flamante vice-presidenta da República e Ministra de Relações Exteriores.
Marta Lucía Ramírez é abertamente peça chave do
narcotráfico. Seu irmão, Bernardo Ramírez Blanco, foi preso nos EUA em 1997,
por tráfico de heroína de Aruba a Miami, e sua irmãzinha pagou uma fiança de
150.000 dólares para liberá-lo.
Marta Lucía realizou seus massacres com o chefe dos
paramilitares, Don Berna, e seu esposo, Álvaro Rincón, é sócio de
narcotraficantes dedicados à construção para lavar dinheiro. Sobretudo com um
personagem chamado Sarmiento Angulo, de quem até dona Lucía foi funcionária, pois Sarmiento é o maior dono de
bancos na Colômbia, onde lava o dinheiro dos narcos, e seria o máximo
beneficiário da atual reforma tributária, sendo também o maior responsável nos
casos de corrupção da Odebrecht.
La Escombrera é um lixão localizado numa zona
pobre de Antioquia. Uma parte daquele macabro terreno constitui um setor com
uma profundidade de vinte e cinco metros repletos de cadáveres.
Talvez as autoridades apostem a que esses ossos se
descomponham, como aquilo de que “da terra você veio e à terra retornará”, mas
não é assim; nem mesmo com suas esfarrapadas desculpas, de não investir sete
milhões de dólares para a escavação, vão se livrar. Nada poderá deter uma
verdade que grita por ser desenterrada.
Como pode um país deixar em seu passado milhões de
pedaços de ossos, que continuarão delatando um Estado monstruoso? Só o que nos
falta descobrir agora é que, nos jardins do Palácio de Nariño, ou debaixo do
ostentoso gabinete do presidente da república também haja fossas comuns.
La Escombrera começou pela combativa Comuna 13
de Medellín, onde a esquerda se alojou por cinquenta anos, para combater os
diversos governos. Era uma zona lutadora, de ideias insurgentes e muita
coragem.
Mas um dia chegaram dois helicópteros, mil militares e oitocentos paramilitares, sob o mando de Don Berna, e disseram que aquela era a Operação Orión. Os militares se foram após dois dias, e os sicários ficaram até assassinar mais de trezentos de seus habitantes. Literalmente, um a um, foram caçados.
E, como tinha sido a prática de décadas, todos
foram sepultados naquele lixão de Medellín conhecido como La Escombrera,
onde mais de trezentos seres humanos foram atirados e cobertos com escombros e
lixo.
Aquelas pobres mães, ao saber o destino de seus filhos, confeccionaram bonecos de trapo com cores tristes para recordá-los, e afirmam que devem continuar pedindo justiça para cada um de seus meninos, pois a indiferença mata duas vezes.
Imaginem um Estado fazendo um projeto de
assassinatos, tendo Álvaro Uribe Vélez à cabeça. Mas, para eles, La
Escombrera foi pouco, e dali passaram a Soacha, depois de já ter transitado
pelos Massacres de Urabá, onde a dor não desaparece, como a teia da aranha, que
se desmancha hoje e amanhã aparece de novo.
Naquela farsa, quem poderia esquecer a dor daquelas
mães de Soacha? Agora suas vidas são campos da violência sofrida, quando, em
2008, dezenove de seus filhos foram arrancados e levados para serem
assassinados perto da fronteira com a Venezuela. Desde então, acabaram com a
vida daquelas pobres mulheres.
As Madres de Soacha, no meio de cada semana,
vão até um lugar determinado na Universidade de Antioquia, onde fazem o
exercício de tecer para roubar tempo à tristeza. Trançam as recordações de seus
filhos, soldados anônimos, inexistentes, já que o governo afirmou
despudoradamente que todos morriam em combate, um a um foram acusados de
insurgentes.
Uma delas se chama Carmenza Gómez Romero e toda manhã espera, com o café preparado, a volta de seu filho, Víctor Fernando Gómez; enquanto Marina Bernal, na hora do jantar, leva a comida à sua mesa devastada, esperando seu garoto, Leonardo Porras Bernal.
A Colômbia descobriu que o melhor
método para acabar com tudo isso é sair às ruas e, já que ninguém paga por
tantos crimes e atrocidades, então a melhor decisão foi perder o medo.
Deixaram o medo para trás, do mesmo modo que não
temeram, as mães de nove rapazes abatidos no Massacre de Samaniego, no sábado
15 de agosto de 2020. Todos entre dezessete e vinte e cinco anos, pertencentes
a diversas universidades de Pasto, reunidos, comendo e escutando música, e os
paramilitares, amparados em Iván Duque Márquez, os massacraram.
Se há algo que o Estado colombiano
realmente tem, é um apetite simplesmente criminal, que vem de um parto de
violência, em que não importa nada destruir sonhos e futuro. Um governo culpado
de envolvimento nos assassinatos de quatro candidatos presidenciais, hoje é
capaz de tudo.
Por isso, os protestos iniciados em
abril de 2021 exigem, em primeiro lugar, o respeito à vida para os habitantes
da Colômbia. Esses tiros certeiros no peito, enquanto outros foram assassinados
sob a custódia da polícia, golpeados e eletrocutados, isso tem de acabar.
Quem vai pagar por essas violações
atrozes, em que o governo optou pela institucionalização da criminalidade? Sem
o menor pudor, fingiram ignorância, após os famosos Falsos Positivos[1],
em que mais de seis mil inocentes foram assassinados.
Ante este lúgubre cenário, e apesar
da institucionalização da impunidade, assistiremos ao nascimento de uma nova
Colômbia, uma mudança virá e será irrefreável. Mesmo crescendo a lista de
mortos, desaparecidos e massacrados, nada poderá impedir essa mudança.
Ninguém descansou, desde aqueles
dias finais daquele mês de abril de fúria e dor. Ninguém poderia imaginar
aquele rio de sangue, daqueles que hoje navegam no alto, junto às estrelas. Por
isso, hoje lhe dizemos, Mãe Colômbia, não sofra, pois seus filhos, mesmo longe,
estarão ceiando em outro lugar que não é o seu lar, mas estarão tranquilos.
Hoje, Mãe Colômbia, escrevemos com dor os seus
nomes, mas amanhã, vão pagar essas mãos alheias, que nunca se limparão do
sangue de tantos inocentes. Não devemos esquecer que, no sofrimento, eles ainda
podem nos indicar um caminho, porque no seu protesto tudo era feliz, eles riam,
e ainda continuam dançando de puro prazer, para animar a mais de quarenta
milhões.
Honremos os caídos de antes e os de
agora, neste rebelde abril de 2021, que não se deterá.
Joan Nicolas García Guerrero, de 27
anos.
Michel David Reyes Pérez.
Santiago Andrés Murillo Meneses, de
19 anos.
Jeison García, de apenas de 13
aninhos.
Yarli Parra Burguera.
Cristian Alexis Moncayo Machado.
Dadivir Daza Correa.
Pol Stiven Sevillano Perea, de 19
anos.
Yofri Esteban Cardona Popayán, de 20
anos.
Harold Antonio Rodríguez Mellizo.
Miguel Ángel Pinto Mora, de 28 anos.
Lorwan Stiwen Mendoza Aya, de 30 anos.
Marcelo Agredo Inchina, de 17 aninhos.
Eswin Villa Escobar, de 39 anos.
Kevyn Anthony Agudelo Jiménez, de 22
anos.
Brayan Fernando Niño Araque, de 24
anos.
Wenceslao Solis Sánchez.
Yinson Yair González Ramos.
Jeferson Alexis Marín Morales, de 33 anos.
Jairo Alberto Cuartas Herrán.
Jovita Osorio, de 73 anos.
José Yesit Acevedo Santamaría, de 59
anos.
Pedro Benito Suarez Ariza, de 62 anos.
Cristian
Arturo Hinojosa Murillo, de 26 anos.
Brahian
Gabriel Rojas López, de 26 anos.
Daniel Felipe
Azcarate Falla.
Heinan
Alexander Lasso Chara.
José Emilson
Ambuila.
Maicol López
Cano, de 32 anos.
Sebastián
Quintero Munera, de 27 anos.
Lucas Villa Velásquez, de 36 anos.
Elvis Vivas, de 23 anos.
Dylan Fabriany Barbosa, de 27 anos.
José Augusto Ortiz Cortes.
Jhon Alexander Yotengo Chagüendo, de 32
anos.
Angie Johana Valencia Ordoñez.
Daniel Alexander Zapata, de 20 anos.
Héctor Morales, de 24 anos.
Rosenber Siglas.
Santiago Moreno, de 23 anos.
Jhonatan Alexander Quiñones, de 36 anos.
Mauricio Gonzáles Escobar, de 23 anos.
Julián Vallejo.
Michael Joan Vargas López, de 23 anos.
Julia Navarrete.
Luis Hernán Ladino Bañot.
Angie Paola Baquero, de 29 anos.
Julieth Ramírez Meza, de 18 anos.
Cristian Camilo Hernández Yara, de 26
anos.
Andrés Felipe Rodríguez Ávila, de 23 anos.
Marcela Zuñiga, de 36 anos.
Anthony Gabriel Estrada Espinoza, de 28
anos.
Javier Humberto Ordoñez Bermúdez, de 43
anos.
German Smyth Puentes Valero, de 25 anos.
Julián
Mauricio González Fory, de 27 anos.
Jaider Alexander Fonseca Castillo, de 17
aninhos.
Fredy Alexander Mahecha Vásquez, de 20
anos.
Dilan Mauricio Cruz, de 18 aninhos.
E seis com s siglas N.N., em processo de
verificação.
Até mais…
Miguel A. Jaimes N.
Diretor do Diplomado Internacional em Geopolítica do petróleo.
Maio de 2021
https://www.geopoliticapetrolera.com
[1] Falsos positivos são mais de 6 mil jovens de toda a Colômbia, que foram levados sob a acusação de serem guerrilheiros, e assassinados. Mais de 6 mil jovens devolvidos mortos a suas famílias, sob um falso pretexto. A finalidade dessa operação foi obter um aumento das verbas para as Forças Armadas
Tradução : Marcia Choueri .
Uma homenagem do MST ao povo colombiano
Sigamos juntos, hermanos de Colombia.
ResponderExcluirQue sejam os assassinos julgados e condenados. Para que seja restaurada a Democracia no País.
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