Marcia Choueri
Diante da
campanha midiática contra Cuba destas últimas semanas, cheguei à conclusão de
que as redes têm esse nome porque servem para enREDar. E aí se inclui também a
grande mídia hegemônica.
Quero chamar a atenção para dois
aspectos da campanha: as mentiras em si, e os gatilhos que eu classifico como
linguístico-emocionais. Os dois recursos agem em simbiose, alimentando-se
mutuamente.
Começo pelas mentiras, que no jargão
internáutico ganharam o nome de fake news. Veja como soa mais leve e
simpático em inglês. Mas é mentira mesmo, aldrabice, bafo, balela, falsidade,
fraude, invencionice, lambança… FRAUDE!
A grande mídia (CNN, por exemplo) e
as mídias “independentes” utilizaram fotos de manifestações A FAVOR do governo
cubano, como se fossem contrárias. E escolheram bem, realmente mostravam
multidões. Um observador atento podia ver a bandeira do Movimento 26 de Julho
ao fundo. Utilizaram também fotos de celebrações argentinas por vitória no
futebol, de manifestações no Egito ocorridas em 2011, e por aí vai, tudo como
se fosse da população cubana nas ruas. Eu vi um vídeo de violência policial
“cubana” em que imediatamente identifiquei os uniformes e métodos da PM
brasileira.
Não há ingenuidade ou engano nessa
escolha, é proposital e é crime. Dá pra provar. Mas, ainda que seja possível
processar os autores e até ganhar uma indenização, não há como garantir que
todos os que viram as fraudes sejam alcançados pela verdade, nem se pode apagar
das mentes essas imagens. E, como sabemos, uma imagem vale mais que mil
palavras.
Agora, o que eu considero mais traiçoeiro, o uso malicioso do discurso. O uso – indevido e proposital – de termos que provocam uma reação emocional inconsciente no leitor. Estes dias, pudemos ver em todos esses meios vários desses termos, em relação à ação policial e judicial em Cuba. Por exemplo: violência policial, desaparecidos, julgamentos sumários, menores presos.
Violência policial faz pensar
em quê? Cenas tenebrosas de agentes da lei dando tiros nos olhos dos
manifestantes (como no Chile), uso de balas de borracha, jatos de água que
jogam as pessoas ao chão, seguidos de surras com chutes e golpes de cassetetes
(como em quase todos os países da América e mais a Espanha, França etc.), jogar
pessoas machucadas no camburão, ou talvez arrastá-las pela rua, presas ao
para-choque da viatura (Rio de Janeiro). Violência policial é a que roubou a
vida de milhares de jovens na Colômbia, na operação dos Falsos Positivos[1].
Violência policial é a que mata jovens negros, todos os dias, nas urbes do Brasil.
Houve algo assim na Ilha, para
impedir que os manifestantes seguissem quebrando vitrines, virando carros da
polícia e saqueando supermercados? Não, não houve nada disso. E esses meios não
sabem a verdade? Sabem.
Desaparecidos: este é um dos
termos mais emblemáticos das ditaduras (outra palavra usada e abusada)
militares do Cone Sul, aquelas que foram colocadas e sustentadas no poder pelos
Estados Unidos – isto, sim, provado com documentos oficiais. Desaparecidos são
os milhares de jovens sequestrados pelas polícias das ditaduras do Brasil,
Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, agindo em conluio através do plano Condor.
Jovens cujos corpos até hoje não foram encontrados, que podem estar numa vala
comum em qualquer Perus por aí, ou foram jogados de aviões em alto-mar, alguns
ainda vivos. Desaparecidos são as pessoas sequestradas por milicianos no Brasil
e que nunca mais são encontradas, com a indolência/conivência do Estado.
Quem são os desaparecidos de Cuba?
Foram divulgadas listas com nomes incompletos, sem número de documento ou
endereço, e até o nome do presidente do ICAIC – Instituto Cubano de Arte e
Indústria Cinematográfica foi incluído numa delas.
Julgamentos sumários: este é
um gatilho para os mais velhos. Faz pensar em quê? “Paredón”? Sibéria? Expurgos
de Stálin?
O que aconteceu em Cuba nestas duas
semanas? As pessoas presas em flagrante durante os distúrbios estão sendo
processadas. Em muitos casos, ainda estão sendo investigadas, para verificar
seu nível de envolvimento. Algumas, com acusações mais simples – como desordem
pública, instigação a delinquir, desacato, danos materiais – já foram julgadas
pelos tribunais municipais. Pela lei cubana- como em muitos países - esses processos são mais rápidos,
mas com plena garantia do direito de defesa. E cabe recurso das decisões. É bom
lembrar que justiça demorada, como se pratica no Brasil, é fonte de injustiça.
Uma parte dos que já foram julgados foram absolvidos, a outros foram impostas
medidas administrativas (multa), e alguns receberam penas de até um ano de
detenção.
Menores presos: Olha o
gatilho: fundação Casa (Febem, lembra?), crianças palestinas em prisões de
Israel, crianças escravizadas exercendo trabalhos insalubres, como a extração
do cacau ou do nióbio.
Há menores presos em Cuba? Em Cuba,
são imputáveis os maiores de 16 anos, mas os condenados de até 20 anos recebem
tratamento diferenciado.
Veja agora trechos de uma matéria
publicada pelo uol em 24 de julho: “Uma adolescente de 17 anos foi condenada a
oito meses de prisão ² em um dos julgamentos sumários que ocorreram na
ilha após protestos recentes contra o governo […]”. Julgamentos sumários, e
protestos, em vez de distúrbios, que é o que de fato aconteceu.*
“Ela [a mãe] acrescentou que não
sabe para onde sua filha foi transferida após o julgamento, que em sua
opinião foi realizado sem apresentar provas […].” Naquele momento a mãe não
sabia, isso é informação jornalística? E na opinião dela não havia provas.
Opinião da mãe. Não dava pra procurar alguém que tivesse conhecimento
especializado?
“A recente onda de prisões e
julgamentos sumários em Cuba foi criticada por diferentes governos e
organizações internacionais.” A uol não sabe que governos que comentam as ações
internas dos governos de outros países estão infringindo as normas
internacionais? Alguém já viu o governo norte-americano criticar a violência da
polícia colombiana ou israelense?
“O Observatório Cubano de
Direitos Humanos informou […] que documentou a prisão ou desaparecimento de
pelo menos 757 pessoas […].” Esse Observatório é uma ONG espanhola publicamente
financiada pela NED , uma agência norte-americana que serve de testa de ferro da
CIA, para distribuir os recursos às organizações de direita pelo mundo. Até eu
sei disso, basta googlear. A uol não sabe?
“Ela [a mãe] especificou que
Zequeira foi presa por ‘vespas negras’, como são conhecidos em Cuba os
integrantes da Brigada Nacional Especial […] que nesta semana foi sancionada
pelos Estados Unidos por ‘reprimir’ manifestantes.” A brigada é conhecida por
“boinas negras” (adivinhe a cor da boina que eles usam), desconfio que tentaram
fazer um link com a “rede vespa”, aquela dos 5 Heróis e do filme. E outra: a
uol não sabe que o presidente dos Estados Unidos NÃO tem jurisdição sobre Cuba?
Que ele sancionar uma entidade cubana é ingerência? Que viola as normas do
Direito Internacional? Isso não merece uma matéria? Ou, pelo menos, um
comentário?
Comentei a matéria da uol, como
poderia ter comentado de centenas de outros meios. Basta digitar Cuba no Google,
que chovem artigos e reportagens repletos desses truques e fraudes. Sim,
FRAUDES.
E este artigo é só sobre a campanha
contra Cuba, mas os mesmo recursos são utilizados o tempo todo, contra governos
e organizações que desagradem os donos do poder.
O que fazer? Não é uma tarefa fácil. Acho que divulgar a verdade é importante, mesmo que o nosso alcance, em comparação, seja tão limitado. Estar atento às manipulações, aprender e ensinar a ler desconfiando, usando a razão para desmontar os gatilhos emocionais. E perguntar-se sempre que interesses são atendidos por aquela “informação”.
[1] Falsos positivos são mais de 6 mil
jovens de toda a Colômbia, que foram levados sob a acusação de serem
guerrilheiros, e assassinados. Mais de 6 mil jovens devolvidos mortos a suas
famílias, sob um falso pretexto. A finalidade dessa operação foi obter um
aumento das verbas para as Forças Armadas.
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