Marcia Choueri
Nota: contém informações extraídas do artigo “The bay of Tweets:
Documents point to US Hand in Cuba Protests”, de Alan Macleod, publicado por MPN
News em 16-07-21.
www.mintpressnews.com/documents-point-to-us-hand-in-cuba-protests/277987/
Todo mundo que passeia pelas
redes sociais pôde ver, nos últimos dias, sob os mais diversos ângulos, imagens
de protestos em Cuba. No dia 11 de julho, em diversas localidades da Ilha,
grupos de pessoas saíram às ruas gritando frases contra o governo. Em vários,
houve distúrbios violentos, com depredação e saqueio de lojas, destruição de
carros da polícia e até de uma clínica infantil.
Como foi também divulgado, o presidente da República foi
com outros dirigentes do Partido a um desses eventos e conversou com os
manifestantes. E todos os atos foram controlados, sem que a polícia utilizasse
meios de repressão antimotim, como acontece em tantos outros países.
Também já ficou clara a intensa utilização de fotos e
vídeos falsos pela grande mídia internacional, para construir um factoide sobre
a situação em Cuba.
Mas uma das perguntas mais importantes é: o que ou
quem está por trás desses eventos? Serão manifestações espontâneas, de
uma população cansada de passar necessidades? Muito espontâneas, sabemos que
não foram, porque se deram de forma praticamente simultânea. Além disso, foram
imediatamente postadas e replicadas por páginas e sites do exterior que se
dedicam a combater o sistema da Ilha. Eles já as esperavam.
Também se sabe que houve uma preparação da opinião
pública, anterior ao 11 de julho, com a hashtag “SOSCuba” e um pedido
injustificável de uma “intervenção humanitária” em Cuba, o que, no jargão
bélico contemporâneo, significa intervenção militar.
É evidente que aí está a mão da comunidade
cubano-americana contrarrevolucionária da Flórida. A designação é assim longa
porque nem todo cubano-americano é opositor. De fato, os contras são uma
minoria, um grupo de direita, rançoso e vingativo, que não perdoa Cuba por ter
escolhido outro caminho, que não o da ditadura que eles apoiavam.
Essa é a parte mais visível. Mas, para ter todos os dados, é preciso cavar um pouco mais.
Quem paga a quem estimula os protestos?
Os protestos foram imediatamente apoiados por músicos de
hip hop cubanos domiciliados nos Estados Unidos, entre eles, o rapper Yotuel,
autor de “Patria y Vida”. Esse rap foi lançado no início deste ano e causou
muita polêmica, porque seu título ironiza a palavra de ordem “Patria o Muerte”,
lançada por Fidel em 1960, no enterro das vítimas do atentado terrorista que
explodiu o navio La Coubre no porto de Havana.
Veja o que disse o senador Marco Rubio, feroz inimigo de
Cuba: “ [...] os protestos que estamos presenciando foram iniciados por
artistas, não por políticos. Esta canção 'Patria y Vida' explica poderosamente
como se sentem os jovens cubanos. E seu lançamento foi tão impactante, que você
será preso se o pegam cantando-a em Cuba”. Além da mentira sobre ser preso por
cantar uma música em Cuba, percebe-se a intenção de atribuir os protestos a um
inocente reclamo da juventude, e não a uma desonesta ação política.
Essa versão foi reforçada por grandes meios, como National
Public Radio e The New York Times, que publicaram artigos sobre a
canção e como estava impulsionando o movimento.
Agora, o que esses artigos não mencionam é que muitos rappers
cubanos, como Yotuel, foram recrutados pelo governo estadunidense para
estimular o descontentamento em Cuba. Publicações recentes de subvenções da
National Endowment for Democracy (NED) – organização criada pela administração
Reagan como testa de ferro da CIA – mostram que Washington está tentando
infiltrar-se na cena artística cubana para conseguir uma mudança de regime.
Financiam um projeto chamado "Empoderar os artistas
cubanos de hip-hop como líderes na sociedade", cujo objetivo é
"promover a participação cidadã e a mudança social" e
"criar consciência sobre o papel que têm os artistas de hip-hop no fortalecimento
da democracia na região” (grifei os eufemismos). Outro, chamado
"Promoção da liberdade de expressão em Cuba através das
artes", afirma que está ajudando artistas locais em projetos relacionados
com "democracia, direitos humanos e memória histórica", e que ajuda a
"aumentar a consciência sobre a realidade cubana".
Outras operações que a NED financia
atualmente incluem a melhora da capacidade da sociedade civil cubana
para "propor alternativas políticas" e a "transição para a
democracia". Mas a agência nunca divulga com quem trabalha dentro de Cuba.
“’O Departamento
de Estado, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
[USAID] e a Agência dos Estados Unidos para a Mídia Global [USAGM] financiaram
programas para apoiar artistas, jornalistas, blogueiros e músicos cubanos’,
informou Tracey Eaton, jornalista que dirige The Cuba Money Project, a
MintPress. ‘É impossível dizer quantos dólares de impostos estadunidenses foram
destinados a esses programas ao longo dos anos, porque os detalhes de muitos
projetos são mantidos em segredo’, acrescentou”.
A USAID oferece
atualmente uma subvenção de fundos no valor de 2 milhões de dólares a grupos
que utilizam a cultura para obter uma mudança social em Cuba. O anúncio
afirma: “Artistas e músicos saíram às ruas para protestar contra a repressão
do governo, produzindo hinos como 'Patria y Vida', que não apenas trouxe mais
consciência global sobre a difícil situação do povo cubano, mas também serviu
como um grito de guerra pela mudança na Ilha".
No mesmo artigo de MintPress, a professora Sujatha
Fernandes, socióloga da Universidade de Sydney e especialista na cultura
musical cubana declara: "Durante
muitos anos, sob a bandeira da mudança de regime, organizações como a USAID
tentaram infiltrar-se em grupos de rap cubanos e financiar operações encobertas
para provocar protestos juvenis”.
Mas as organizações estadunidenses
estão enfocando recursos também em outras áreas, como o jornalismo esportivo –
que a NED espera utilizar como um "veículo para narrar as realidades
políticas, sociais e culturais da sociedade cubana" – e os grupos de
gênero e LGBTQ +. A tentativa de instrumentação de movimentos identitários é
velha conhecida também nos outros países da região.
Para que não fiquem dúvidas sobre as intenções
estadunidenses de continuar com a ingerência na vida da Ilha, o Orçamento de
Verbas da Câmara, publicado no princípio deste mês, reserva até 20 milhões de
dólares para "programas de democracia" em Cuba, incluídos os que
apoiam a "livre empresa e as organizações empresariais privadas". O
que se entende por "democracia" está esclarecido no documento, que
estabelece que "nenhum dos fundos postos à disposição em virtude do
referido parágrafo poderá ser utilizado para ajudar o governo de Cuba".
Portanto qualquer menção de "democracia" em Cuba é quase sinônimo de
mudança de regime.
Mas o império não
quer que suas mãos apareçam. Tentam, de todas as formas, construir uma
pseudo-realidade de que as manifestações surgiram do próprio povo cubano,
insatisfeito com a situação econômica do país e com um “governo repressor”:
Em um comunicado oficial da Casa Branca, a
subsecretária interina para o Gabinete de Assuntos do Hemisfério Ocidental do
Departamento de Estado, Julie Chung declara: “Apoiamos o povo cubano e seu clamor
por liberdade”, e acrescenta: "O povo de Cuba continua expressando com
valentia seu desejo de liberdade frente à repressão. Fazemos um chamado
ao governo de Cuba a abster-se da violência, escutar as demandas de seus
cidadãos, respeitar os direitos dos manifestantes e jornalistas. O povo cubano
esperou bastante por Liberdade!”
Os republicanos foram mais longe ainda. O prefeito de Miami (de onde mais?), Francis Suárez, exigiu que os Estados Unidos interviessem militarmente e disse à Fox News que o país deveria formar uma "coalizão de ação militar potencial em Cuba". Por seu lado, o congressista da Flórida Anthony Sabbatini pediu uma mudança de regime na Ilha.
E as redes sociais?
As redes sociais tiveram um
papel fundamental para converter o que era apenas um protesto localizado em um
evento nacional. Mary Murray, diretora da NBC para a América Latina,
destacou que, somente quando as transmissões ao vivo dos eventos foram ao ar,
impulsionadas pela comunidade de expatriados em Miami, "começou a pegar
fogo", indicando que a expansão do movimento foi, pelo menos parcialmente,
induzido de fora. Depois que o governo dificultou o acesso às redes, os
protestos cessaram.
Como disse a
MintPress o escritor Arnold August, autor de uma série de livros sobre Cuba e
as relações cubano-estadunidenses, grande parte da atenção que os protestos
estavam recebendo era resultado de uma atividade não autêntica.
O lançamento de #SOSCUBA, dias antes
dos protestos, também foi parte da operação. Em poucos dias, essa etiqueta gerou mais de 120.000 imagens no Instagram. A
primeira conta que a usou no Twitter estava localizada na Espanha e publicou
quase 1.300 tuítes em 11 de julho. A hashtag também foi impulsionada por
centenas de contas que tuitavam exatamente as mesmas frases em espanhol,
inclusive com os mesmos pequenos erros de digitação.
“Cuba
atraviesa la mayor crisis humanitaria desde el inicio de la pandemia.
Cualquiera que publique el hashtag #SOSCuba nos ayudaría mucho. Todos los que
vean esto deberían ayudar con el hashtag".
"Los cubanos no queremos el fin
del embargo si eso significa que el regime y la dictadura se mantienen,
queremos que se vayan, no más comunismo".
Esta última foi tão repetida, que se converteu em um meme
por si mesma, com os usuários das redes sociais fazendo paródias, postando o
texto junto com imagens de manifestações ao lado da Torre Eiffel, de multidões
na Disneylândia ou da posse de Trump. O jornalista espanhol Julián Macías Tovar
também classificou de suspeita a quantidade de contas novas usando a hashtag.
A operação foi tão grosseira, que
era inevitável ser descoberta. Muitas das contas, inclusive a do primeiro
usuário da hashtag #SOSCuba, foram agora suspensas por comportamento não
autêntico. Entretanto o próprio Twitter decidiu colocar os protestos na parte
superior de seu "O que está acontecendo" durante mais de 24 horas, o
que significa que todos os usuários foram notificados, decisão que amplificou
ainda mais o movimento de assédio
virtual.
O Twitter demonstra há muito tempo
uma aberta hostilidade com o governo cubano. Em 2019, tomou medidas coordenadas
para suspender praticamente todas as contas dos meios estatais cubanos, bem
como as pertencentes ao Partido Comunista. Isto foi parte de uma tendência mais
ampla, de eliminar ou proibir contas favoráveis aos governos que o Departamento
de Estado dos Estados Unidos considere inimigos, incluídos a Venezuela, China e
Rússia.
Em 2010, a USAID criou em segredo
uma aplicação cubana de redes sociais chamada Zunzuneo, muitas vezes
descrita como o Twitter de Cuba. Em seu auge, tinha 40.000 usuários cubanos, um
número muito grande para aquele momento na famosa ilha escassa de Internet.
Nenhum de seus usuários sabia que a aplicação havia sido desenhada e
comercializada em segredo pelo governo dos EUA. O plano era criar um grande
serviço que pouco a pouco começaria a alimentar os cubanos com a propaganda de
mudança de regime e os dirigiria a protestos e "turbas inteligentes"
destinadas a desencadear uma revolução do estilo colorida.
No esforço por ocultar sua
propriedade do projeto, o governo dos EUA reuniu-se secretamente com o fundador
do Twitter, Jack Dorsey, com o objetivo de que investisse no projeto. Não está
claro em que medida Dorsey ajudou, se é que ajudou, já que se recusou a falar
sobre o assunto. Este não é o único aplicativo antigovernamental que os Estados
Unidos financiaram em Cuba. Entretanto, considerando tanto o que aconteceu
nesta semana, como os laços cada vez mais estreitos entre Silicon Valley e o
Estado de Segurança Nacional, é possível que o governo dos EUA considere
desnecessários mais aplicativos de encobrimento: o Twitter já atua como
um instrumento para a mudança de regime.
Mas, apesar da monumental cobertura
mediática mundial, o alento e a legitimação dos líderes mundiais, incluído o
próprio presidente dos Estados Unidos, a recente ação se apagou em apenas 24
horas. Na maioria dos casos, os contraprotestos diluíram efetivamente os
protestos, sem necessidade de mobilizar forças repressivas.
O governo dos
Estados Unidos pode causar miséria econômica ao povo cubano, mas parece que não
pode convencê-lo a derrubar seu governo. “Os acontecimentos atuais em Cuba
constituem em realidade o USS Maine de 2021”, disse August. E acrescenta, com
uma alusão irônica à desastrosa tentativa de invasão da baía dos Porcos: “Se
isso foi realmente uma tentativa de revolução colorida, não foi muito exitosa,
e chegou a pouco mais que uma baía de tuítes”.
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