Maria do Carmo Leite
Em 25 de setembro de 2022, os cubanos viveram um momento transcendental na história do país, dia em que se realizou o referendo sobre o Código das Famílias. A lei, destinada a dar respostas jurídicas aos conflitos que fazem parte de discussões em esfera mundializada, foi o assunto constante de debates em escolas, locais de trabalho, redes sociais, canais de televisão e transportes. O Projeto aprovado pela Assembleia Nacional de Poder Popular foi publicado em 12 de janeiro de 2022, para dar seguimento ao processo de consulta popular entre 1º de fevereiro e 30 de abril. Mais de 78 mil pontos de encontro foram concebidos em todo o território cubano, além de 109 circunscrições especiais em embaixadas e consulados de Cuba no exterior.
Como resultado, cerca de seis milhões de cidadãos participaram da discussão, gerando 300 mil intervenções dos eleitores, com 434 mil propostas ao anteprojeto de lei. O matrimônio igualitário, a responsabilidade parental, a adoção, a filiação assistida e o combate à discriminação foram os temas que suscitaram a maior quantidade de sugestões. Isto, por si só, já é uma conquista.
Mais do que derrubar tabus e barreiras machistas, se introduziram novos conceitos compatíveis com a realidade econômico-social da Ilha, sendo possível afirmar que muitos cubanos terão agora a possibilidade de legitimar uniões de fato, com todos os benefícios legais; que outros, cuja maternidade e paternidade foram limitadas por vários motivos, terão acesso a amplas possibilidades. Mais ainda, o que se busca é comunicação entre todos os membros das famílias na busca de soluções, onde a violência de gênero seja totalmente rejeitada.
O Código está desenhado para desmantelar estereótipos enraizados nas veias da sociedade, a herança discriminatória colonial, que foi sendo configurada historicamente por mais de quatro séculos.
Contudo, entre o fundamentalismo religioso e voto de “castigo”, dos que não sabem diferenciar entre a dura realidade econômica que Cuba enfrenta e os direitos contidos no código, o resultado obtido de aprovação, em torno de 66% dos votantes, significa uma vitória aos que querem o país mais feliz.
Por certo, a mídia hegemônica no Brasil, partindo dos valores que a sustentam, não soube diferenciar o conceito de “gestação solidária”, previsto no código, de “barriga de aluguel”. Também fingem desconhecer que a homossexualidade era considerada crime na Inglaterra e no País de Gales até 1967, na Escócia até 1980 e na Irlanda do Norte até 1982. Aliado a isso, que as relações homossexuais ainda são consideradas ilegais em cerca de 70 países e punidas com a pena de morte em outros, lembrando ainda que a Assembleia-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), somente no dia 17 de maio de 1990, retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, declarando que "a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão".
A homofobia em Cuba, desde as concepções herdadas do capitalismo, não fugia à regra presente em muitos países, mas, já em 1989, uma resolução ministerial criou o Centro Nacional de Educação Sexual, que sublinha o respeito à diversidade sexual. Na década de 1960, como foi reconhecido, o país tratou de forma imprópria as questões da sexualidade. Entretanto, durante o mesmo período, em vários países europeus, injeções eram aplicadas para curar a homossexualidade. Fidel fez, anos atrás, uma autocrítica não por ter ordenado, mas porque não se preocupou suficientemente com o que estava acontecendo. Esclarecido que Cuba cometeu erros neste campo, seria prudente sabermos quantos e quais países fizeram os progressos que a Ilha teve nas últimas décadas.
Por fim, a mídia finge ignorar que se somos no Brasil os campeões de crimes contra homossexuais é porque o Estado é omisso e as autoridades são cúmplices.
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