2 de dez. de 2022

Porque Cuba está no coração do mundo

                                 

 Iroel Sánchez

"E nunca esqueceremos que somos parte desse mundo, que nossa sorte é a sorte desse mundo, que nossa vitória é a vitória desse mundo contra o imperialismo, e que a derrota desse mundo seria a nossa derrota e nossa escravidão!"

Fidel Castro, Discurso de encerramento do XII Congresso da Central de Trabalhadores de Cuba. 29 de agosto de 1966.

       Lá por março de 2014, no alvorecer do que seria o projeto contrarrevolucionário Cuba Posible, em entrevista concedida a uma correspondente de Miami na Ilha, um dos assíduos contribuintes do mencionado projeto aconselhava Cuba no tocante a suas relações com os Estados Unidos: “é melhor, para o participante mais fraco, adotar mudanças que o façam caber ou entrar num quebra-cabeças maior, onde predomina a liderança norte-americana”. O entrevistado lamentava que os dirigentes cubanos “não se sintam cômodos com o mundo dessa maneira e façam todo o possível para mudá-lo”.

       Realmente, na relação de Cuba com um país vizinho que tem uma população que é trinta vezes a sua, e que é o poder econômico e militar mais importante do mundo, a assimetria é tanta, que a proposta de se unir ao jugo e perder da frente a estrela martiana, aceitando o mundo tal como é e renunciando a mudá-lo, poderia parecer atraente a alguns que pensam mais como estadunidenses que como cubanos. O plattismo e o fatalismo geográfico têm sua parte na história nacional, coisa que se ensina, não nas universidades estadunidenses, e sim na escola primária nacional.

      Também se ensina às crianças cubanas, ainda que alguns não o aprendam bem ou, quando adultos, pretendam esquecê-lo, que até 1959 Cuba era um país com monocultura (de cana), em terras de propriedade norte-americana, mas situadas em seu território, que exportava um único produto (açúcar) a um único mercado: Estados Unidos. As empresas estadunidenses tinham comprado as melhores terras a preço de alguns centavos por alqueire, depois de uma guerra em que seu governo interveio de maneira oportunista, quando os cubanos tinham encurralado o maior exército que a Espanha teve na América

      Desde o início daquela contenda pela independência de Cuba e Porto Rico, José Martí, seu principal organizador, deixaria escrito para a posteridade sua intenção de interferir em assuntos incômodos: “É um mundo, o que estamos equilibrando; não são só duas ilhas que vamos liberar”, e definiria também que o que fez e faria era para, “com a independência de Cuba, impedir a tempo que os Estados Unidos se estendam pelas Antilhas e caiam, com mais essa força, sobre nossas terras da América”.

      Martí foi um homem que, com uma visão universal, escreveu sobre as lutas dos povos nos mais diversos entornos. Sua primeira obra literária (Abdala) está situada no Oriente Médio, e é difícil encontrar um povo defensor da própria soberania que não tenha tido a seu lado a pena martiana. Da Irlanda ao Vietnã, assim como os povos originários do que ele chamou Nossa América, receberam dele o olhar atento e profundo sobre suas resistências, assim como os operários de Chicago que o mundo do trabalho honra em cada primeiro de maio.


La isla de Cuba. Roberto Fabelo, óleo sobre tela.

              Martiano exemplar, Fidel compreendeu que limitar a ação da Revolução no campo internacional à denúncia das agressões do imperialismo estadunidense, sem tentar, ao mesmo tempo, mudar o entorno em que este as apoia, seria suicida para os revolucionários cubanos. Por sua visão martiana humanista e universal, mas também pela compreensão de que essa enorme assimetria só pode ser equilibrada com uma participação ativa e ampla no cenário internacional. Por isso, longe de conceber as relações entre os Estados Unidos e Cuba apenas como um problema bilateral, ou reduzi-las ao tema do bloqueio econômico, sempre teve delas uma visão integral e global.

        Das nacionalizações e dos Cinco pontos da Crise de Outubro ao Juramento de Baraguá, passando pelas batalhas contra a extraterritorialidade do Título III da Lei Helms-Burton, contra o Plano Bush, pelo regresso do menino Elián e pela liberdade dos Cinco antiterroristas cubanos injustamente condenados nos Estados Unidos, o Comandante fez da luta anti-imperialista um instrumento de coesão social, com o povo como protagonista, uma razão para a mobilização popular em Cuba e da opinião pública internacional, que impusesse um alto custo político ao adversário.

       Da ajuda aos movimentos de liberação nacional e à formação em massa de profissionais do Terceiro Mundo, ao envio de brigadas médicas e à exportação de competitivos produtos biotecnológicos, incluindo suas recentes e muito efetivas vacinas contra a covid 19, o papel de Cuba no mundo foi e é mil vezes superior ao que se pode esperar de um pequeno país resistente nas fronteiras do maior império da história.

       O imperialismo estadunidense não é um problema de Cuba, é um problema da humanidade. As políticas dos Estados Unidos não ameaçam apenas Cuba, ameaçam a própria sobrevivência da espécie humana. O surgimento de novas e crescentes contestações a essas políticas reconhece esse papel que a Ilha sustentou, como símbolo de resistência a essa pretensão hegemônica. 

       Isso é o que explica a impressionante, diversa e solidária recepção que a delegação encabeçada pelo Presidente cubano Miguel Díaz-Canel acaba de ter na Argélia, Rússia, China e Turquia, logo após o trigésimo contundente repúdio na ONU ao bloqueio econômico dos Estados Unidos contra Cuba, ou a desqualificação quase unânime de uma Cúpula das Américas sem os cubanos. Não é só que esses países apoiem Cuba, é também que, ao apoiá-la, sabem que estão apoiando a si mesmos em uma hora crítica, em que as ordens de Washington já não são obedecidas nem na Arábia Saudita. 

      De novo, sintetiza Martí: «Cuba não anda como pedinte pelo mundo, anda como irmã e, ao se salvar, salva, e atua com essa autoridade”. É sabido pelos amigos e inimigos, como devemos saber aqui, que, para manter essa autoridade com que o mundo admira a palavra Cuba, o decisivo é o que fazemos nesta ilha com esse apoio e, mais além, quem somos os que nos chamamos cubanos.

                                   



Publicado por: La pupila insomne   Tradução: Marcia Choueri*

Edição: *Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba 

                                   



               

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