Por Manolo de los Santos
Em setembro de 1960, no coração da América
Negra, o Hotel Theresa, no Harlem, se tornou o palco de um dos encontros mais
monumentais do mundo.
Quando Malcolm X e Fidel Castro se encontraram
lá, 65 anos atrás, o próprio Harlem se tornou um ponto de encontro de fervor
revolucionário. O encontro deixaria uma marca indelével não apenas na cidade de
Nova York, mas em todo o mundo, tornando-se um momento decisivo que ajudou a
moldar a consciência de gerações de combatentes da liberdade e acelerou o ritmo
da luta pela libertação nos Estados Unidos e em todo o mundo.
O encontro entre Fidel e Malcolm X no Hotel
Theresa não foi uma mera oportunidade para fotos, mas um símbolo poderoso de
uma era de revolução e lutas de libertação nacional cristalizadas em um abraço
entre dois jovens revolucionários que enfrentaram a ira do império americano e
enviaram uma mensagem poderosa contra a hegemonia americana e a opressão
racial.
Este evento, fruto de circunstâncias e
desafios, permanece profundamente relevante hoje, especialmente no contexto dos
debates globais sobre autodeterminação e da luta contínua pela libertação
palestina. Assim como a Revolução Cubana de 1960, que personificou os sonhos e
aspirações dos povos oprimidos em todo o mundo, a causa palestina e o povo de
Gaza servem hoje como uma bússola para aqueles que buscam mudar o mundo. O
inquebrantável espírito de resistência de Gaza tornou-se um símbolo poderoso
para uma nova geração de ativistas que lutam pela libertação em todo o mundo.
A hostilidade dos Estados Unidos e a recepção
do Harlem
A visita de Fidel Castro a Nova York para a 15ª
sessão da Assembleia Geral da ONU foi recebida com hostilidade pela elite
americana. Quando ele e a delegação cubana foram inicialmente hospedados no
Hotel Shelburne, no centro da cidade, a gerência exigiu um alto depósito em
dinheiro de US$ 20.000 por "danos", e o Departamento de Estado dos
EUA restringiu seus movimentos. Este foi um claro ataque político, parte de uma
campanha mais ampla dos EUA para isolar a incipiente Revolução Cubana, à medida
que a sabotagem da CIA e os ataques terroristas na ilha começavam a ganhar
força.
Foi nesse momento de tensão diplomática que um
grupo de líderes negros, incluindo Malcolm X, interveio. Convidaram Fidel e a
delegação cubana para o Hotel Theresa, um ponto central da vida cultural e
política afro-americana no Harlem. Fidel aceitou, transformando uma afronta
diplomática em uma poderosa declaração política contra a tentativa do governo
Eisenhower de silenciá-lo. Ao se mudar para o Harlem, Fidel causaria uma dor de
cabeça para Washington ao destacar intencionalmente a hipocrisia de uma nação
que se proclamava defensora da democracia e da liberdade no exterior, enquanto
seus cidadãos negros enfrentavam segregação e opressão sistêmicas em casa.
A atmosfera no Harlem era eletrizante. Milhares
de pessoas, desafiando a chuva, reuniram-se em frente ao Hotel Theresa para
aplaudir o líder revolucionário, demonstrando o apoio popular entre os
afro-americanos à luta de Cuba contra o imperialismo americano.
Como o próprio Malcolm X escreveu mais tarde em
sua autobiografia, Fidel “deu um golpe psicológico contra o Departamento de
Estado dos EUA quando o confinou em Manhattan, sem imaginar que ele
permaneceria no Harlem e causaria tal impressão nos negros”. Rosemari Mealy, em
sua obra Fidel e Malcolm X: Memórias de um Encontro, destaca o profundo
significado dessa medida.
Ele observa que o encontro simbolizou "o
respeito que os dois homens tinham um pelo outro" e sua luta compartilhada
pela autodeterminação e libertação nacional.
Para os milhares de pessoas que se reuniram em frente ao hotel,
"começou a tomar forma a ideia de que Castro viria para cá para se hospedar
porque havia descoberto, como a maioria dos negros, o tratamento repugnante
dispensado aos desfavorecidos no centro da cidade". Fidel era visto como
um revolucionário que havia "mandado a América branca para o
inferno", como disse um jornal negro contemporâneo. Esse sentimento
poderoso repercutiu profundamente na comunidade.
Encontro anti-imperialista no coração do Harlem
O lendário Malcolm X se encontra com Fidel Castro no Hotel Theresa, no Harlem. Foto: Arquivo Cubadebate.
O encontro no Hotel Theresa foi um momento
crucial na história do internacionalismo e da solidariedade anti-imperialista.
Demonstrou uma clara compreensão de que a luta contra a opressão racial e pelos
direitos humanos nos Estados Unidos estava inextricavelmente ligada à luta contra
o colonialismo e o imperialismo no exterior. Este é um tema central explorado
por acadêmicas como Rosemari Mealy em sua obra, que compila relatos e reflexões
em primeira mão, destacando como o encontro simbolizou uma era de
descolonização e lutas por direitos humanos entre povos negros e do Terceiro
Mundo em todo o mundo. Foi uma forte
rejeição à narrativa da Guerra Fria, que buscava retratar esses movimentos como
isolados e ilegítimos.
O encontro expôs a hipocrisia das pretensões
dos Estados Unidos de serem um farol de liberdade, enquanto seus próprios
cidadãos negros enfrentavam segregação e violência sistêmicas, não apenas no
Sul dos Estados Unidos sob as leis de Jim Crow, mas também em centros urbanos
do Norte. A decisão de Fidel de se mudar para o Harlem e seus encontros
subsequentes com líderes mundiais como Jawaharlal Nehru, da Índia, e Gamal
Abdel Nasser, do Egito, a partir de sua "nova sede", o transformaram
de uma figura hemisférica em uma figura global. Como escreve Simon Hall em “
Dez Dias no Harlem ", as ações de Fidel destacaram que "a mancha da
segregação permanecia viva no Norte urbano" e colocaram as políticas de
anti-imperialismo e igualdade racial no centro da Guerra Fria. A imagem do
Hotel Theresa, um estabelecimento de propriedade de negros que serviu como um
centro para líderes mundiais que desafiavam o poder dos Estados Unidos, foi uma
manifestação tangível da ascensão do projeto de soberania e independência do Terceiro
Mundo em sua infância.
Em 24 de setembro, a atmosfera no quarto de
Fidel no Hotel Theresa era eletrizante, um pequeno cômodo repleto da energia de
uma jovem revolução. Estava lotado de guerrilheiros cubanos, jovens que haviam
descido das montanhas da Sierra Maestra menos de dois anos antes. Aos 34 anos,
o próprio Fidel era um turbilhão de movimento; sua famosa barba e seu uniforme
verde-oliva irradiavam uma energia inquieta. O quarto, abarrotado de rascunhos
de seu próximo discurso na ONU e telegramas de notícias dispersos, servia como
um quartel-general improvisado. À sua frente, sentava-se Malcolm X, de 35 anos,
que, em um terno elegante e com uma presença igualmente imponente,
personificava o movimento de libertação negra cada vez mais militante nos
Estados Unidos. O encontro foi uma troca
profunda, ainda que breve, entre dois homens que reconheceram um no outro o
reflexo de suas próprias lutas, uma luta compartilhada pelo que Fidel chamaria
dois dias depois, em seu histórico discurso de quatro horas perante a ONU, de
"plena dignidade humana" de todos os povos oprimidos. Apenas alguns jornalistas negros foram
autorizados a entrar, diante dos quais Fidel, falando em inglês, expressou sua
admiração pela resiliência dos afro-americanos. "Admiro isso", disse
ele. "Seu povo vive aqui e enfrenta essa propaganda o tempo todo, e ainda
assim eles entendem. Isso é muito interessante." A resposta de Malcolm X
foi sucinta e contundente: "Somos 20 milhões, e sempre entendemos."
Ao sair do hotel, diante de uma multidão de jornalistas hostis que lhe
perguntavam sobre sua simpatia pelos cubanos, Malcolm X respondeu
desafiadoramente: "Por favor, não nos digam quem devem ser nossos amigos e
quem devem ser nossos inimigos."
Embora Fidel e Malcolm X nunca mais se
encontrassem pessoalmente, suas vidas se entrelaçaram por meio de um compromisso
compartilhado com o internacionalismo. Poucos anos após seu encontro histórico,
Malcolm X viajaria para Gaza, onde se encontraria com a recém-formada
Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e escreveria seu poderoso
ensaio "A Lógica Sionista", no qual descreveria o sionismo como
"uma nova forma de colonialismo". Essa solidariedade espelhava a da
Revolução Cubana; delegações cubanas anteriores, incluindo Raúl Castro e Che
Guevara, também haviam visitado Gaza, e Cuba se tornaria um dos primeiros
países a reconhecer tanto a OLP quanto o Estado Palestino.
Do Harlem à Palestina
Os ecos da reunião de 1960 ressoam fortemente
na próxima 80ª sessão de alto nível da Assembleia Geral das Nações Unidas. Os
princípios fundamentais que definiram o encontro entre Fidel e Malcolm X —
autodeterminação, anti-imperialismo e a plena dignidade dos povos oprimidos —
são hoje objeto de intensa controvérsia. Isso é mais evidente no genocídio
ocorrido na Palestina, onde, por quase dois anos, Israel, com o apoio inabalável
dos Estados Unidos, busca erradicar o povo palestino em Gaza por meio de uma
campanha brutal de guerra sem fim, cerco e fome provocada pelo homem.
Hoje, a luta palestina reflete o bloqueio
opressivo e o cerco genocida que Cuba sofreu por décadas. Enquanto a luta de Cuba contra o bloqueio e as
sanções dos EUA tem sido uma guerra prolongada de atrito, marcada por um
desaparecimento calculado do ciclo de notícias, a experiência palestina tem
sido um massacre constante e visceral. A mídia americana e ocidental
deslegitima consistentemente a realidade de ambos os povos, mas difere em sua
visibilidade imediata e brutal. A solidariedade que Malcolm X demonstrou para
com Cuba, vendo em Fidel uma alma gêmea na luta contra o poderoso império
americano, é o mesmo espírito que anima os movimentos pró-palestinos hoje.
Assim como Fidel e Malcolm X reconheceram sua causa comum, uma nova geração de
ativistas ao redor do mundo vincula cada vez mais a luta palestina aos seus
próprios movimentos anticolonialistas, antirracistas e de libertação. Em todos
os continentes, a bandeira palestina e o keffiyeh tornaram-se inseparáveis da
luta pela autodeterminação. Milhões de jovens ao redor do mundo estão hoje
desafiando o domínio da hegemonia dos EUA e reorientando o debate sobre o
direito humano fundamental de todos os povos oprimidos de viverem livres do
imperialismo através do prisma da luta palestina.
A dinâmica da reunião de 1960 se reflete nos
debates atuais na ONU. O governo dos Estados Unidos continua a usar seu poder
para reprimir a oposição e punir aqueles que desafiam sua agenda de política
externa, particularmente no que diz respeito à Palestina. A decisão sem
precedentes do Secretário de Estado Marco Rubio, em 29 de agosto de 2025, de
negar vistos a toda a delegação palestina é um claro exemplo disso. Em uma
declaração, Rubio deixou claro que os Estados Unidos usarão sua autoridade de
vistos para promover sua agenda política, afirmando que "é do nosso
interesse de segurança nacional responsabilizar a OLP e a Autoridade Palestina
por não cumprirem seus compromissos e minar as perspectivas de paz".
Este ato de isolamento diplomático, muito
semelhante ao tratamento recebido por Fidel Castro em 1960, visa deslegitimar a
causa palestina e impedi-la de ganhar mais espaço no cenário internacional.
Apesar das contradições impostas pelo papel da Autoridade Palestina como única
representante do povo palestino na ONU, é importante reconhecer que se trata de
uma tentativa de silenciar um povo cuja própria existência está sob cerco. No
entanto, a questão mais urgente é que a resposta da comunidade internacional ao
genocídio em Gaza deve ir além de simples expressões de simpatia. Embora vários países europeus e aliados dos
EUA estejam dispostos a reconhecer formalmente o Estado palestino, este gesto
por si só não será suficiente para pôr fim ao genocídio e à fome provocada pelo
homem. A ONU deve ir além do reconhecimento simbólico e tomar medidas
concretas. No mínimo, isso deve incluir sanções contra Israel e um esforço
conjunto para pôr fim ao bloqueio de Gaza. Além disso, com base no direito
internacional e nas acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade,
Netanyahu ou qualquer representante israelense deve ser impedido de comparecer
à Assembleia Geral da ONU. Como a ONU
pode acolher de forma confiável indivíduos considerados responsáveis por planejar
e executar atrocidades em massa?
A luta pela Palestina hoje, assim como a luta de Cuba contra o bloqueio, é uma luta pela autodeterminação. As lições do encontro entre Fidel e Malcolm X são claras: a solidariedade entre movimentos é uma arma poderosa contra o imperialismo. Sessenta e cinco anos depois, continuamos a nos inspirar naquele breve, mas monumental encontro no Harlem, aprendendo que a solidariedade não é um mero gesto, mas uma ferramenta vital na luta pela libertação.
https://cubaenresumen.org/2025/09/19/una-reunion-en-harlem-malcolm-x-fidel-castro-y-la-lucha-por-palestina / Comitê Carioca
Nenhum comentário:
Postar um comentário