Delegação de luta olímpica do país caribenho migra para a Vila dos Atletas após duas semanas de um convívio que mudou a rotina e o olhar de estudantes, comerciantes e moradores
Cubanos deixam mensagens de carinho aos brasileiros pela acolhida no hostel. Foto: Roberto Castro/Brasil2016.gov.br |
Duas semanas de
convívio foram suficientes para estabelecer um laço de amizade e carinho
entre moradores de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e a
equipe cubana multicampeã de luta olímpica. Em vez de hotéis luxuosos ou
mesmo a Vila Olímpica, os cubanos optaram por se hospedar em um hostel
na região. Com simpatia e simplicidade, cativaram a vizinhança. Afinal,
não é todo dia que é possível ver um bicampeão olímpico andando pelas
ruas ou almoçando no bar da esquina.
“Acho que é a primeira vez que uma equipe olímpica fica num hostel”,
diverte-se Roberto Sampaio, um dos proprietários do Hostel Maraca, que
virou a casa do time de luta de Cuba no Brasil. O local foi escolhido
pela proximidade do centro de treinamento da Confederação Brasileira de
Wrestling (CBW), a cerca de dois quilômetros. Lá, a equipe cubana
completou a reta final de preparação para os Jogos Olímpicos Rio 2016,
antes de ir para a Vila Olímpica nesta terça-feira (02.08).
A logística incluiu o Bar do Adão, a poucos passos do hostel, para
refeições. O planejamento permitiu economizar tempo nos deslocamentos e
focar no treino e descanso. Mas para Raúl Trujillo, chefe da delegação
cubana, as vantagens não pararam aí. “Foi muito bom, porque o contato
com o povo ajuda muito. Você fica mais descontraído e a carga do treino,
a psicológica, essa carga acumulada se vai quando a gente conversa com
outras pessoas, ouve música. Estamos nos sentindo em casa”, afirma.
“O contato com o povo ajuda muito. Você fica mais descontraído e a carga psicológica se vai quando a gente conversa com outras pessoas, ouve música. Nos sentimos em casa”
Raúl Trujillo, chefe da delegação cubana
Os cubanos se instalaram nos quartos coletivos, estenderam uma
bandeira da ilha na varanda do hostel, colocaram ritmos caribenhos para
tocar e mudaram a rotina do hostel. Como boas-vindas, os lutadores
ganharam até uma tarde de samba com ritmistas e passistas da Vila
Isabel. A batucada, no sábado (30.07), serviu para descontrair a
delegação e aproximar ainda mais os cubanos da comunidade.
No hostel, os outros hóspedes ficaram encantados por estarem dormindo
no mesmo lugar de uma equipe olímpica. E Roberto Sampaio garante que o
tratamento foi o mesmo para todos. “Eles só queriam ter um lugar para
descansar bem, sem problemas. Não houve exigência de comida, de
travesseiro, de colchão, nada. É o que temos aqui e eles não reclamaram
de nada. Na verdade, elogiaram tudo o que a gente ofereceu”, conta.
Os dez lutadores e os oito integrantes da comissão técnica
compartilharam quartos oferecidos pelo hostel, com beliches. Apenas o
bicampeão olímpico de luta greco-romana Mijaín López, que mede 1,96m e
pesa 120kg, dormiu em uma cama maior, de casal. "Estou muito feliz de
estar aqui com o povo brasileiro. Temos vivido uma experiência muito
boa”, diz Mijaín, que está no Brasil pela segunda vez. Na primeira,
levou o ouro nos Jogos Pan-Americanos Rio 2007.
Cardápio especial
No Bar do Adão, a presença dos cubanos também chamou a atenção dos
clientes e atraiu um grupo de compatriotas fãs dos lutadores. Até mesmo o
filho de Fidel Castro, Antônio Castro, que é médico da delegação
olímpica de Cuba, foi visitar os lutadores e acabou experimentando a
comida oferecida pelo estabelecimento.
"Eles só queriam um lugar para descansar bem, sem problemas. Não houve exigência de comida, de travesseiro, de colchão, nada. É o que temos aqui e eles não reclamaram de nada"
Roberto Sampaio, um dos proprietários do hostel
Aurélio Pimentel, proprietário da loja da franquia em Vila Isabel,
conta que o cardápio foi preparado segundo as orientações da
nutricionista da equipe cubana. “Ela nos orientou a tirar gordura, fazer
feijão sem bacon, sem linguiça. Basicamente é arroz, feijão, salada e
uma proteína que eles escolheram no dia anterior: peixe, carne ou
frango. Tudo simples, com tempero brasileiro. Como eles todos são de
luta, tem que bater peso. A única coisa que eles não fugiram foi da
batata frita”, entrega o comerciante.
Os cubanos gostaram não só do sabor dos pratos, como também do
serviço atencioso. “Muito boa a comida e a atenção de todos os
funcionários foi ótima. Todos na torcida pela gente, sempre falam
‘Fiquem com Deus’. É maravilhoso. Para nós, desde o início foi muito
importante que os Jogos sejam na América e, principalmente, no Brasil”,
diz Raúl Trujillo.
A passagem dos cubanos pelo hostel deixou uma lição de vida para o
empresário Roberto Sampaio. “Fiquei amigo de todos. É até um aprendizado
que a gente está tendo de vida. São campeões olímpicos, mundiais, e
eles não têm essa de ficar em hotel de luxo. São simples e mostram que
dinheiro não é tudo. Eles dão valor à vida acima de tudo”.
Despedida
A simpatia cubana também marcou as crianças de uma escola
montessoriana em frente ao hostel. Sem saber muito bem o que é luta
olímpica, os pequenos acabaram esbarrando com os atletas nas ruas do
bairro e ficaram maravilhados. “A gente foi falar com eles e nos
trataram superbem, tiraram fotos com a gente. Foi muito bom”, contou
Carolina Sulam, estudante de 16 anos que organizou uma despedida para os
cubanos nesta terça-feira (02.08).
Depois de 15 dias no bairro, a delegação rumou para a Vila Olímpica,
mas antes recebeu mensagens de incentivo de dezenas de crianças, que
fizeram cartazes em espanhol, encheram balões nas cores da bandeira
cubana e gritaram o nome do país. O gesto emocionou os lutadores. “Só o
Brasil é capaz de fazer algo assim”, disse o chefe da delegação, Raúl
Trujillo, com a voz embargada.
Como fala português, já que morou em Portugal por 15 anos, Raúl fez
questão de pegar o microfone e agradecer o carinho das crianças.
“Estamos todos muito emocionados. Obrigado”. Para a coordenadora da
Meimei Escola Montessoriana, Cláudia Soares, o encontro foi um presente
para funcionários e alunos. “Nosso espírito olímpico, que ainda estava
morno, nasceu. As crianças estavam eufóricas preparando cartazes para
que eles se sintam acolhidos. O que a gente quer passar é energia
positiva, sucesso, porque já são verdadeiros campeões”, disse.
“Nosso espírito olímpico, que ainda estava morno, nasceu. As crianças estavam eufóricas preparando cartazes para que eles se sintam acolhidos”
Cláudia Soares, coordenadora da escola Meimei
Carolina, que está na torcida por medalhas cubanas na luta, fez
questão de abraçar um por um na delegação e desejar boa sorte. “Acho que
eles sentem o mesmo calor que a gente sentiu quando a gente encontrou
com eles pela primeira vez”.
Parceria Brasil-Cuba
A preparação da equipe cubana de luta no centro de treinamento da
Confederação Brasileira de Wrestling faz parte de uma parceria que
completa uma década. Quando começou a fazer um trabalho para o
crescimento da modalidade no Brasil, a confederação foi atrás dos
cubanos, referência no esporte. Treinadores de Cuba foram trazidos para
as seleções brasileiras e os atletas de ambos os países passaram a fazer
treinamentos juntos.
“É um crescimento enorme para o nosso trabalho ter Cuba aqui, uma das
potências olímpicas. Faz com que os atletas se aproximem dessa
realidade. Nosso trabalho começou há pouco tempo, então para alcançar
esse nível vai demorar. Mas essa lacuna vai sendo preenchida com
oportunidades assim. Cuba foi importante não só para a luta brasileira,
mas para a luta em toda a América do Sul. Esse caminho que a gente fez
outros países como Venezuela, Colômbia e Equador também fizeram e
tiveram resultados”, conta o diretor de arbitragem da CBW, Eduardo Paz,
que se prepara para atuar nos Jogos como árbitro.
Para o brasileiro Diego Ribeiro Romanelli, da categoria até 59kg da
luta greco-romana, a oportunidade de treinar e ser sparring do atual
campeão mundial, Ismael Borrero, é única. “Eu estou evoluindo também,
porque treinar com uma pessoa forte como ele faz o meu nível aumentar”,
diz o atleta, que não se classificou para os Jogos, mas está na torcida
pelo amigo cubano.
Keila Calaça, que também ficou hospedada no Hostel Maraca e auxiliou
os cubanos durante a estadia em Vila Isabel, aponta a humildade como
característica mais marcante dos lutadores. “É importante para todo
mundo que está treinando na seleção brasileira, e para os meninos novos
que estão vindo também. Eles estão vidrados assistindo ao treino e
participando. E é interessante ver a humildade dos atletas cubanos, a
gentileza deles em se dispor a treinar com quem tem nível inferior e
ainda ensinar. E isso numa época dessa, em que eles estão totalmente
focados. Mas eles têm essa questão de passar o conhecimento, têm prazer
nisso”.
A convivência com os cubanos fez com que Keila passasse a admirá-los
também como pessoas, e não só como atletas. “Todos os que estão aqui são
ídolos do esporte, e aí a gente vê a tranquilidade deles, que são
pessoas normais, gente como a gente, e vê que também pode chegar lá. A
maior lição para mim é essa: são seres humanos maravilhosos, de grande
educação e muito humildes. Isso é um aprendizado para a vida toda como
ser humano, não só como atleta”, resume a lutadora do estilo livre, na
categoria até 75kg, que está como suplente na seleção brasileira que vai
disputar a Olimpíada.
VENCEMOS !!! VENCEREMOS !!!
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