16 de jun. de 2023

O heroísmo de Snowden continua brilhando

               

      Esta semana marca o décimo aniversário das revelações sobre vigilância ilegal por instituições federais dos EUA, com as quais Edward Snowden chocou o mundo. Infelizmente, muitos dos meios de comunicação que usaram seus vazamentos de informações confidenciais há muito tempo o ignoraram ou se juntaram à manifestação desavergonhada que pede que seja processado.

    Snowden prestou um serviço heroico ao expor aos americanos a pilhagem de Washington de sua privacidade. A "recompensa" de Snowden foi acabar exilado na Rússia, sem a menor chance de um julgamento justo se ele retornasse aos EUA. Mas, como ele declarou corajosamente: "Prefiro ficar sem Estado a ficar sem voz". Ele também explicou por que vazou as informações confidenciais: "Eu não poderia, em sã consciência, permitir que o governo dos EUA destruísse a privacidade, a liberdade na Internet e as liberdades básicas das pessoas em todo o mundo com essa máquina de vigilância em massa que eles estão construindo secretamente."

    Para reconhecer a contribuição de Snowden para a liberdade, é útil rever o cenário político e jurídico anterior às suas revelações. Em 2008, as alegações do senador Barack Obama de que o governo Bush estava fazendo escutas sem mandado solidificaram sua imagem como defensor das liberdades civis. Em sua campanha presidencial, Obama prometeu "não mais escutas ilegais de cidadãos americanos..... Chega de ignorar a lei quando ela for inconveniente". Infelizmente, Obama não prometeu não ignorar a lei quando fosse "muito, muito conveniente".

                           


Barack Obama: o espião-chefe dos EU

     Quando Obama ganhou a indicação presidencial do Partido Democrata, ele voltou atrás e votou para conceder imunidade às empresas de telecomunicações que traíram seus clientes para o Tio Sam. Isso foi apenas um prenúncio de como ele atropelaria a Constituição no futuro. Após sua posse, os indicados de Obama rapidamente expandiram as apreensões de dados pessoais dos estadunidenses pela Agência de Segurança Nacional (NSA). O Washington Post caracterizou o primeiro mandato de Obama como "um período de crescimento exponencial na coleta doméstica de dados da NSA".

   As revelações de vigilância ilícita, que começaram após o 11 de setembro, continuaram apesar do mantra de "esperança e mudança" que Obama supostamente apregoava. Pouco depois de sua posse, o ex-analista da NSA Russell Tice afirmou que a NSA estava monitorando "as comunicações de todos os estadunidenses: faxes, chamadas telefônicas e comunicações por computador". Tice também revelou que a NSA tinha como alvo jornalistas e agências de notícias para escutas telefônicas. As revelações de Tice não chamaram a atenção da mídia.

   Em junho de 2009, a NSA admitiu ter coletado acidentalmente informações pessoais de um grande número de estadunidenses. O New York Times informou que "o número de comunicações individuais que foram coletadas indevidamente pode chegar a milhões". Mas isso não foi um crime, apenas uma "coleta excessiva" não intencional de dados pessoais de estadunidenses que a NSA manteria por (pelo menos) cinco anos.

    Em 2010, o Washington Post informou que "todos os dias, os sistemas de coleta [da NSA] interceptam e armazenam 1,7 bilhão de e-mails, chamadas telefônicas e outras comunicações". Em 2011, a NSA expandiu um programa para fornecer informações de localização em tempo real sobre cada estadunidense com um telefone celular, adquirindo mais de um bilhão de registros de telefones celulares por dia da [empresa multinacional de comunicações dos EUA] AT&T. Apesar de tudo isso, a mídia continuou a retratar Obama como um defensor das liberdades civis.

   Obama perpetuou doutrinas jurídicas perversas da era Bush para manter a vigilância federal completamente livre do escrutínio judicial. Depois que a Suprema Corte aceitou um caso sobre escutas telefônicas sem mandado em 2012, o governo Obama pediu aos juízes que rejeitassem o caso. Um editorial do New York Times chamou a posição do governo de "um círculo vicioso particularmente cínico: como a escuta é secreta e ninguém pode dizer com certeza que suas ligações foram ou serão monitoradas, ninguém tem legitimidade para processar a vigilância".
                     


Suprema Corte mantém a vigilância

     Cinco juízes ficaram satisfeitos com os argumentos cínicos. O juiz Samuel Alito, representando a maioria, declarou que a corte estava relutante em conceder legitimidade para desafiar o governo com base em "teorias que requerem conjecturas" e "nenhum fato específico" que demonstre os objetivos federais, baseando-se em temores de "danos futuros hipotéticos". A Suprema Corte insistiu que o governo já oferecia garantias suficientes - como o tribunal da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira (FISA) - para proteger os direitos dos estadunidenses. O professor de direito Stephen Vladeck comentou sobre a decisão: "O caixão foi fechado sobre a possibilidade de cidadãos e grupos de liberdades civis contestarem as políticas antiterroristas do governo".

     Três meses depois, jornais de todo o mundo começaram a publicar documentos confidenciais vazados por Snowden. Os estadunidenses ficaram sabendo que a NSA podia grampear quase todos os telefones celulares do mundo, usar jogos de computador como o Angry Birds para roubar dados pessoais, acessar o e-mail e o histórico de navegação na Web de qualquer pessoa, penetrar remotamente em quase todos os computadores e quebrar a grande maioria das criptografias de computadores. A NSA usou aplicativos do Facebook e do Google para enviar malware a indivíduos. A NSA vazou quase 200 milhões de documentos por mês de contas privadas de nuvem de computadores. O Departamento de Justiça de Obama decretou secretamente que todos os registros telefônicos de todos os estadunidenses eram "relevantes" para investigações de terrorismo e que a NSA poderia, portanto, confiscar justificadamente os dados pessoais de todos.
 
Snowden expôs o estado de vigilância

      Snowden revelou que a NSA havia realizado secretamente "a mudança mais significativa na história da espionagem dos EUA, da vigilância direcionada de indivíduos para a vigilância em massa de populações inteiras". A NSA criou um "repositório capaz de receber 20 bilhões de 'registros' por dia e disponibilizá-los para os analistas da NSA em 60 minutos". A NSA é capaz de capturar e armazenar um bilhão de vezes mais informações do que a polícia secreta Stasi da Alemanha Oriental, um dos mais odiosos serviços de inteligência do pós-guerra. Snowden comentou posteriormente: "A vigilância sem motivos para suspeita não se torna aceitável simplesmente porque está vitimando apenas 95% do mundo em vez de 100%".

     Tentando amenizar a polêmica, Obama justificou a vigilância da NSA como "uma simples concessão que fazemos". .... Dizer que há uma concessão não significa que abandonamos a liberdade. Acho que ninguém diria que deixamos de ser livres porque temos postos de controle nos aeroportos".

      No Capitólio, a resposta às revelações de Snowden variou de vazia a astuta. O presidente da Câmara, John Boehner, declarou: "Quando você analisa esses programas, há salvaguardas claras. Nenhum estadunidense será bisbilhotado, a menos que esteja em contato com algum terrorista em algum lugar do mundo". Outros líderes do Congresso foram rápidos em denunciar Snowden como um "traidor". O presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, o republicano Mike Rogers, e o ex-chefe da NSA, Michael Hayden, brincaram publicamente dizendo que o governo poderia tentar eliminá-lo. Rogers ganhou o prêmio "Maluco da Semana" por defender a vigilância ilegal: " Não se pode violar sua privacidade se não sabes que sua privacidade está sendo violada".
Independentemente das evidências de Snowden, os funcionários e porta-vozes do governo Obama insistiram que a NSA só grampeava indivíduos ligados ao terrorismo, mas a definição de suspeito de terrorismo da NSA era ridiculamente ampla, incluindo "alguém que procura coisas suspeitas na Internet". Se alguém criptografasse seus e-mails, isso por si só justificava a escuta telefônica. Snowden comentou em 2014: "Se eu quisesse obter uma cópia do e-mail de um juiz ou de um senador, bastava inserir esse seletor no XKEYSCORE", um programa da NSA que não exigia nenhum mandado do Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira (FISA) ou de qualquer outro tribunal.

     O presidente Obama procurou acalmar a controvérsia proclamando corajosamente: "Os estadunidenses não estão sendo espionados". O New York Times deu o título de sua reportagem sobre o esforço de relações públicas de Obama: "President Takes Step to Ease Surveillance Concerns; Talks of New Transparency". Falar era barato.

      O Washington Post analisou um conjunto de 160.000 conversas/truques secretos de e-mail (fornecidos por Snowden) interceptados pela NSA e descobriu que nove em cada dez titulares de contas não eram os "alvos pretendidos da vigilância, mas foram pegos em uma rede que a agência havia lançado para outra pessoa". Quase metade das pessoas cujos dados pessoais foram inadvertidamente apreendidos eram cidadãos estadunidenses . Os arquivos "contam histórias de amor e desgosto, sexo ilícito, crises de saúde mental, conversões políticas e religiosas, angústia financeira e esperanças frustradas", observou o Post. Se um cidadão estadunidense escrevesse um e-mail em um idioma estrangeiro, os analistas da NSA presumiam que ele ou ela era um estrangeiro que poderia ser monitorado sem um mandado.

    As decisões do tribunal da FISA "criaram um corpo secreto de leis que deu à Agência de Segurança Nacional o poder de acumular vastas coleções de dados sobre os estadunidenses", informou o New York Times em 2013. As decisões sigilosas (vazadas por Snowden) mostraram que os juízes da FISA aprovaram apreensões maciças de dados pessoais de estadunidenses que contradiziam flagrantemente as decisões da Suprema Corte sobre a Quarta Emenda. O Times observou que o tribunal da FISA havia "se tornado quase uma Suprema Corte paralela, atuando como árbitro final em questões de vigilância" e quase sempre concedendo às agências federais todo o poder que elas desejassem. A grande maioria dos membros do Congresso não tinha conhecimento de que um tribunal secreto havia derrubado secretamente grande parte da Declaração de Direitos. Isso não impediu Obama de proclamar que o tribunal da FISA era "transparente", mesmo que apenas a Casa Branca pudesse vê-lo.
                


     As revelações de Snowden indignaram alguns juízes. Em dezembro de 2013, o juiz federal Richard Leon emitiu uma decisão denunciando o regime de vigilância da NSA como "quase orwelliano": "Não consigo imaginar uma invasão de privacidade mais indiscriminada e arbitrária do que essa coleta e retenção sistemática e de alta tecnologia de dados pessoais de praticamente todos os cidadãos para fins de consulta e análise sem aprovação judicial prévia".

      Obama tentou amenizar a controvérsia selecionando um painel de especialistas que ele esperava que justificasse sua vigilância. Mas o painel informou que não houve um único caso em que a captura de dados telefônicos tenha sido necessária para impedir um ataque terrorista. O relatório do painel também advertiu: "Os estadunidenses nunca devem cometer o erro de depositar total confiança em nossos funcionários públicos". O painel concluiu que a "coleta em massa de registros telefônicos de cidadãos estadunidenses foi de pouca utilidade na luta contra o terrorismo", informou a ABC News. Richard Clarke, membro do painel, comentou: "Muito pouco dos dados coletados nesse programa foi útil". Mas, como observou Snowden, "esses programas nunca tiveram a ver com terrorismo, mas sim com espionagem econômica, controle social e manipulação diplomática. Eles têm a ver com poder".

     O governo Obama fez poucas mudanças substanciais em resposta à revelação de Snowden sobre a ampla atividade criminosa. O autor e especialista em NSA, James Bamford, observou pouco antes da eleição de 2016: 
    "Durante seus dois mandatos, Obama criou o estado de vigilância mais poderoso que o mundo já viu"
       Apesar do tumulto causado pelas revelações de Snowden, nem o Congresso nem os tribunais federais frearam o estado de vigilância.

       Snowden declarou: "O consentimento dos governados não é consentimento se não for informado". Para Washington, esse consentimento tem se tornado cada vez mais uma miragem. O sigilo generalizado que proliferou nos Estados Unidos após o 11 de setembro tornou muito mais difícil para os cidadãos controlar seus governantes. Independentemente da saúde da democracia americana, as advertências de Snowden sobre a "arquitetura da opressão" são mais pertinentes do que nunca.

     Outra lição que Snowden ensina à nossa democracia é a futilidade da obediência passiva. Um grande número de americanos supõe que estarão a salvo dos delitos do governo ou de outros desastres federais se simplesmente abaixarem a cabeça e não reclamarem. Entretanto, ao impedir a resistência ao governo, a vigilância dá aos governantes rédea solta para causar muito mais danos. Se os políticos arrastarem esta nação para uma guerra de grandes proporções, manter a boca fechada não nos protegerá dos mísseis que se aproximam.

     Os cidadãos não podem consentir com a vigilância ilegal do governo sem abrir mão de seu direito à privacidade. Não há motivo para as pessoas confiarem em programas federais secretos mais do que Washington confia nos cidadãos estadunidenses. A maior ilusão de todas é pensar que os estadunidenses estarão mais seguros depois que os federais reduzirem ainda mais sua privacidade.


https://cubaenresumen.org/2023/06/15/el-heroismo-de-snowden-sigue-brillando/

Tradução/ Edição: Carmen Diniz/ Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba
  

Nota da tradutora (para que não se esqueça):
                                           
                                    


                                     

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