Carmen Diniz*
“Seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica”
Neste 2021, ano do centenário do patrono da
Educação Brasileira, mestre Paulo Freire,
chegamos a esse 15 de outubro aos trancos e barrancos no caos da
pandemia e do pandemônio.
Dia do mestre. Dar os parabéns aos
profissionais da educação no Brasil não basta e pode revelar uma falsa
impressão. Como assim dar os parabéns para que se estimule a continuidade do
sacrifício e do ‘sacerdócio’? Muito
difícil. O que se reivindica é o reconhecimento pelo poder público da
importância do seu trabalho. Na forma de dinheiro? De melhores salários? Bem,
vivemos em um país selvagemente capitalista, o que equivale a dizer que é dessa
forma que se altera o status de todo um setor.. O novo “bezerro de ouro” é o
dinheiro, verdade? Então que assim seja, que ao menos neste particular os
profissionais da educação sejam reconhecidos. Não é uma mera utopia e bem
sabemos que dinheiro há, basta que se elejam as prioridades corretas.
Uma vez que esse texto reflete as bases do
Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba é inevitável que se inclua aqui a
educação cubana. Não se consegue entender a Revolução Cubana sem a contribuição
seminal da educação. Essencial ao país, foi a educação que alterou
profundamente a realidade cubana a partir da Revolução em Cuba e que tirou a
população da inércia em que vivia. Antes
dela, até 1958 o país contava com um milhão de analfabetos (além de outro tanto
de analfabetos funcionais), meio milhão de crianças sem escola, um ensino
fundamental que só chegava à metade da população e 10 mil professores
desempregados. Tudo isso em uma população de 6,5 milhões de habitantes. Triste
quadro presente ainda em países neocolonizados da América Latina. É sabido que
a Revolução cubana conseguiu transformar radicalmente essa situação especialmente
com a Campanha Nacional de Alfabetização que em somente um ano (1961) declarou o país
como Território Livre do Analfabetismo.
A partir deste feito impressionante, Cuba começa um novo rumo em sua história e a construção de uma nova sociedade.
Sobre a campanha, Paulo Freire declara: “Para
mim a campanha de alfabetização cubana, seguida anos depois pela Nicarágua (que apoiou também Cuba) constitui um dos fatos mais importantes da
história neste século.”
A conclusão é de que não há
nenhum outro tipo de atividade humana que consiga alterar e transformar uma
realidade como a EDUCAÇÃO. Não há nenhuma
outra profissão que possa alterar a realidade de um país como a educação pode
fazer.
Aqui não se está enaltecendo
Cuba em prejuízo de nossa realidade, mas sim para demonstrar a importância dos
profissionais da educação brasileira que tem como seu patrono um gigante como
Paulo Freire e de quem temos o maior orgulho. Ele, um admirador da Revolução
Cubana – como não poderia deixar de ser. Cuba fez uma Revolução e nós vamos
também aqui modificar a situação atual com algo muito diferente, provavelmente
com outro tipo de revolução. Não há dúvidas quanto a isso.
Paulo Freire sempre disse que criar um
projeto de sociedade é diferente de simplesmente alfabetizar. Não é ensinar a
ler senão contribuir para que o indivíduo consiga “ler o mundo”, se
autotransformando e se conscientizando . A partir daí a transformação social
será concomitante e complementar como autodeterminação dos povos. O indivíduo
passa a ter a leitura política da realidade. Paulo Freire e José Martí, o
patrono da Revolução cubana, apesar de não terem sido contemporâneos, coincidem
em muitas coisas : ambos desmontam o mito do eurocentrismo e lutam pela
descolonização do pensamento, por pedagogias emancipatórias e reconhecimento
das ideias do nosso subcontinente.
É com a identidade cultural de um povo que este se liberta e isso há que estar presente em cada perspectiva e projeto. O neocolonialismo atualmente é disfarçado como “universalidade” para ser imposto a uma sociedade em um perigoso discurso. Freire e Martí sonharam um povo livre. Uma América Latina livre, e Cuba comprovou que é possível desenvolver uma educação com alto nível de qualidade - mesmo com precários investimentos. Por isso trazemos a educação cubana neste texto. Não para fazer uma comparação com nossa realidade e reforçar nosso permanente “complexo de vira-latas” como dizia o escritor, mas sim para ressaltar a possibilidade.
Tudo isso segue um pouco o que o educador Rubem Alves poetiza **, ou seja, inspirar os educadores a perceber o quanto se pode fazer por um
país tendo como um dos pilares a educação. E demonstrar que sim, se pode, que
isto não é uma utopia inalcançável ! É neste sentido que trazemos nossa
homenagem aos educadores, mostrando sua importância na grande transformação de
um país e não perder de vista que sem o trabalho de todos e todas no setor, não
teria ocorrido uma revolução, por exemplo naquela ilha. A base da sociedade
cubana é a educação. Sem ela, Cuba seria como qualquer outro país da região.
Colonizado e explorado pelo capital – e disso nós entendemos bem.
A ideia principal neste 15 de outubro é prioritariamente
fazer um registro da importância do trabalho de nossos educadores que muitas
vezes se sentem tão pouco valorizados, precarizados e desanimados para que se
sintam inspirados. Talvez neste aspecto a pandemia tenha feito a
sociedade perceber o valor da educação, do ambiente escolar, da instituição
escola . Da educação acadêmica, uma vez que não cabe aos educadores “educar” em
especial as crianças. Esta função cabe às famílias junto às instituições, não
somente aos professores. De forma geral se cobra às escolas a formação do
indivíduo e não há como atribuir todo esse peso ao ambiente escolar. Mais uma
vez se percebe essa preocupação em Cuba onde um dos princípios é que a educação
é tarefa da qual TODOS participam, uma responsabilidade de todos. Ali se
aperfeiçoa sempre o programa “ Eduque seu filho” com grande participação
da família na relação família - escola.
Tudo isso aqui exposto em poucas linhas almeja
estimular nossos homenageados a se inspirar nas mudanças que precisamos urgentemente. Precisamos
de Freire, de sua pedagogia própria para superar a colonialidade pedagógica
como ATO POLÍTICO. Pedagogia libertadora e humanizadora de toda a sociedade ,
descolonizando o pensamento. Pedagogia e escola para produzir indivíduos
críticos Porque “Educar é um ato de amor “ segundo Freire.
O compromisso dele – e do cubano José Martí
- é com a vida digna de todos. A
experiência de ser no mundo e a possibilidade de ser mais.
Voltando ao início desse artigo, aqui não se
pretende “parabenizar” nossos educadores mas sim enviar mensagem a fim de estimular
a luta por melhores condições de trabalho, estrutura que é urgente, enfim, algo
que um projeto de governo – de qualquer governo – tem obrigação de fornecer. Não
como favor, mas como dever, seguindo a constituição que assim o determina. E
que o Estado (independentemente do governo que o ocupe) saiba do poder que essa
categoria possui em transformar a realidade de um país. Não a subestimem.
Aqui uma homenagem a outro (dentre tantos) brasileiro educador; Darcy Ribeiro, que lança uma verdade dura mas não eterna:
Para inspirar ainda mais, um lindo vídeo com testemunhos emocionantes das mulheres que participaram da Campanha Nacional de Alfabetização em 1961.
Finalizando com mais uma citação de Paulo Freire no exílio, ao fim da “Pedagogia do Oprimido” que se adequa aos tempos atuais:
“Se nada ficar destas páginas, algo
pelo menos esperamos que que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos
homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar”
COMPANHEIRAS E COMPANHEIROS EDUCADORES BRASILEIROS , RECEBAM DO COMITÊ CARIOCA DE
SOLIDARIEDADE A CUBA OS PARABÉNS PELA NOBRE ESCOLHA QUE FIZERAM NA VIDA, NOSSO RECONHECIMENTO
POR SEU TRABALHO VALIOSO E QUE SAIBAM QUE ESTAMOS JUNTOS NA LUTA PELA
TRANSFORMAÇÃO DA NOSSA SOCIEDADE – QUE VIRÁ,
NÃO HÁ DÚVIDA !
**https://www.revistaprosaversoearte.com/como-ensinar-uma-extraordinaria-cronica-de-rubem-alves
Nenhum comentário:
Postar um comentário