11 de out. de 2022

EXCELENTE ANÁLISE SOBRE O REFERENDO DO CÓDIGO DAS FAMÍLIAS CUBANAS #CodigoSi

                    

Abstenção e ventres inventados contra o feminismo cubano   

José Manzaneda

Que nível de participação teria, em outro país, um referendo sobre um Código das Famílias, como o que foi aprovado recentemente em Cuba? Muito baixo, sem dúvida. Em 2021, na Suíça, um país com grande tradição de consulta direta, o matrimônio igualitário foi aprovado com uma participação de 52% (1). Na Itália, o último referendo, que incluía cinco consultas, convocou apenas 20% da população (2).

Primeiro invento: alta abstenção

Por isso, é quase engraçado ler que os 74% de participação no referendo de Cuba reflete uma “alta abstenção” (3). O argumento: no anterior, em que se aprovou a Constituição, a participação foi de 84%. Uma comparação demagógica, pela diferença de temáticas: uma, o futuro político a longo prazo de uma nação; a outra, uma extraordinária ampliação de direitos, mas que, para muitas pessoas – de Cuba ou de qualquer outro país – não representa um tema central na vida. Muito menos, no contexto de graves carências econômicas em que vive a Ilha.

Mas os meios de comunicação não só transformaram alta participação em alta abstenção. Também converteram uma vitória contundente do SIM (66%, o dobro do Não) em “um elevado voto de castigo ao Governo” (4). “Um referendo com cifras histórias de votos contrários”, dizia a televisão espanhola. E El País acrescentou: “Se somamos abstenções, nãos, votos nulos e brancos […] mais da metade da população não apoiou” a legislação auspiciada pelas autoridades”. A mesma mensagem lançada pelo Governo dos EUA através de sua rede de meios subvencionados (5). Como o Diario de Cuba, que deu a manchete “Mais de quatro milhões de cubanos disseram não ao socialismo” (6).

Mas vamos analisar os dados. Na consulta popular anterior, que debateu o Código em bairros e fábricas, já se percebeu uma alta porcentagem de pessoas que apoiam a Revolução, mas, a partir de posições de moral conservadora, expressaram sua contrariedade com o texto, (7). Houve, portanto, uma alta porcentagem de voto Não que não foi de rejeição ao sistema ou ao Governo. Embora que, é claro, também se somou ao Não o voto contrarrevolucionário e mais uma porcentagem de “voto de protesto” pela duríssima situação econômica. Em todo caso, o Sim, respaldado pelo Governo, deu de goleada, com o dobro de votos do Não.

Segundo invento: barrigas de aluguel

Por outro lado, meios como o diário espanhol Público serviram de plataforma de ataque ao Código das Famílias, desde posições supostamente “progressistas”. Já se alugam barrigas em Cuba” era o título de um artigo de Cristina Fallarás, em que mentia com total impunidade, onde se lê: “o pacote da referida Lei inclui também a aprovação das barrigas de aluguel” (9). Falso: a “gestação solidária” aprovada no Código cubano proíbe qualquer pagamento ou benefício, próprios da chamada “barriga de aluguel”, só se permite entre parentes e comunidade afetiva, e deve passar por um processo de garantias e autorização judicial (10). Pode-se estar ou não de acordo com essa medida, mas nunca mentir.

Em uma reportagem do mesmo meio, e com o mesmo tom de superioridade, Marisa Kohan qualificava a “gestação solidária” cubana como um “eufemismo” da “exploração reprodutiva das mulheres” (11), apoiando-se exclusivamente nas opiniões de juristas e sociólogas europeias. Por que não perguntar às juristas, sociólogas e feministas cubanas? Mas o mais engraçado foi a sua entrevista à “especialista” Ana Trejo, que garantia que, em Cuba, “poucas mulheres estão dispostas a passar” pela gestação solidária “sem receber compensação”, que lhes permita “pagar dívidas” ou “poder educar seus filhos”. Educar seus filhos! Que conhecimento profundo da realidade de Cuba, onde a educação – incluída a universitária – é totalmente gratuita.

Não importa que o Código das Famílias tenha sido a construção coletiva de milhares de militantes feministas e ativistas LGBTIQ+; que tenha contado com as opiniões e assessoria de dezenas de coletivos e centros de estudo; que tenha sido debatido e modificado por seis milhões de pessoas em 79 mil assembleias públicas, em que, aliás, se rejeitou a chamada “barriga de aluguel” (12). Não, as feministas cubanas devem estar de luto, porque, lá da metrópole, ainda não lhes deram a necessária benção. Amém.

                 
    

(1) https://www.dosmanzanas.com/2021/09/suiza-aprueba-en-referendum-el-matrimonio-igualitario.html

(2) https://www.clarin.com/mundo/rotundo-fracaso-referendums-italia-solo-voto-20-9-quedaron-anulados_0_HoauurVYjN.html

(3) https://www.swissinfo.ch/spa/cuba-referendo_la-abstenci%C3%B3n-marca-el-referendo-por-el-c%C3%B3digo-de-las-familias-en-cuba/47929420

(4) https://elpais.com/sociedad/2022-09-26/el-matrimonio-igualitario-es-aprobado-en-cuba-en-un-referendum-con-un-elevado-voto-de-castigo-al-gobierno.html

(5) http://www.cubadebate.cu/especiales/2021/02/03/usaid-ned-adn-el-negocio-de-la-democracia-en-cuba-esta-en-auge/

(6) https://diariodecuba.com/cuba/1664378239_42520.html

(7) https://www.juventudrebelde.cu/cuba/2022-05-14/mas-de-seis-millones-de-cubanos-participaron-en-la-consulta-del-codigo-de-las-familias

(8)http://www.cubadebate.cu/noticias/2022/10/04/resultados-del-referendo-del-codigo-de-las-familias/

(9) https://blogs.publico.es/cristina-fallaras/2022/09/29/ya-se-alquilan-vientres-en-cuba/

(10)https://www.cubainformacion.tv/contra-cuba/20220927/99301/99301-cuba-no-hay-vientre-de-alquiler

(11) https://www.publico.es/mujer/cuba-cuela-ley-familias-explotacion-sexual-mujeres-eufemismo-gestacion-solidaria.html

(12) https://www.prensa-latina.cu/2022/09/09/el-largo-camino-de-un-codigo-para-todos-en-cuba

 

Publicado por: La pupila insomne, 8 de outubro de 2022.

Tradução: Marcia Choueri - integrante do  Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba 

                                 


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